Em nota
enviada à Lusa, a 1 de agosto, a “Coopérnico – Cooperativa De
Desenvolvimento Sustentável CRL, que alia à sua
natureza social o apoio a projetos de solidariedade, educacionais e de proteção ambiental,
disse que o mecanismo ibérico,
acordado pelos governos de Portugal e de Espanha com a Comissão Europeia, que define – “para fazer face aos preços elevados do gás
nos mercados internacionais” – um preço máximo para o gás
natural usado para produzir eletricidade “não teve o efeito prometido”,
ou seja, fazer baixar as faturas de eletricidade para consumidores e empresas”,
mas “tornou-se ineficaz”.
O mecanismo de ajuste repercute nos consumidores a diferença entre o valor
administrativo, decidido pelo Governo, e o mercado grossista, sendo “o valor de
topo máximo definido, neste momento, de 40 euros/MWh (megawatts-hora), mas que,
ao longo dos 12 meses em que o mecanismo está em vigor, aumentará para 50
euros/MWh.
A Coopérnico, que tem mais de 2400 associados, defendeu que “a aplicação do
mecanismo não teve o efeito prometido, pois esperava-se um preço de energia
entre os 100 euros/MWh e os 110 euros/MWh e que a compensação não iria passar
os 10 euros/MWh” mas “o que está a acontecer, na verdade, é que a
energia está com uma média de 160 euros/MWh e o mecanismo está a custar cerca
de 120 euros/MWh, muito longe do prometido”, estando o preço de
aquisição de energia a “cerca de 280 euros/MWh no mercado grossista”. Ainda
assim, “comparando com os preços noutros países europeus, com médias de preços
acima de 300 euros/MWh, o mecanismo tem um efeito positivo, apesar de
ter falhado as expetativas de uma redução maior de preço”.
A Coopérnico frisa a diferença de
tratamento entre a comercializadora regulada (SU Eletricidade), isenta de
aplicar o mecanismo de ajuste e os restantes comercializadores em mercado. E
vinca a ausência da comunicação relativa ao ajuste, comunicação que deveria ter
sido feita junto dos consumidores, com a devida explicação, pela entidade
reguladora, a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos ou por outras
entidades conexas com este mecanismo. Porém, a comunicação e a
implementação, a nível de faturação, foram deixadas à responsabilidade de cada
comercializador.
Segundo a Coopérnico, não
existindo a divulgação prévia relativamente à aplicabilidade deste mecanismo, muitos dos clientes serão apanhados desprevenidos pelas suas
próximas faturas, pois o ajuste é aplicado aos contratos celebrados ou
renovados a partir do dia 26 de abril de 2022.
Bruxelas diz que o mecanismo vigorará até 31 de maio de 2023, representando
um apoio estatal português de 2,1 mil milhões de euros e espanhol de 6,3 mil
milhões de euros em pagamentos através de subvenções diretas aos produtores de
eletricidade para financiar parte dos custos com combustíveis fósseis: na atual
configuração do mercado é o preço do gás que dita o da luz.
Talvez
prevendo este estado de coisas, Nuno Ribeiro da Silva, presidente executivo da Endesa, adiantou que a conta da luz vai aumentar até 40% por causa do mecanismo ibérico
para limitar os preços do gás, como consta do excerto
divulgado, no dia 31 de julho, de uma entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1.
Com
efeito, segundo Ribeiro da Silva, a solução apenas beneficia Espanha,
porque é um país que tem um problema complexo relacionado com
uma tarifa populista que o Governo espanhol criou há cerca de três anos e que é
utilizada por 11 milhões de lares, mecanismo-travão sem o qual as pessoas
estariam a pagar mais de 300 euros por MWh (cerca de 5 euros o kWh nas suas
casas).
O Ministério do Ambiente e da
Ação Climática, que “rejeita estas declarações alarmistas” e “não vê qualquer justificação no aumento de preços que
foi comunicado”, defende que os preços de Portugal e de Espanha “têm
ficado consistentemente abaixo de países como França ou Itália”.
Assim, a 31 de julho, o preço do Mibel era de 199,08 euros/MWh, quando, sem o
mecanismo, seria de 253,16 eruos/MWh, ao passo que, na França e na Itália, as
cotações são de 319,51 euros/MWh e 385,71 euros/MWh, respetivamente.
O
líder da Endesa também alega que a medida, por causa da diferença “entre o
verdadeiro preço do gás e o desconto gerou um défice tarifário que, segundo as
regras de Bruxelas, não pode ser acumulado nem empurrado para o futuro e terá
de ser pago pelos consumidores”. Porém, o Governo nega que a medida gere défice
tarifário, até porque “os consumidores poderão sempre procurar melhores preços” ou aderir à tarifa regulada, que “foi reduzida em
2,6% no segundo semestre deste ano”. Com efeito, o mercado de comercialização
de eletricidade é altamente competitivo, com muitas ofertas, sendo que a subida
ou descida dos preços depende da oferta comercial de qualquer empresa. A única
coisa que se pode dizer, segundo João Galamba, Secretário de Estado da Energia,
é que, seja qual for a oferta, será melhor do que sem o mecanismo em
referência, oportunamente estabelecido.
No
rescaldo do anúncio da Endesa de que os consumidores poderão ver aumentos de
40% na fatura da eletricidade a partir deste mês, a EDP Comercial indicou, em
comunicado de 31 de julho, que não prevê alterar preços da eletricidade até ao
fim do ano, a menos que haja “situações excecionais no decorrer dos próximos
meses”, caso em que “as tarifas serão atualizadas pela empresa face às
condições de mercado”.
Por seu turno, a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos
anunciou que estará “particularmente atenta” ao comportamento dos
comercializadores relativamente à repercussão do impacto sobre os
consumidores do mecanismo ibérico que limita o preço do gás para
efeitos de produção de eletricidade. Em comunicado esclareceu que apenas pagam os custos do ajustamento associados a este
mecanismo os consumidores de que dele beneficiam, ou seja, os que têm
contratos “indexados ao mercado diário”. Assim, esses consumidores, “ao
beneficiarem dos preços de eletricidade controlados, devido ao teto do gás a 40
euros por MWh, serão chamados a suportar os custos do ajustamento
associados a esta intervenção, resultando, apesar disso, num ganho face
aos preços que seriam observados sem esta intervenção”. De acordo com a ERSE,
“a quantidade de energia destes fornecimentos que beneficiam de preços de
eletricidade controlados e que serão chamados a pagar o custo do ajustamento do
mecanismo, foi em junho e julho, respetivamente, de 18% e 29% do total
nacional, sendo maioritariamente consumo industrial”. De fora ficam os
comercializadores que aprovisionaram energia “através de contratação a prazo ou
intragrupo, com preços firmes”, e os seus clientes com ofertas comerciais de
preço firme.
Por isso, para não ficar isolada, anunciou manter os preços atuais até ao
fim do ano.
Também o PAN (Pessoas-Animais-Natureza) reagiu à eventual escalada dos
preços da energia acusando o Governo de “falta de atuação” e propôs um
alargamento da tarifa social da eletricidade e do gás natural a mais
beneficiários.
Inês Sousa Real, deputada única do PAN, observou que “deixar apenas na
esfera do consumidor a resolução do problema” seria “ignorar que teremos um
problema de pobreza estrutural no nosso país que implica que haja uma atuação e
uma interferência do Estado”. E advertiu que, além da subida do preço da
eletricidade e do gás, apesar das declarações da EDP, para fazer face à
inflação, “dificilmente se irá verificar que não há um aumento dos preços até
ao final do ano” e que “a dita solução ibérica não é suficiente para dar resposta
aos problemas em Portugal”. Por isso, entregou, a 1 de agosto, no Parlamento, um
projeto de resolução a recomendar ao Governo “o
alargamento da tarifa social da energia, quer para o gás, quer para a
eletricidade, com vista a garantir que todas as pessoas que vivem abaixo do
limiar de pobreza têm acesso a esta mesma tarifa social, assim como as
pessoas que recebem uma pensão social de velhice, todos os beneficiários do
abono de família e os agregados familiares cujo rendimento total mensal seja
considerado baixo”.
Sustentando que, do ponto “de vista da justiça social e ambiental”, seria a
medida “mais adequada ao momento” atual, além de que “a tarifa é suportada
pelos operadores, não pelo Estado, pelo que o custo para o Estado seria zero”,
esta “seria uma forma de contribuir para travar a escalada do aumento de
preços que afeta sobretudo as famílias mais carenciadas” e de “não
estarmos a alimentar a indústria que polui com isenções ou benefícios fiscais” em
contraciclo com o combate às alterações climáticas.
Inês Sousa Real assinalou igualmente que, na semana anterior, apresentara,
no Parlamento, um projeto de lei que “visa taxar os lucros excessivos deste
tipo de empresas e que 70% dessa taxa reverta para o apoio social às famílias”.
É de referir que, no âmbito da taxação dos lucros excessivos destas
empresas, o Presidente da República anotou que estas deveriam, nesta fase,
deixar de distribuir dividendos pelos acionistas, o que não é a mesma coisa,
mas não especificou para que efeito.
***
Com palavras tranquilizadoras, não estarão políticos e comerciais a
branquear uma futura situação muito grave? Não creio que a ERSE tenha ação
eficaz no caso, se não houver infração à lei.
2022.08.01 –
Louro de Carvalho
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