Noticiou, a
2 de janeiro, o Jornal Económico (JE) que a Parpública, holding do setor
empresarial do Estado, adquiriu ações dos CTT – Correios de Portugal, S.A., entre 2020 e 2021, por ordem do governo, mantendo
uma participação ‘secreta’ não qualificada no capital da empresa que gere o
serviço universal de correios, que nunca foi divulgada, nem mesmo comunicada ao
mercado ou referida nos relatórios anuais.
Tal aquisição
terá ocorrido numa altura em que o governo liderado por António Costa procurava
assegurar o apoio do Bloco de Esquerda (BE) para aprovar o Orçamento do Estado
para 2021 (OE 2021) do último do governo minoritário do Partido Socialista (PS),
já sem apoio formal da “geringonça”. E foi acordada com o Partido Comunista Português
(PCP) – que diz ter tido conhecimento da decisão, que não valorizou – para garantir
a sua abstenção no OE2021.
Ao que o JE apurou, o BE pretendia a reversão da
privatização dos CTT, à semelhança do que sucedera em empresas, como a TAP e a
Carris. E o governo ter-se-á comprometido a construir uma participação pública
na empresa de correios, através da compra de ações no mercado, de forma sigilosa,
pela Parpública, cuja administração exigiu que a ordem fosse dada por escrito.
Por isso, há um despacho do então ministro das Finanças, João Leão (que ocupou
o cargo entre junho de 2020 e março de 2022), a instruir a Parpública nesse
sentido.
O processo seria
gradual e daria origem a participação significativa do Estado no capital da
empresa, mas a queda do governo, no final de 2021, com a rejeição parlamentar da
proposta do OE2022, colocou ponto final na operação. O executivo seguinte, de
maioria absoluta do PS, meteu na gaveta a compra da participação pública
relevante nos CTT e não deu instruções para que as ações fossem vendidas, também
de forma discreta, pelo que há uma participação da Parpública nos CTT, inferior
a 2% do capital, que, por essa razão, nunca foi comunicada ao mercado.
Também não
surge discriminada nos relatórios da Parpública, ao invés do que sucede
com as participações que a holding do Estado mantém em outras empresas, como a
NOS (71 ações) ou a Unitenis (cinco ações). A nova administração da Parpública
pretende mudar este estado de coisas e os próximos relatórios vão referir a
participação nos CTT. Assim, fonte da holding estatal confirmou a existência de
uma posição residual no capital dos CTT e que será identificada na carteira
de participações, nos próximos relatórios.
Por seu
turno, um porta-voz do BE não confirmou que a reversão da privatização dos CTT
tenha estado em cima da mesa nas negociações para o OE2021, mas recordou que
isso sempre foi um dos objetivos do partido. “No OE para 2021, o Bloco
apresentou, apenas, 12 propostas de especialidade. Correspondendo a um último
esforço para que fosse possível a viabilização do OE, centravam-se no trabalho
e no Serviço Nacional de Saúde [SNS]”, disse ao JE o referido porta-voz, que acrescentou: “Sem prejuízo, o resgate
dos CTT para a esfera pública foi sempre uma proposta do Bloco – e motivou,
até, diversas iniciativas legislativas nesse sentido.”
***
Entretanto,
a 3 de janeiro, foi divulgado um ofício da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização
do Setor Público Empresarial (UTAM), segundo o qual o governo, com João Leão ministro
das Finanças, solicitou e deu autorização à Parpública, em fevereiro de 2021,
para iniciar compras de capital dos CTT, até 13% da empresa com a concessão dos
serviços postais,
Essa
participação, que ascendia a mais de 355 mil ações, representa uma percentagem
pequena do capital, mas nunca foi tornada pública pelo governo, nem pela
própria Parpública.
No
enquadramento do referido ofício da UTAM, lê-se que a operação visa a “aquisição
de participação qualificada nos CTT, correspondente ao máximo de 19.500.000 ações,
representativas de até 13% do seu capital social, por uma empresa pública, a
Parpública, a realizar-se por orientação transmitida pelo governo a esta
empresa”.
Neste sentido, a Parpública solicitou à UTAM autorização
para realizar a operação de aquisição das referidas ações, por transação em
bolsa, isto é, ao preço em vigor na Euronext Lisboa, na altura da transação. E a
UTAM escreve: “Com base na informação atualmente disponível, esta operação
deverá implicar um período estimado entre seis a dez meses, estimativa que
deverá ser confirmada pelo broker a contratar. A
empresa chama a atenção para o facto de este prazo ser meramente indicativo,
pois pode ser influenciado por fatores exógenos, tais como oscilações
relevantes da cotação, alterações dos níveis de liquidez do título, alterações
significativas das condições de mercado, entre outras.”
A
concretização deste intervalo de tempo acabaria por coincidir com a
apresentação, discussão e votação do OE2021, mas UTAM não faz referência a essa
coincidência.
No
pedido de autorização à UTAM, o ministério das Finanças justificou o interesse
público da operação. Fê-lo, defendendo que a “intervenção do Estado através de
uma participação no capital da empresa configura” um “meio para influenciar o
mais adequado cumprimento dos índices de qualidade exigidos para o serviço
postal”. Deixa entrever que o Estado quer influenciar as decisões da empresa no
atinente à “cobertura do território”, sobretudo assegurando que os serviços se
encontram acessíveis em todos os concelhos (incluindo as Regiões Autónomas). E
explica: “Os serviços postais – com destaque para o Serviço Postal Universal – são
dotados de um interesse e de uma utilidade públicos inquestionáveis, desde logo
por desempenharem um papel fundamental para o desenvolvimento a níveis local,
regional e nacional e constituírem um fator de promoção da coesão territorial e
da igualdade.”
Porque
não há, no mercado português, outra empresa, além dos CTT, “dotada de rede com
capilaridade capaz de prestar os serviços postais de forma homogénea em todo o território
nacional, é relevante criar melhores condições para assegurar que a prestação
dos serviços em referência é dotada de qualidade, disponibilidade e
acessibilidade, nomeadamente quanto à densidade dos pontos de acesso, aos
prazos de entrega e à regularidade e fiabilidade”.
Por isso, o governo salienta que a intervenção
do Estado, por uma participação no capital social da empresa, configura “um
meio para influenciar o mais adequado cumprimento dos índices de qualidade
exigidos para o serviço postal, designadamente ao nível de regularidade e de
prazos de entrega, assegurando também que estes serviços se encontram acessíveis
em todos os concelhos do país (incluindo as Regiões Autónomas)”.
O ofício da UTAM – assinado pelo diretor
Fernando Pacheco e pela consultora Joana Crisóstomo – conclui que “estão
suficientemente demonstrados o interesse e a viabilidade económica e financeira
da operação de aquisição de uma participação social correspondente a um máximo
de 19.500.000 ações, representativas de até 13% do capital social dos CTT,
pela Parpública, a realizar de acordo com o supraespecificado, podendo Sua Excelência
o Secretário de Estado do Tesouro, querendo, autorizar a operação”. E João Leão
determinou que a compra seria feita em incrementos de 1,95%, precisamente
porque, se fossem de 2%, o mercado teria de ser informado da operação e nome do
comprador.
“Atendendo
à necessidade de divulgação de informação ao mercado, sempre que sejam
atingidos patamares de participação qualificada, a partir dos 2%, aprovo a aquisição
faseada, em bolsa, de ações dos CTT pela Parpública, até ao limiar máximo de
1,95%, momento em que a estratégia de aquisição deverá ser reavaliada, sem prejuízo
do dever de prestar informação periódica, com início no final de setembro de
2021 e, a partir dessa data, mensalmente”, indicou o ministro.
Quanto a preços das ações a comprar em bolsa e
ao preço de mercado, Leão balizou: “A aquisição […] deverá ser realizada até
ao preço máximo de 4,75 € (inclusive). Poderão ser adquiridas ações ao preço
de até 3,00 € (inclusive) por ação a um ritmo normal, até ao máximo de
1,95% de ações representativas do capital social da sociedade, entre os 3,01 €
e os 4,00 € (ambos inclusive), por ação, a um ritmo moderado, até ao máximo
de 1,50% de ações representativas do capital social da sociedade, e, entre
os 4,01 € e os 4,75 € (ambos inclusive), por ação, a um ritmo muito
moderado, até ao máximo de 0,45% de ações representativas do capital social da
sociedade.” Acima desses valores, a compra não estaria autorizada.
Em comunicado, a empresa gestora de
participações públicas refere que “a compra de ações dos CTT pela Parpública,
realizada até outubro de 2021, ocorreu no cumprimento dos requisitos legais,
designadamente o despacho do ministro das Finanças, precedido do parecer prévio
da UTAM”. “O parecer da UTAM à aquisição de ações dos CTT foi favorável”,
afirma a Parpública, acrescentando que detém “355.126 ações dos CTT, que foram
adquiridas em bolsa em 2021, o que corresponde a 0,24% do capital da empresa”.
***
A oposição, nomeadamente o Partido Social Democrata
(PSD) quis explicações sobre essa aquisição discreta e quis saber qual o papel
do novo secretário-geral do PS, então governante que tutelava o setor e que se perfila
para ganhar as próximas eleições legislativas. As explicações técnicas vieram
da UTAM. Quanto a Pedro Nuno dos Santos, veio dizer que não autorizou, nem
tinha de autorizar. Esperemos que, ao analisar a linha do tempo, venha a
concluir que autorizou!
Não se
duvida da legitimidade de o governo reverter, em parte, a privatização dos CTT,
que nunca, a meu ver, deviam ter sido privatizados (o fado da troika). Funcionam pior: os atrasos são
como os dos comboios do Texas. Registam lucros, porque têm um banco
concorrencial com os demais, aproveitaram a rede de estruturas por todo o país
que lhes foi oferecida pelo generoso governo de Passos Coelho e vendem de tudo,
ainda mais no que na botica (até há uma série serviços prioritários), relegando
para bem tarde o correio normal). Porém, não esqueço que a administração garantiu
dividendos, quando a empresa ainda dava prejuízos.
Se o montante máximo das aquisições em vista não
obriga à comunicação ao mercado, se não há uma participação significativa do Estado
(muito menos uma nacionalização) e se foram observados os procedimentos
estabelecidos, aliás, como parece dar conta o referido ofício da UTAM, não se
pode dizer que houve ilegalidade.
Contudo, porque houve uma, ainda que legítima, concertação
política interpartidária, com vista à viabilização de um OE, teria sido
conveniente, por motivo de transparência em negócios do Estado, a publicitação do
pedido de autorização do governo à UTAM e do despacho do ministro das Finanças.
“Quem não deve não teme”.
Por fim, com uma participação tão diminuta,
como quer o governo influenciar a estratégia dos CTT, se em sociedades
anónimas, que sejam empresas de capital aberto ou disperso, a capacidade de
influência é condicente com o volume de participação do acionista? Assim, de
2021 a esta parte, os CTT não melhoraram significativamente, mas o povo
generoso compreende e tolera.
2024.01.03
– Louro de Carvalho
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