Embora falecido a 8 de julho, num a clínica catalã, onde estava internado,
o ex-presidente de Angola só foi sepultado no dia 28 de agosto. Com efeito, a
sua morte fora do seu país suscitou polémica entre os filhos mais velhos, que
não queriam que o defunto fosse sepultado em Angola, onde alegadamente fora
maltratado nos últimos tempos, e a viúva com os filhos mais novos, por um lado,
e entre aqueles e o Governo, por outro, que desejavam que o antigo estadista
fosse sepultado no país e com honras de Estado.
Apesar de o velório ter sido emoldurado por uma multidão menor que o
esperado, como provam as cadeiras vazias perto do
Mausoléu Agostinho Neto, os que acorreram à Praça da República, elogiaram o ex-presidente e agradeceram-lhe o facto de
ter obtido a paz no país. Paulo Paz foi um dos que homenagearam “uma
figura considerada muito forte a nível de África” que “assegurou
o país no tempo da guerra, trouxe a paz e grandes benefícios, inclusive a
reconstrução do país”. E, sem referir a polémica do atual Presidente
sobre a anterior gestão ou os processos judiciais a elementos da família, frisou
que, após a sua saída do poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) “tratou muito bem” Eduardo dos Santos – o que
não é consensual.
Depois, defendeu que, para Angola, o Presidente João Lourenço está só a
cumprir um plano que é do MPLA no poder e que o antigo presidente deixou. E, minimizando
a polémica em torno das eleições do dia 24, com resultados contestados pela
oposição, sobretudo pela União Nacional para a Independência Total de Angola
(UNITA), sustentou que as forças armadas e a polícia de segurança
pública estão preparadas, nada havendo a temer. A manifestação de
jovens, agendada nas redes sociais, entre o cemitério de Santa Ana e a praça
1.º de Maio, quase inexistente. A UNITA almeja o poder e “ninguém aceita perder
de ânimo leve”, mas a defesa face a qualquer rebeldia está assegurada pelo
Governo, ainda que a oposição conteste os resultados pelas vias legítimas e a Comissão
Nacional Eleitoral (CNE) se tenha disponibilizado para a recontagem dos votos,
sobretudo para rever a distribuição de mandatos, revisão que pesará para a
UNITA.
Madalena Joaquim preferiu não discutir política e insistiu que estava apenas
a prestar homenagem ao ex-presidente, “o nosso pai, foi o nosso pai,
um líder que liderou tantos anos”.
Diamantino Mbarfungo considerou que a “perda deste presidente significa
muito” para Angola, porque “foi um grande líder”. Quanto aos resultados
eleitorais, minimizou a crítica, pois “o MPLA não perde nada” (mas
perdeu na Província de Luanda) e observou que a morte de Eduardo dos
Santos nada tem a ver com os resultados do MPLA, que, segundo os dados da CNE,
baixou de maioria qualificada para maioria absoluta. E, sobre a ausência das
filhas mais velhas de Eduardo dos Santos, disse que “são angolanas, podem vir”
prestar a “sua homenagem ao pai em Angola”.
A urna chegou, num cortejo sem multidões,
no dia 28, pelas 10 horas, à Praça da República, local do Memorial António
Agostinho Neto, consagrado ao primeiro presidente de Angola, pois a praça da República foi escolhida
para as cerimónias fúnebres, depois de ter acolhido um velório público sem
corpo logo após a morte do estadista, durante um luto nacional de sete dias. E,
no dia 28, houve honras militares num programa que incluiu música lírica,
leitura de mensagens do Estado angolano e da família, do MPLA, da Fundação José
Eduardo Santos, leitura do elogio fúnebre e um culto ecuménico, acompanhado de
grupos corais.
Familiares
do estadista, em particular a viúva Ana Paula dos Santos e os
três filhos em comum, estavam na tenda onde decorreu a homenagem, tal como
vários membros do Governo, dirigentes do MPLA e amigos do ex-presidente.
Estiveram também o
presidente da UNITA, bem como líderes de outros partidos da oposição, bispos
católicos, membros do executivo angolano e outras individualidades.
Compareceram nos funerais 24 delegações estrangeiras, incluindo vários
chefes de Estado e de Governo, com destaque para o primeiro-ministro de São
Tomé e Príncipe e os presidentes de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de Portugal,
além de outros países africanos.
Téte
Antonio, ministro das Relações Exteriores, assinalou o impacto internacional da
ação do ex-presidente, que levou Angola ao reconhecimento da comunidade
internacional, numa presidência internacional marcada pelo papel “que teve na
nossa própria região e pacificação da região”.
Ao invés do que sucedia em vida, quando no dia do aniversário de Eduardo
dos Santos, a 28 de agosto, todos queriam estar presentes, tornando-se um dia
de festa em que muitos angolanos se juntavam à celebração, as cerimónias
ficaram marcadas por alguma falta de pessoas. As exéquias, apesar de o corpo
ter aterrado em Luanda em campanha eleitoral, foram celebradas depois das
eleições, embora no rescaldo pós-eleitoral, quando se aguardam os resultados
definitivos das eleições, com os dados preliminares a apontar à vitória do
MPLA, contestada pela UNITA.
O
ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português João Gomes Cravinho salientou
o papel do ex-presidente angolano, vincando que soube criar proximidade com
Portugal e que o país “lhe deve muito”. Disse que soube estabelecer com todos
os Presidentes da República portugueses eleitos em democracia, devido à
longevidade da carreira, relações que propiciaram a proximidade entre os nossos
povos. Para Cravinho, esta “é a homenagem que Angola e o mundo devem” a José
Eduardo dos Santos, que foi Presidente durante 38 anos “em tempos difíceis e
complexos”, mostrando “liderança extraordinária em momentos decisivos para
Angola e para o continente africano e naturalmente Portugal não podia deixar de
estar presente ao mais alto nível”.
Uma
das filhas mais novas do ex-presidente recordou o “pai da nação” e agradeceu o
apoio do Governo à família na realização das cerimónias oficiais de exéquias
fúnebres. Para Josiane dos Santos, que colaborou com o Governo na realização da
cerimónia, Eduardo dos Santos assumiu principalmente o papel de pai, “adotando
uma nação inteira e logo o continente que o carrega”. Em nome da família,
agradeceu a todos os que se lhe juntaram para celebrar “a vida do grande homem
que perdemos” e deixou um “reconhecimento aos membros do executivo que tornaram
possível este dia”. E assegurou não deixar que usem o nome do pai em vão e em
benefício próprio e que lutará nas batalhas dele “com determinação”, pois as
lutas do pai “não foram em vão” e mencionou a música e o desporto, sobretudo o
futebol, como suas paixões.
Isabel,
Tchize dos Santos e o irmão Coreon Du, que recusaram participar no funeral de
Estado, choraram o pai nas redes sociais e recordaram o seu aniversário. O
cantor Coreon Du, que já tinha manifestado os momentos difíceis que estava a
atravessar depois de um tribunal espanhol decidir entregar a custódia do corpo
do ex-presidente à viúva contra a vontade dos filhos mais velhos, lamentando
ter-lhe sido roubada a oportunidade “de dar-lhe o último adeus na terra que nos
viu nascer”, neste dia, quis marcar o aniversário. Garantiu que, “nos momentos
mais difíceis” se lembrará da voz serena e do sorriso do pai, que espera que o
motivem a não perder o otimismo e nem a sensatez. A empresária Isabel dos
Santos, que tinha expressado a sua mágoa na véspera, apenas disse: “Feliz
aniversário, papá.” E a empresária Tchize dos Santos, ex-deputada do MPLA e
influenciadora, desejou “feliz aniversário” ao pai, num ‘post’ acompanhado de
uma música em que acrescentou: “Em tua memória, continuarei a lutar pela
pátria”.
Estes
filhos não visitam Angola há anos, como Eduardo dos Santos, que se exilou em
Barcelona quando o regime liderado por Lourenço a partir de 2017 ergueu a bandeira
da luta contra a corrupção atingindo alguns deles, sobretudo Isabel do Santos,
que enfrenta processos na justiça.
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Governo,
amigos e partido governamental recordaram a figura do ex-presidente angolano, o
“bom patriota” que promoveu a paz e reconciliação no país. Em nome da direção
do MPLA, de todos os militantes, simpatizantes e amigos do partido, Luísa
Damião, vice-presidente do partido do Governo, ofereceu uma flor e disse adeus ao
presidente emérito, arquiteto da paz. Em representação da Fundação José Eduardo
dos Santos, João de Deus recordou que o povo falava do ex-presidente como Zedu,
“dada a sua natureza de humildade e trajetória simples”. E este orador, que
desmaiou durante o discurso, tendo sido assistido pelos serviços médicos, disse
que Eduardo dos Santos “sacrificou a sua juventude”, assumindo, em 1979, a “substituição
necessária para dar sequência ao prematuro passamento físico do imortal guia da
revolução” (referência a Agostinho Neto). O chefe da Casa Civil do Presidente
de Angola, Adão de Almeida, afirmou que o país se despede de Eduardo dos
Santos, “bom patriota” que “trouxe a paz” e garantiu a “unidade territorial” ao
longo dos 40 anos de governo. Elogiou o seu legado histórico e o seu papel na
transição para o regime democrático, economia de mercado e na construção de um
conjunto de “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, dos quais destacou
a abolição da pena de morte. Mas, em particular, elogiou a “invulgar
sagacidade” do ex-presidente que, após a vitória na guerra civil, promoveu a
reconciliação nacional, de “cujos frutos Angola usufrui há 20 anos”. E Roberto
Almeida, antigo presidente da Assembleia, falou do amigo como “arquiteto da
paz” que pôs fim a “décadas de guerra fratricida”, num “reencontro da grande
nação angolana”.
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Paz
à alma do ex-presidente e que Angola enverede mesmo pelas sendas da democracia
plena.
2022.08.29 – Louro de Carvalho
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