A existência
de novos estudos sobre o movimento de habitats de aves na Reserva Natural do
Estuário do Tejo e de como seriam “irremediavelmente” afetados por um aeroporto
desta natureza levou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF) a emitir parecer
desfavorável ao pedido de renovação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) do
aeroporto no Montijo, que estava
previsto caducar em janeiro.
Acácio
Pires, da associação Zero aplaude, considerando que “é a correção de um
erro cometido há quatro anos”, e lembra que, “sendo esta
reserva natural uma das mais importantes da Europa para as aves”, espera que a decisão
seja confirmada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), enquanto autoridade
de avaliação de impacte ambiental. Por seu turno, A ANA aeroportos, que pedira a renovação da DIA, em dezembro, continua
a defender esta solução, por ser a que lhe é mais favorável financeiramente,
enquanto concessionária, e vai contestar o parecer em causa.
Todavia, “todas as opções que incluem Montijo são ambientalmente inviáveis”,
garantem nove organizações não-governamentais de ambiente (ONGA), em parecer
conjunto, entregue no âmbito da consulta pública do processo de Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE) do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), apresentado pela
Comissão Técnica Independente (CTI). As mesmas organizações apelaram à APA e ao
ICNF para “recusarem a renovação” da DIA emitida em 21 de janeiro de 2020 e prestes a
caducar.
Em
2019, o ICNF emitira parecer “favorável condicionado a medidas de minimização e
compensação, em especial para preservar as populações de aves aquáticas”, considerando,
então, que o projeto do aeroporto no Montijo e respetivas acessibilidades “não
punha em causa a integridade da área natural”, considera o ICNF. E, justificando
que, chamado a pronunciar-se sobre a extensão do prazo de validade da
DIA do Montijo, diz que “teve em conta os novos estudos científicos sobre
a avifauna desta zona divulgados recentemente”. Um deles conclui que a implementação do NAL pode
levar a uma perda de até 30% do valor de conservação do estuário do Tejo, em
termos de alimentação das aves invernantes”. Para o ICNF, o
facto de haver alteração objetiva de circunstâncias e inequívoca evolução do
conhecimento e do quadro ambiental, obriga a “emitir um parecer
desfavorável” à prorrogação da DIA.
Assim,
a opção Montijo parece ter caído por terra. E, para voltar a ter viabilidade,
segundo o ICNF, é necessário novo processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)
que contemple “toda a informação técnica e científica agora conhecida, assim
como a nova que venha a surgir, para uma decisão sustentada e realista”.
Também a APA, com base “na pronúncia das entidades
consultadas”, entre as quais o ICNF considerou
não estarem reunidas as condições necessárias à prorrogação da DIA do
aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades. A decisão obriga, agora, a “um período de
audiência prévia nos termos do Código do Procedimento Administrativo”. E a ANA,
como se disse, vai contestar.
Para as aludidas nove organizações ambientais, que
tinham apelado ao chumbo da extensão da validade da DIA – e que colocaram a DIA
emitida em 2020 (que agora caduca) em tribunal –, a opção de um aeroporto no
Montijo era “totalmente inviável”.
Já Jorge Palmeirim, biólogo e coautor de um dos novos
estudos, frisa que esta decisão “reconhece
o conhecimento científico existente”. O também investigador da Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa frisa que “o
interesse público prevalece assim sobre interesses privados”.
***
As aludidas nove ONGA – ALMARGEM, ANP|WWF, ROCHA, FAPAS, GEOTA, LPN, Quercus,
SPEA e ZERO – que não se limitam a contestar Montijo, sustentam que Montijo e Alcochete são as
piores soluções; Vendas Novas a menos má; e Beja a ideal, como complementar.
Reforçando que opção Montijo “é inviável”, defendem
que é preciso investir na ligação ferroviária entre Beja e Lisboa, assumindo o
aeroporto alentejano como solução complementar, para os próximos 10 anos.
A decisão final sobre a futura localização do
aeroporto só será conhecida depois das eleições de 10 de março; e, seja qual
for, não estará a funcionar antes de 2035. A ANA continua a defender a solução
que lhe é financeiramente mais favorável, enquanto concessionária: o Montijo.
Porém, esta é a pior de todas as soluções, reafirmam os ambientalistas.
Em comunicado, enviado às redações, a 29 de janeiro,
os ambientalistas lembram que existe “nova informação relevante, que não era
conhecida, aquando do processo de licenciamento ambiental concluído no início
de 2020”. Há quatro anos, duas entidades – ICNF e APA – deram luz verde ao
projeto no Montijo, apesar de reconhecerem grandes impactes ambientais, nomeadamente
sobre as aves e os habitats da rede Natura e da Reserva do
Estuário do Tejo.
Além da afetação
de corredores de aves migradoras e da exposição da população a níveis de ruído
acima do legalmente admissível, as nove ONGA acrescentam o risco de inundação,
face à subida do nível médio da água do mar e o risco para o estratégico
aquífero do Baixo Tejo e Sado, assim como “a destruição de áreas florestais de
alta qualidade e de valor insubstituível”, no Montijo e em Alcochete. E estes
critérios fazem chumbar a solução Campo de Tiro de Alcochete.
A localização do aeroporto em Vendas Novas é
considerada menos má, mas não está isenta de impactos ambientais. “Se tivermos
em conta todos os indicadores de perturbação de áreas de Rede Natura 2000 ou de
potenciais corredores de aves migradoras, a localização de Vendas Novas afeta
entre três a 27 vezes menos área do que todas as outras localizações”, escrevem
no parecer as ONGA. Para a Zero
“esta é a solução mais favorável do ponto de vista ambiental e de saúde
pública”, defende Acácio Pires.
Porém, João Joanaz de Melo, do Geota, põe Santarém no
mesmo plano de Vendas Novas, considerando que “a escolha final, quanto a estas
duas opções, deve ficar para os decisores técnicos e políticos”. Comparando com
Montijo e Alcochete, as opções Vendas Novas e Santarém têm menos risco de
afetar populações com ruído dos aviões, de afetar habitats de aves, e de provocar
“bird strike” (colisão de pássaros).
Por isso, como defende, “a
prioridade é pôr o aeroporto de Beja como complementar ao da Portela, que terá
de funcionar, pelo menos, mais 10 anos”; e a solução não é investir
milhões na linha de alta velocidade, exceto a da ligação Lisboa-Madrid, mas
melhorar as linhas convencionais e duplicar as suburbanas em Lisboa e Porto.
As nove ONGA consideram que qualquer modificação
significativa das operações no Aeroporto Humberto Delgado/Portela deve ser sujeita
a AIA, “tendo em conta os impactes ao nível do ruído e da poluição”, e que a
complementaridade Portela-Beja, que dizem apenas “exigir, no essencial,
investimentos na eletrificação e modernização da linha Casa Branca-Aeroporto de
Beja-Beja”.
Tardam, porém, os
investimentos prometidos pela ANA para insonorizar casas, tendo só avançado
conversações com as autarquias e entidades públicas para insonorizar escolas e
outros edifícios públicos sensíveis afetados pelo ruído dos aviões em Lisboa e
Loures, identificados no Plano de Ação e Gestão
e Redução de Ruído 2019-2023 do aeroporto Humberto Delgado.
Mais de 388 mil pessoas
estão expostas a níveis de ruído superiores a 45 decibéis [Ln 45 (dB)] durante
a noite, causado pelas descolagens e
aterragens de aviões no Aeroporto Humberto Delgado AHD O Plano de
Ação 2018-2023 pouco executou do prometido e a ANA está a fazer o novo para
2024-2029. “É
inadmissível que esta situação se mantenha”, critica Joanaz de Melo.
Por aplicar aos gestores de grandes infraestruturas de
transportes está o princípio do poluidor-pagador. Acácio Pires diz que é
necessário aplicar taxas que cubram os custos apurados dos voos noturnos para a
saúde humana. Os ambientalistas estimam que estes rondem “206 milhões de euros
por ano”. Querem recuperar este valor, através de taxas que contribuam para
“mitigar os custos mais elevados de investimento num novo aeroporto, para que o
país possa beneficiar da opção mais eficiente, [mais bem] integrada nas redes
de transportes mais sustentáveis e menos danosa para a saúde humana e para os
sistemas ecológicos”.
Os ambientalistas defendem que o tema “deve ser uma
prioridade do novo Parlamento”, já que as conclusões do grupo de trabalho sobre
os voos noturnos ficaram adiadas para depois das eleições.
***
Entretanto, a coordenadora da CTI, considerando que a
consulta pública, terminada em 26 de janeiro, foi objeto de 1700 contributos,
prometeu rever e melhorar o relatório que apresentou em dezembro de 2023. Dará
o dito por não dito, quanto à excelência do NAL em Alcochete?
Como ficou dito, nove ONGA contestaram o relatório da
CTI, bem como a ANA. Porém, a maior contestação provém dos promotores da localização
do novo aeroporto em Santarém.
A CTI chumbou a hipótese de Santarém, estudada a
pedido do primeiro-ministro, por apontar para restrições de navegação aérea.
Obrigaria, segundo a CTI, à cedência obrigatória de grande parte da área
militar de Monte Real e de parte de Santa Margarida. A posição relativa das
pistas (perpendicular a Monte Real) constitui um constrangimento significativo,
considerou ainda a CTI. É posição que a Magellan 500 contestou, sublinhando que
as questões levantadas são resolúveis.
“Este projeto demonstra que [Santarém] não é incompatível
com a base de Monte Real”, diz a Magellan 500, sustentando: “Importa salientar
que o estudo da NAV Portugal – Navegação Aérea, mencionado no relatório da CTI,
não corrobora as declarações da presidente da Comissão [que o usa para atestar
os problemas de navegabilidade], o que consideramos bastante preocupante.”.
O promotor garantiu que a questão da pista é
solucionável e considerou que o problema apontado pela CTI, usando o relatório
da NAV, só se levantaria numa fase de expansão do aeroporto. “Vamos afinar a
solução de navegação aérea, para ter em conta esta mesma solução”, disse,
sustentando que seria melhor a CTI abster-se de tecer comentários técnicos.
Crítico face à avaliação da CTI, Carlos Brazão
assegurou que a análise não está conforme com as recomendações da União
Europeia (UE), no respeitante às áreas de influência de um aeroporto, e “favorece
Alcochete em múltiplas áreas”, nomeadamente nas infraestruturas de acesso, “onde
houve desorçamentação”, e na questão ambiental, desvalorizando a questão dos
sobreiros.
Aponta-lhe ainda “fragilidades jurídicas” e “enorme
incompreensão do contrato de concessão”, criando o risco de o país poder ficar
perante a possibilidade de não vir a ter novo aeroporto.
A CTI salienta que Santarém boas ligações rodoviárias,
apesar dos fortes constrangimentos de circulação na A1, em particular às horas
de ponta. E diz que, embora seja servida pela ferrovia convencional, não o é
pela alta velocidade.
“Santarém nunca deixou de ser viável. Tudo comprova
que é um projeto viável”, defende Carlos Brazão, considerando que a CTI, “ao
declarar o Magellan 500 como inviável para um hub, por razões aeronáuticas
[relacionadas com a base militar de Monte Real] fez uma interpretação abusiva”
do relatório da NAV, que não estudou especificamente o caso de Santarém,
fazendo antes uma análise genérica.
***
A decisão, embora sustentada em critérios técnicos (que
dão para tudo), será política. Ora, com a CTI a dar de flanco, com um grupo de
estudo dentro do atual maior partido da oposição, que sempre foi favorável ao
Montijo, só um governo que, após as eleições, tenha maioria parlamentar sólida
ou tenha carisma suficiente para negociar um consenso, é que o NAL avançará.
Caso contrário, ficará remetido para as calendas gregas, pois os fundos europeus
não são intermináveis. Além disso, a tendência é para dispensar o avião em prol
do comboio. E, por indecisão campeã e por interesses instalados, o país corre o
risco de não ter novo aeroporto, nem ferrovia decente.
2024.01.30 – Louro de Carvalho
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