Todos os países ditos
civilizados fazem questão de promover e de respeitar os direitos humanos, em
que se inclui a liberdade de religião. E, se se aponta, frequentemente, o dedo
a vários Estados que atropelam a dignidade humana no atinente a direitos,
liberdades e garantias (vida, segurança física e social, educação, trabalho,
defesa, saúde, cultura, expressão, associação, reunião e participação na vida
pública), deve vincar-se que o atropelo à liberdade religiosa acontece, muitas
vezes, ou pelo ódio à fé ou pela contestação a teses defendidas pelas
religiões.
O ataque à liberdade
religiosa é explícito, se temos a perseguição e a agressão violenta (que pode
levar à morte), bem como a ridicularização pública; é implícito, se quer reduzir
a crença à esfera individual e à prática em espaços restritos, sem visibilidade
pública, e proibir a permanência ou a simples mostra de símbolos religiosos
(incluindo indumentárias) em espaços públicos. Além disso, faz recair sobre as
religiões a culpa dos males de que enfermam as sociedades.
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Um relatório
da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos da América (EUA) (USCCB,
na sigla inglesa), divulgado a 16 de janeiro, conclui que ataques a locais de
culto são a “maior ameaça à liberdade religiosa, em 2024”, podendo ameaçar “a
própria vida dos fiéis”.
Um relatório
intitulado “Estado da Liberdade Religiosa nos Estados Unidos” é divulgado,
anualmente, pelo Comité para a Liberdade Religiosa da USCCB. E, embora o tenha criado
para responder às crescentes ameaças legais ao livre exercício da religião, a
USCCB sentiu-se obrigada a condenar as ameaças previsíveis à vida das pessoas
de fé nos EUA. “Não há maior ameaça à liberdade religiosa do que o facto de o
local de culto de alguém se tornar um local perigoso. E o país, infelizmente,
encontra-se num ponto em que o perigo é real”, diz a USCCB.
O relatório baseia-se
em dados recolhidos pelo Comité para a Liberdade Religiosa, liderado por Kevin
Rhoades, bispo de Fort Wayne-South Bend, em Indiana, para quem o relatório, que
“buscou aumentar a consciência sobre as nossas preocupações com a liberdade
religiosa”, é “mais um recurso para ajudar todos os católicos que procuram
viver a sua fé neste grande país”. “Este relatório descreve as principais
questões que ocuparam o Comité para a Liberdade Religiosa no ano passado”,
disse, frisando: “Isso revela ampla gama de preocupações, como o uso indevido
de leis destinadas a ajudar mulheres grávidas por agências federais para
promover o aborto, ameaças à segurança dos nossos vizinhos judeus e muçulmanos e
a suspeita do FBI [Federal Bureau of Investigation] a católicos que frequentam a missa tradicional em Latim.”
“Nos últimos
anos, assistimos a uma taxa alarmante de vandalismo, de incêndios criminosos e de
outras destruições de propriedades em locais católicos”, diz o relatório.
Desde a
anulação da sentença do caso Roe v. Wade, pela Suprema Corte, em
2022, que liberalizou o aborto no país, os ataques contra a Igreja Católica e
contra organizações pró-vida, aumentaram consideravelmente. Os bispos dizem que
as estatísticas anuais de crimes de ódio recolhidas pelo FBI, em 2022,
relataram que a taxa de crimes anticatólicos foi quase 75% mais alta do que a de
qualquer outro. Tudo isto é agravado por um “fracasso geral” da parte do
“governo federal em prender e processar os autores de tais ataques”, como
sustenta a USCCB.
Segundo o
documento, se a ameaça se limitasse à continuação dos crimes contra a propriedade
que têm sido perpetrados nas igrejas católicas, nos últimos anos, talvez não
fosse a principal preocupação. Porém, as tensões crescentes sobre o conflito
entre Israel e Hamas aumentaram as probabilidades de ataque terrorista a uma
sinagoga ou mesquita. A “atmosfera altamente carregada em torno das eleições de
2024 pode levar os extremistas de extrema-esquerda a aumentar a gravidade dos
ataques às igrejas católicas; e os extremistas de extrema-direita podem ver as
igrejas católicas e as instalações de caridade católicas como alvos do
sentimento anti-imigrante, ou, pior, de ação violenta.”
Assim, a
USCCB exorta os fiéis a “fazerem a sua parte para promover uma sociedade livre
de ódio”, defendendo a igualdade de dignidade de todas as pessoas, prestando
testemunho público do apelo de Cristo ao cuidado e à compaixão pelos
vulneráveis e rezando pela paz. E pede aos fiéis que estejam cônscios das
ameaças, enquanto estiverem em locais de culto, e que encorajem os pastores a
usarem os recursos chamados “Protegendo os locais de culto”, disponibilizados
pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA.
O relatório
acompanha tendências que afetam as pessoas de fé, nas esferas política,
legislativa, jurídica e cultural, tendo, no âmbito da última, aumentado o
sentimento antissemita e antimuçulmano e os atos de vandalismo e intimidação
contra católicos e outros cristãos.
A USCCB
mencionou a decisão do time de
beisebol Los Angeles Dodgers de homenagear publicamente um
grupo de ódio anticatólico chamado “Irmãs da Indulgência Perpétua”, durante o
jogo do “Mês do Orgulho”, em junho de 2023.
Ao combinar
a esfera política e a jurídica com a cultural, a USCCB registou a controvérsia crescente
nas escolas em torno da identidade de género, debate que “se manifestou mais
intensamente nas escolas do que em qualquer outra área”. “As controvérsias sobre
a adoção da ideologia de género pelas escolas públicas deram impulso a pressões
pela escolha de escolas pelas famílias, à medida que os pais religiosos
procuram ambientes escolares que sejam compatíveis com as suas crenças”, reza o
documento.
Todavia,
isso resultou em mais batalhas legais, pois alguns Estados, como o Colorado, e
grupos como a União Americana pelas Liberdades Civis e outros agiram para
impedir que as escolas religiosas recebessem qualquer financiamento, pois,
alegadamente, as escolas discriminam com base na orientação sexual e na identidade
de género. Além disso, “pelo menos três Estados – Washington, Vermont e
Delaware – apresentaram projetos de lei para eliminar o privilégio entre
clérigo e penitente”, potencialmente forçando os padres a quebrar o sigilo da
confissão ou a enfrentar consequências legais.
***
Também, a 16 de
janeiro, o arquimandrita
da igreja apostólica arménia na Europa Ocidental, padre Tirayr Hakobyan,
natural de Vanadzor, na Arménia, denunciou, a partir de Roma, onde se estava de
passagem, a “situação dramática” dos cristãos arménios expulsos de suas casas,
em Nagorno-Karabakh, cercados pelo governo do Azerbaijão, nos últimos meses.
A Arménia e
o Azerbaijão estão em conflito por causa do Nagorno-Karabakh desde 1988 (os
Arménios étnicos de Nagorno-Karabakh) reivindicam independência. A região é
reconhecida internacionalmente como parte do Azerbaijão, embora quase totalmente
habitada por cristãos arménios. O conflito agravou-se desde 19 de setembro de
2023, quando o governo azerbaijano lançou uma ofensiva militar, depois de um
bloqueio de nove meses. Mais de 100 mil pessoas deslocaram-se, nos últimos dias,
para a fronteira da Arménia, em busca de refúgio.
O sacerdote
lamentou que o conflito “tenha sido esquecido” e que o único objetivo do
Azerbaijão seja expulsar os Arménios das suas terras e “subjugá-los sob as suas
regras”. “Não há mais Arménios em Nagorno-Karabakh, [que] está totalmente
vazio”, lamentou, denunciando que o Azerbaijão, onde 95% da população é
muçulmana, está a converter igrejas em mesquitas e quer “eliminar qualquer
vestígio da Arménia em Nagorno-Karabakh, para “redefinir a História”.
Segundo o arquimandrita,
a igreja apostólica arménia em Nagorno-Karabakh tem um património muito grande
e há muitas igrejas arménias dos séculos V e VI que foram totalmente destruídas.
O Azerbaijão paga muito dinheiro a países, até a países europeus, para
falsificar a História. Hoje, segundo o padre, é muito fácil falsificar algo e é
preciso denunciar essa mentira. “Querem
arruinar tudo e reconstruir uma nova terra, dizendo que ela fazia parte do
Azerbaijão”, denunciou.
O padre
Tirayr Hakobyan sublinhou que “não é certo destruir igrejas” e apontou que a
cúpula da catedral de Ghazanchetsots, conhecida como a catedral de Cristo
Salvador e a catedral de Shushi, uma das principais igrejas apostólicas arménias
que foi destruída após um bombardeio, “foi substituída por uma cúpula mesquital,
pois o intuito é tomar a cultura arménia. Os Arménios sempre viveram em paz com
os muçulmanos e respeitaram os seus lugares sagrados. E a religião, para os
Arménios, é componente da identidade: “Ser Arménio é ser cristão.”
Dos 12
milhões de Arménios no Mundo, três milhões vivem na Arménia. “Como cristãos, os
Arménios sempre respeitaram outras nações e viveram em paz noutros países. No
Irão, no Dubai, no Líbano ou na Síria, sempre viveram juntos, sem nenhum
problema, porque respeitam os muçulmanos e seu modo de vida”. “Porém, se um
povo vem para absorver outro povo, isso é um perigo. Eles dizem que nossa
cultura é a cultura deles”, denunciou o sacerdote.
O padre
vincou que o Azerbaijão se encontra num enclave “onde os interesses de grandes
países se confrontam” e sublinhou que “o gás da Rússia passa pelo Azerbaijão,
que revende esse gás, e é por isso que nenhum país quer ofender o Azerbaijão”.
Enfatizou que “o Mundo condena a Rússia pela invasão. O Azerbaijão fez o mesmo
e o Mundo aceita”. “Estamos a sentir-nos sozinhos.”
Acentuou: “todas
as casas foram esvaziadas e roubadas, ninguém levou nada consigo, tiveram apenas
um dia depois do ataque. Os seus pertences foram levados pelos soldados.”
O sacerdote
disse ter testemunhado o desespero dos cristãos expulsos de suas casas. “Pude
visitar várias famílias e não encontrei um pingo de esperança.” “Em Nagorno-Karabakh, começaram do zero,
construíram tudo, esperando um belo futuro e, agora, têm de começar tudo de
novo, não há esperança. É uma situação muito triste, que tem a ver com
dificuldades económicas, mas também psicológicas, e eles precisam de ajuda
imediata”, salientou.
Entre as
famílias deportadas, havia cerca de 30 mil crianças que ficaram “dez meses sem
infância”, enfatizou o padre. “É um
sofrimento contínuo. Não queriam ir para longe da fronteira, para estarem o
mais próximo possível de suas casas, mas ninguém está a falar sobre o retorno
deles, talvez eles nunca mais possam voltar.”
***
A Libreria
Editrice Vaticana, editora da Santa Sé, publicou “La Lama e la Croce”
(A lâmina e a cruz), sobre católicos martirizados por se oporem ao nazismo,
evidenciando “as vicissitudes e o martírio dos católicos que desafiaram Hitler
em nome da consciência”.
Adolf Hitler
foi o ditador que chefiou um governo racista na Alemanha, de 1933 a 1945, e
levou o Mundo à Segunda Guerra Mundial, que causou mais de 50 milhões de
mortes.
O autor,
Francesco Comina, diz que são histórias “para serem contadas aos jovens, para
que possam ser intérpretes de uma memória viva”. “Trata-se de religiosos, leigos, jovens,
mulheres que tiveram a coragem de dizer um sonoro ‘não’ ao nazismo e que agiram
em nome duma fé e dum Evangelho lançados nas profundezas da História”, disse ao “Vatican News”.
O livro
inclui mártires beatificados, como o camponês austríaco Franz Jägerstätter e o
membro da Ação Católica alemã, Josef Mayr-Nusser, bem como outros que
permaneceram na sombra: “Histórias ainda enterradas na memória do antinazismo
na Alemanha”. “Foi
um trabalho de escavação: andei a vasculhar documentos que já tinham sido
publicados, mas sempre em pequenos grupos e, por isso, em grande parte
desconhecidos”, disse
Francesco Comina.
Isto ajudou-o
a recolher histórias como as do padre Max Josef Mezger e do padre palotino
Franz Reinish. Por acaso, conheceu o caso do padre Heinrich Dalla Rosa, da
província italiana de Lana, assassinado em 1945, na Áustria, por se opor ao
nazismo. “Quando entrei numa igreja, perto de Merano, vi uma placa comemorativa
dessa figura e fui investigar. Mas não se sabe quase nada sobre esta história
no Alto Adige, região de grande presença de germanófonos no Norte da Itália”.
A obra inclui
o testemunho da berlinense Eva Maria Buch, jovem de 21 anos, condenada à forca,
com os companheiros, por causa do trabalho de resistência. A jovem repetiu as
bem-aventuranças, quando estava a caminho da morte. “Numa carta aos pais,
escreve que morre feliz por ter vivido essa história com dignidade e coragem, e
que está pronta para fazer tudo o que fez novamente”, diz Comina, enfatizando
que o elemento comum a todos esses testemunhos é o facto de terem colocado a
defesa da sua consciência e os valores de sua fé em primeiro lugar.
***
O governo da
Nicarágua libertou e deportou, a 14 de janeiro, para o Vaticano, dois bispos,
15 padres e seminaristas, presos por oposição ao regime de Daniel Ortega,
ex-líder guerrilheiro de esquerda que soma 30 anos no poder. La Prensa e Confidencial, meios de comunicação nicaraguenses mencionaram o
bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, e o bispo de Siuna, Isidoro Mora. E Silvio
José Báez, bispo auxiliar de Manágua, exilado nos EUA, confirmou a notícia da
libertação d bispos, padres e seminaristas: “Os nossos pastores estão livres.”
Segundo
o “Vatican
News”, os clérigos chegaram a Roma na tarde do dia 14 e foram
recebidos como convidados da Santa Sé. E, em comunicado, o governo da Nicarágua
agradeceu ao Papa e ao secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro
Parolin, “pela coordenação muito respeitosa e discreta que tornou possível a
viagem ao Vaticano de dois bispos, 15 padres e dois seminaristas”. “Já foram
recebidos pelas autoridades da Santa Sé, em cumprimento de acordos de boa-fé e de
boa vontade, que procuram promover o entendimento e melhorar a comunicação
entre a Santa Sé e a Nicarágua, para a paz e o bem-estar”, explicita o
comunicado.
Libertação
análoga ocorreu em outubro de 2023, quando 12 padres presos foram enviados da
Nicarágua para Roma. Em agosto de 2022, o bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez,
defensor dos direitos humanos e crítico do regime de Ortega, foi forçado a
permanecer na sua residência oficial junto a vários padres, seminaristas e um
leigo. Duas semanas depois, quase sem comida, a polícia da Nicarágua invadiu a
casa, capturou Álvarez e levou-o para Manágua, capital do país, onde foi posto
em prisão domiciliar. Em 10 de fevereiro de 2023, o bispo foi condenado a mais
de 26 anos de prisão por traição à pátria. Desde então, estava detido na prisão
conhecida como “La Modelo”, onde estão detidos presos políticos do regime.
Isidoro Mora
foi preso pelas autoridades nicaraguenses a 20 de dezembro de 2023, em meio a
uma onda de prisões de padres católicos que totalizou mais de 15 prisões, só
naquele mês. O bispo havia celebrado a missa um dia antes em Matagalpa, na qual
rezou por Rolando Álvarez.
A 1 de
janeiro, o Papa disse ter preocupação com a situação do país, “onde bispos e
padres foram privados da sua liberdade”. A 2 de janeiro, Matthew Miller,
porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, exigiu que o governo da Nicarágua libertasse,
imediata e incondicionalmente, o bispo Rolando Álvarez, detido injustamente há
500 dias. “A liberdade de crença é um direito humano. A continuação da detenção
de Álvarez é inadmissível”, disse Miller. E o deputado católico Chris Smith, republicano
de Nova Jersey, disse ao Congresso, a 30 de novembro de 2023: “O bispo Álvarez
é um homem inocente que suporta um sofrimento indescritível. Sua vida e
ministério têm sido um exemplo inspirador de compaixão, bondade, integridade e
serviço altruísta.”
***
Aponta-se o
dedo a regimes comunistas, mas outros regimes também sabem perseguir!
2024.01.17 – Louro de Carvalho
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