Concluíram-se,
na tarde de 30 de agosto, os trabalhos da Reunião dos Cardeais com o Papa,
iniciada no dia 29, sobre a Constituição Apostólica Praedicate
Evangelium, que pretende a reforma de toda a administração da Cúria Romana.
O encontro ocorreu em clima fraterno e contou com a presença de quase 200
cardeais, patriarcas orientais e superiores da Secretaria de Estado.
Os trabalhos
em grupos linguísticos e os debates na Sala Nova do Sínodo deram lugar à
discussão livre de muitos aspetos relacionados com o documento e com a vida da
Igreja, enquanto a última sessão do dia 30 foi dedicada ao Ano Santo de 2025,
dedicado ao tema da Esperança. E, com a celebração da Santa Missa, presidida
pelo Papa Francisco, na Basílica Vaticana, concluiu-se o encontro e cada
participante retornará à sua diocese ou ao seu posto na Cúria Romana.
Os cardeais
presentes na reunião convocada e desejada por Francisco para refletir sobre a
reforma da Cúria Romana falaram de “confronto fraterno” e “clima dialogante”. É
uma Cúria que, “não pertence apenas ao Papa, mas a toda a Igreja”.
Na última
tarde, Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção
da Nova Evangelização, apresentou o Jubileu de 2025. Os dois dias de encontro
viram, pela primeira vez nos quase dez anos de pontificado, quase todo o Sacro Colégio
reunir-se em torno do Papa.
Como no dia
29, a sessão do último dia, contou com os cardeais, os patriarcas e os superiores
da Secretaria de Estado divididos em grupos linguísticos para refletirem, seguindo
a diretriz fornecida nas últimas semanas, sobre os elementos de novidade e sobre
os desafios que a Praedicate Evangelium traz à Cúria Romana e à
Igreja universal. Entre esses, conta-se o papel dos leigos, a transparência
financeira, a sinodalidade, a estrutura de organogramas curiais, a missionariedade
e o anúncio do Evangelho numa era como a atual.
O cardeal
Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral, comentou que é difícil apontar só um tema, porque a Praedicate
Evangelium toca todas as dimensões da Igreja, do ponto de vista da
estrutura e da organização da Cúria. Assim, com o diálogo entre os que vêm das
Igrejas particulares e os que trabalham em Roma toca-se um pouco de tudo, o que
reflete bem “a amplitude e profundidade do documento”.
O confronto
entre cardeais ‘da Cúria’ e os pastores provenientes de áreas distantes do
mundo, que se conheceram, alguns pela primeira vez, e compartilharam os
resultados dos grupos de trabalho da tarde do dia anterior foi a fonte de maior
“enriquecimento”. “O tom e a experiência são os de um encontro fraterno”.
Reconhecem que trabalham juntos, mesmo que separados por quilómetros. A
novidade é, segundo Czerny, colocar na mesa coisas que não são novas, mas que
representam desafios e dificuldades, como a transparência financeira. Trata-se
de desafios para todos, mesmo com ritmos e experiências diferentes.
O
cardeal-arcebispo de Viena, Cristoph Schönborn, falou de “grandes passos em
frente”. Boné branco na cabeça, sorriso conciliador, no intervalo dos trabalhos
para o almoço, o eminente purpurado compartilhou com os media internacionais a sua satisfação pelo andamento desses dias,
em que todos os purpurados se ouviram mutuamente, com muita comunhão e
disponibilidade para ouvir e os recém-criados cardeais relataram as situações
dos seus países. E, acima de tudo, o Santo Padre, que, apesar das dificuldades
físicas de saúde, tem o coração e a alma em funcionamento pleno, encorajou os
membros do Sacro Colégio a seguirem em frente.
Segundo o
cardeal Fernando Filoni, Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de
Jerusalém, impõe-se uma reforma para toda a Igreja. Disse Filoni que a última
coisa que Francisco disse aos cardeais é que se abriu um processo, se começou a
partir de uma base, mas não se terminou ali. O Papa sentiu-se confortado com o
que ouviu e feliz porque é um processo feito em conjunto, ou seja, a Cúria não
pertence ao Papa, mas a toda a Igreja, a cuja comunhão o Papa preside. Toda a
Cúria, todas as dioceses concorrendo e, ao mesmo tempo, dando a sua preciosa
contribuição, com sacerdotes, leigos, ideias, etc., fazem com que a Praedicate Evangelium, que é uma base,
não seja expressão apenas de uma pessoa, mas pertença de toda a Igreja.
O cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova
Iorque, fala de uma “bela experiência” e de uma reunião “extraordinariamente
edificante”. Segundo o purpurado nova-iorquino, feliz por este encontro aguardado
com ansiedade, falaram “como amigos, como irmãos, com imensa caridade e
profundo amor pela Igreja, sobre questões muito práticas”.
Certamente,
entre cardeais de diferentes latitudes e longitudes, não faltaram as diferenças
de pontos de vista, mas as discussões foram realizadas de forma serena e “pacífica”.
O cardeal alemão Walter Kasper, presidente
emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, usou estes termos, assegurando: “Há uma vontade de
trabalhar juntos. Realmente tocou-me pelo clima que se respira. Todos
agradecemos ao Papa pelas suas palavras proféticas.”
***
A formação,
a espiritualidade da Cúria e, sobretudo, a questão dos leigos e o seu possível
papel na direção de Dicastérios foram os temas sobre os quais as reflexões e
discussões dos cardeais se concentraram durante a reunião a portas fechadas com
o Papa sobre a Praedicate Evangelium.
No primeiro
dia, após a saudação do Papa no início dos trabalhos, seguida de breve discurso
do decano do Colégio Cardinalício, o cardeal Giovanni Battista Re, os cerca de
200 cardeais, patriarcas e superiores da Secretaria de Estado, reunidos na Nova
Sala do Sínodo, distribuíram-se por grupos linguísticos, durante os quais foram
feitas propostas, apresentadas ideias e pedidos esclarecimentos. Em seguida,
foi realizada uma sessão plenária.
O tema
principal foi o dos leigos em funções de liderança. Com efeito, o ponto 10
da Praedicate Evangelium – publicada a 19 de março e em vigor desde
5 de junho – afirma que “todo o cristão, em virtude do Batismo, é um
discípulo-missionário, na medida em que se encontrou com o amor de Deus em
Cristo Jesus”, o que não se pode deixar de ter em conta na atualização da
Cúria, pelo que “a sua reforma deve prever o envolvimento de leigas e leigos,
mesmo em funções de governo e de responsabilidade”.
Sobre o tema,
foram solicitados estudos aprofundados em clima de confronto sereno.
O cardeal Paolo Lojudice, arcebispo de Siena,
explicou ao Vatican News:
“Quando se
trabalha em pequenos grupos, é mais fácil confrontarem-se uns com os outros e
dialogarem. O tema que conhecemos é o confronto aberto e sereno sobre a nova
Constituição e, em particular, sobre a sua aplicação, sobre como colocá-la em
prática. Nos grupos, mais do que novos elementos, tivemos a contribuição de
algumas ideias... É possível que haja passagens que ajudem a compreender alguns
elementos menos claros, menos evidentes, em particular o que diz respeito à
presença de leigos nas funções de governo nos Dicastérios. Esta é uma porta
aberta que esperamos que possa percorrer da melhor maneira possível.”
O mesmo
purpurado falou de um “excelente clima” na Sala Sinodal e descreveu a reunião
como um ponto de partida: “Os tempos são necessariamente longos para fazer uma
reforma. O Papa preocupa-se e tem-se preocupado com isso desde o início, pois é
um dos pontos centrais do pontificado... Creio que mais cedo ou mais tarde
chegaremos a uma consciência diferente, onde tudo é missão e missionariedade e
poderá parecer paradoxal.”
***
A encerrar o
encontro dos cardeais com o Papa, a Capela Papal da Basílica de São Pedro
recebeu os novos cardeais e o Colégio Cardinalício para uma celebração
eucarística presidida pelo próprio Pontífice, concluindo um encontro de dois
dias a portas fechadas entre Francisco e os pouco menos de 200 cardeais, que
aprofundou a Praedicate
Evangelium.
A homilia
proferida pelo Santo Padre refletiu sobre uma dupla admiração: a de Paulo ante
o desígnio de salvação de Deus (cf Ef 1,3-14) e a dos discípulos, incluindo o
próprio Mateus, no encontro o Ressuscitado, que os enviou em missão (cf Mt
28,16-20). Dois territórios de estar em Cristo e com
Cristo, onde, segundo o Bispo de Roma, “sopra forte o vento do Espírito
Santo” e de onde brota o encorajamento para os cardeais saberem “maravilhar-se com
o desígnio de Deus”, amando “apaixonadamente a Igreja”, prontos para servir em
missão a todos os povos, missão sempre acompanhada da grata admiração pela história
da salvação, através do “louvor, bênção, adoração e gratidão que reconhece a
obra de Deus”. Mas, como recordou o Papa, esta admiração também pode ser
experimentada de outra forma: “Desta
vez, não é o próprio plano de salvação que nos encanta, mas o facto – ainda
mais surpreendente – de que Deus nos envolve no seu plano: é a realidade da
missão dos apóstolos com Cristo ressuscitado”.
Os onze
discípulos ouviram as palavras do Ressuscitado para evangelizarem o mundo com a
promessa final de “esperança e consolação: Eu estarei convosco todos os dias,
até ao fim dos tempos”, palavras quem dois mil anos depois, “ainda têm força
para fazer vibrar os nossos corações”. É uma admiração não diferente da vivida
pelos cardeais reunidos agora com o Papa:
“Irmãos,
esta admiração é um caminho de salvação! Que Deus a mantenha sempre viva em
nós, porque nos liberta da tentação de nos sentirmos ‘à altura’, de nutrir a
falsa segurança de que hoje é diferente, não como era no início, hoje a Igreja
é grande, é sólida, e nos situamos nos graus eminentes da sua hierarquia. (…)
Há verdade nisso, mas também tanto engano, com que o Mentiroso tenta mundanizar
os seguidores de Cristo e torná-los inofensivos.”
O Papa,
dirigindo-se especialmente aos 20 novos cardeais criados no recente Consistório,
disse:
“A Palavra de Deus hoje desperta em nós
admiração de estar na Igreja, de ser Igreja! E é isso que torna
atraente a comunidade dos crentes, primeiro para si e depois para todos: o
duplo mistério de ser abençoado em Cristo e ir com Cristo ao mundo. Essa
admiração não diminui em nós com o passar dos anos, nem diminui com o
crescimento das nossas responsabilidades na Igreja. (…) Fortalece-se, torna-se
mais profunda.”
***
Deus queira
que o processo reformista da Cúria Romana vá por diante e se replique nas
Cúrias Diocesanas, de modo que a Igreja, onde quer que viva, sirva cabalmente o
Reino de Deus!
2022.08.30 – Louro de Carvalho
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