Os ministros europeus da Energia, como anunciou, a 29 de agosto, a
presidência checa da União Europeia (UE), vão reunir-se num Conselho
extraordinário a 9 de setembro, para debaterem uma “solução ao nível europeu”
para a acentuada crise energética, exacerbada pela guerra.
Quando os preços da energia, especialmente do gás, batem máximos e a UE
teme um corte no fornecimento energético russo devido à resposta europeia à
guerra da Ucrânia, Jozef Síkela, ministro da Indústria e Comércio da República
Checa, apontou a necessidade de “reparar o mercado energético” comunitário,
sendo a solução ao nível da UE a melhor.
E o primeiro-ministro checo, Petr Fiala, frisou que “os preços elevados da
energia são um problema à escala europeia, que é necessário resolver ao nível
europeu”, pelo que já falou com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, pois, antes do Conselho de Energia da UE, é preciso encontrar forma
de ajudar pessoas e empresas, a acertar com os líderes europeus.
No mesmo dia, Ursula von der Leyen, defendeu uma “intervenção de emergência
e uma reforma estrutural” no mercado da eletricidade da UE, admitindo “as
limitações” da configuração atual, exacerbadas pela crise. Com efeito, na atual
configuração, o mercado grossista da UE é um sistema de preços marginais, pelo
que os produtores de eletricidade recebem o mesmo pela energia que vendem num
dado momento, dependendo o valor final da fonte energética, com as renováveis mais
baratas do que os combustíveis fósseis.
Visto que a UE depende muito das importações de combustíveis fósseis,
nomeadamente vindas da Rússia, o atual contexto geopolítico levou a preços
voláteis na eletricidade, além do gás.
O anúncio desta reunião extraordinária surge também quando países como
Portugal adotam medidas para aliviar as faturas do gás.
Questionada pela Lusa, a Comissão Europeia defendeu, no dia 26, “medidas
limitadas” no gás, em Portugal, “em termos das quantidades abrangidas”, para
evitar o aumento do consumo na UE, embora saudando a proposta do Governo para
alargar a regulamentação do mercado.
Está em causa a meta da redução voluntária de 15% do consumo de gás até à
primavera de 2023, para aumentar o armazenamento nos Estados-membros e criar
uma almofada perante eventual rutura no fornecimento russo. De facto, as
tensões geopolíticas devidas à guerra na Ucrânia têm afetado o mercado
energético europeu, já que a UE importa 90% do gás que consome, sendo a Rússia
responsável por cerca de 45% dessas importações, em níveis variáveis entre os
Estados-membros (em Portugal, em 2021, o gás russo representou menos de 10% do
total importado).
O anúncio do Conselho
de Ministros da Energia em referência vem alinhado com o anúncio, pela presidente da Comissão Europeia, no mesmo dia 29, de
uma intervenção de emergência no setor elétrico, devido ao disparo dos preços
nos últimos meses, à boleia dos preços recorde no gás natural. Na verdade, a Comissão tem
estado a preparar a dita intervenção de forma a combater a escalada dos preços
grossistas, contaminados pelas cotações recorde do gás natural, pois o disparo dos
preços da eletricidade expõe as limitações do atual desenho de mercado,
desenvolvido para circunstâncias diferentes, sendo agora necessária a reforma
estrutural do mercado de eletricidade. Revelando que, dentro de duas semanas, irá
ao Canadá negociar uma parceria estratégica para diversificação das fontes de
aprovisionamento da UE, a Presidente da Comissão reiterou que a prioridade é
“acabar com a nossa dependência dos combustíveis fósseis da Rússia”. Mas a
Europa precisará de outras matérias-primas e isso “não pode criar novas
dependências”, devendo a Europa “diversificar o aprovisionamento e construir
laços com parceiros fiáveis”.
O anúncio de Ursula von der Leyen surge no dia em que o preço dos contratos
futuros da eletricidade na Alemanha para o ano 2023 atingiu um valor recorde de
1050 euros por megawatt hora (MWh), que acabou por descer para cerca de 800
euros por MWh.
Já no dia 26, o mercado de contratos futuros de eletricidade em França
colocou o preço dos contratos para 2023 acima dos 1000 euros por MWh,
alimentando receios quanto à evolução da fatura de energia dos consumidores.
Neste contexto, a reformulação dos mercados elétricos visará torná-los menos
permeáveis à alta volatilidade dos preços do gás natural, um combustível cuja
cotação nos contratos de referência na Europa (os TTF, negociados na Holanda)
permanece em patamares elevados, refletindo a incerteza quando à capacidade da
Europa de encontrar rapidamente novas fontes de gás que substituam o gás russo.
Embora o anúncio da presidente da Comissão Europeia não pormenorize em que
consistirá a intervenção de emergência e o redesenho do mercado elétrico,
cresceu o interesse da Europa por um tipo de soluções que desvincule o preço
grossista da eletricidade do preço do gás.
Foi isso que Portugal e Espanha procuraram fazer com o mecanismo ibérico
que entrou em vigor a 15 de junho, após receber luz verde de Bruxelas, criando
um regime temporário (até maio de 2023) que estipula um custo de referência
para o gás natural de forma a incentivar as centrais de ciclo combinado a
praticarem preços mais baixos na venda de eletricidade à rede, o que faz baixar
o preço recebido pelos restantes produtores. O mecanismo tem permitido, segundo
os cálculos dos dois governos, poupanças nos preços grossistas da eletricidade
de 15% a 20% face ao custo que a eletricidade teria na Península Ibérica se não
existisse o mecanismo. Por exemplo, os preços médios grossistas para 30 de
agosto estão nos 202 euros por MWh em Portugal e Espanha (459 euros por MWh,
incluindo custo da compensação para as centrais a gás), enquanto a França
pagará em média 744 euros por MWh, a Alemanha 660 euros, Itália 644 euros e a
Holanda 607 euros.
No dia 26, Robert Habeck, ministro alemão da Economia, declarou, segundo o Handelsblatt, que o Governo quer
reformular o seu sistema elétrico, desacoplando o preço da energia elétrica da
escalada do preço do gás, em linha com o que Portugal e Espanha estão a fazer.
***
Entretanto,
as associações empresariais
nacionais, algumas delas chamadas a contribuir com para o plano de poupança
energética português, que deverá ser conhecido até ao final de setembro,
insistem na adoção de medidas estruturais de redução de consumos e eficiência
energética.
A ADENE – Agência para a Energia recolheu propostas junto de várias
associações setoriais. E, entre as entidades consultadas, a Associação
Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) releva a importância da implementação
de medidas estruturais, como “a agilização dos mecanismos de licenciamento para
centrais de autoconsumo”, sendo a energia fotovoltaica em grandes edifícios uma
importante forma de reduzir a nossa dependência energética.
Já no atinente a medidas imediatas de poupança, a APCC defende três eixos
distintos de atuação: climatização, iluminação e meios mecânicos. Na climatização,
a medida mais importante é o acerto das temperaturas para 19º no inverno e 26º
no verão. Na iluminação, destaca-se a conclusão da passagem para iluminação
eficiente (LED) e os acertos de iluminação em áreas não comerciais (parques de
estacionamento, áreas técnicas, entre outras). E, quanto aos meios mecânicos, o
acerto de velocidades em elevadores e escadas rolantes. Segundo a APCC, estas
medidas imediatas podem vir a ter um impacto total de 10% na redução dos
consumos.
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que contribuiu
com propostas através da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, realça que
“o desafio de consumir menos energia, não pode estar separado da necessidade de
produzir mais e melhor energia”.
Para a associação, “a resposta à situação de crise energética deve passar
sobretudo pela consulta e envolvimento dos diferentes setores de atividade e
por iniciativas de duração limitada”.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) reitera a necessidade de
implementação de um programa que permita aos agricultores produzirem energia
renovável para autoconsumo, sendo o excedente introduzido na rede. E sustenta
que devem ser garantidos incentivos que promovam a adoção, “por parte de
todos”, de soluções energeticamente mais eficientes, como a renovação da frota
dos tratores agrícolas.
Já a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) diz, em
comunicado, estar disponível para discutir a redução dos horários de
funcionamento dos estabelecimentos, superiores à média europeia. Como medidas a
adotar no curto prazo, a CCP admite o controlo de temperaturas em
estabelecimentos comerciais ou edifícios de serviços e a diminuição da iluminação
noturna (montras e iluminação pública), como é adotado noutros países europeus,
mas advertiu para a “necessidade de garantir o reforço da segurança e
policiamento”. Adicionalmente, defende incentivos fiscais para a adoção de
soluções energeticamente mais eficientes como, por exemplo, lâmpadas LED e
painéis fotovoltaicos e, no setor dos transportes, destacou o apoio à renovação
de frotas para veículos que consumam menos combustível.
Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal
(AHRESP) defende que o Governo deve disponibilizar programas de apoio à
eficiência energética dirigidos às empresas, de acesso direto e simplificado.
Porém, o contributo das empresas da restauração, similares e do alojamento
turístico para a redução de 7% no consumo de energia, não pode passar por
restrições às suas atividades, nomeadamente a redução de horários, nem por
“quaisquer outras obrigações que se revelem penalizadoras” para as atividades
económicas do setor.
A EURATEX, associação patronal europeia do setor têxtil, quer
o lançamento urgente de uma estratégia única europeia para lidar com a crise
energética que fixe o máximo de 80 euros por megawatt hora (MWh) para o gás
natural. E o UNIPER, primeiro importador e armazenador de gás na Alemanha, que tem
sido afetado pela redução de 80% das entregas de gás russo, frisa que, enquanto
os preços da energia continuarem a aumentar na Europa, a necessidade de liquidez
aumentará, pelo que os governos não podem regatear os apoios por compensação
das perdas.
***
O disparo de preços no setor elétrico e no dos combustíveis
aumenta exorbitantemente os custos de produção e circulação empresarial e dos
serviços e, além de pôr em risco a sobrevivência das pessoas com exíguos
recursos, fragiliza grandemente a classe média, que, até há uns anos a esta
parte, tinha uma vida relativamente folgada e agora corre perigo de engrossar o
já enorme rol dos necessitados. Porque não reduzir para a taxa mínima do
imposto sobre o valor acrescentado (IVA) sobre os bens do setor energético e
dos combustíveis, bem como sobre os bens essenciais?
2022.08.29
– Louro de Carvalho
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