Na
Igreja Católica Latina, celebra-se, a 6 de janeiro, a Solenidade da Epifania do
Senhor, ou seja, o mistério da revelação de Cristo aos não judeus, aos considerados
pagãos. Tal solenidade passa para o domingo que ocorra entre os dias 2 e oito
de janeiro, nos países onde o 6 de janeiro não é feriado, como é o caso português
Por ocasião
da Solenidade da Epifania, durante a missa celebrada na igreja de Santa
Catarina, adjacente à Basílica da Natividade, o Custódio da Terra Santa
recordou as palavras do Papa São Paulo VI, há 60 anos, pronunciadas naquela
mesma igreja, quando pediu aos poderosos que “trabalhassem juntos para
estabelecer a paz, com verdade, justiça, liberdade e amor fraterno”.
Depois de
entrar solenemente em Belém, a 5 de janeiro, através do posto de controlo
situado próximo ao Túmulo de Raquel, que só é aberto três vezes por ano, o padre
Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, celebrou a solene Eucaristia da Epifania
do Senhor, na manhã do dia 6, na igreja paroquial de Santa Catarina, adjacente
à Basílica da Natividade e repleta de fiéis.
Na homilia,
Patton lembrou que, há 60 anos, precisamente a 6 de janeiro, o Papa Montini
concluiu, em Belém, a sua histórica viagem à Terra Santa. E o franciscano fez
suas as palavras de exortação aos poderosos da terra que São Paulo VI proferiu
então e que, tragicamente, ainda são relevantes hoje, como um sincero apelo de
paz no Mundo: “Que eles trabalhem juntos de forma ainda mais eficaz para
estabelecer a paz, através da verdade, da justiça, da liberdade e do amor
fraterno. Este é o desejo que nunca deixamos de dirigir a Deus, em constante
oração, durante esta peregrinação. Todas as iniciativas leais, que tendem a
isso, encontrarão o nosso apoio e as abençoamos de todo o coração. É com o
coração repleto desses pensamentos e orações que, de Belém, a terra natal de Cristo,
invocamos, para toda a Humanidade, a abundância das graças divinas.”
***
Sob
o título “De Jerusalém, um caminho ininterrupto de unidade”, o portal da Santa
Sé, Vatican News, deu conta, a 6 de janeiro,
de uma reflexão do cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca de
Jerusalém dos Latinos, publicada no L’Osservatore
Romano, 60 anos após a peregrinação de São Paulo VI à Terra Santa. O
espírito do encontro entre o Papa Montini e o Patriarca Atenágoras, em 1964,
foi renovado, em 2014, por Francisco e por Bartolomeu.
A alegria
que o evento da peregrinação de Paulo VI trouxe, há 60 anos, para a vida da
cidade de Jerusalém e a carga de novidade que despertou ainda fazem parte da
vida atual dos cristãos na Terra Santa. Como sempre e como em todas as coisas
relativas a Jerusalém, o profundo significado destes eventos e, em particular,
o encontro entre o Santo Padre e o Patriarca Ecuménico Atenágoras, mudou o
rosto da Igreja e indicou o seu caminho até aos dias de hoje.
O bispo de
Roma retornou a Jerusalém, de onde partira, há dois mil anos. Na peregrinação
que o levou aos principais lugares sagrados, encontrou as feridas que a História
deixou bem visíveis na geografia dos lugares e das pessoas daquela época e de
hoje. Mas recebeu o abraço forte e potente de toda a população, que o acolheu,
com alegria e entusiasmo incríveis, e que mostrou aos seus pastores, de maneira
indiscutível, a vontade de não permanecer prisioneira da difícil História desta
Terra, mas de querer ir além. Vídeos da época mostram Paulo VI que, ao entrar
na Cidade Santa, era quase esmagado pela multidão entusiasmada e eufórica. Às
vezes, são suficientes pequenos gestos, que, talvez sem se saber, eram
esperados e procurados por muitos, para libertar o desejo de encontro e de paz
que brota no coração de cada homem, especialmente na Terra Santa, marcada por perpétuas
tensões, conflitos e divisões. A Jerusalém cristã estava parada, quase
suspensa, entre leis antigas, regulamentos que pareciam paralisar, em vez de
regular, a vida comum. A visita do Papa Montini teve o mérito de romper esse
muro, que, na época, parecia muito sólido, dos vários status quo, muitas vezes usados mais errónea do que corretamente,
para evitar o confronto entre as partes. Essa visita foi suficiente para varrer
séculos de poeira nas nossas relações.
O encontro
com o Patriarca Ecuménico de Constantinopla foi, sem dúvida, o evento que
marcou aquela peregrinação. O retorno de Pedro, depois de dois mil anos, a
Jerusalém, berço do nascimento da Igreja una e indivisa, não podia deixar de
olhar para aquela ferida, a mais profunda de todas, que marcou o percurso da
Igreja por todo um milénio. E o retorno de Pedro a Jerusalém foi o início de novo
caminho, para todos os cristãos, de reaproximação, de revisão e de redenção das
suas respetivas Histórias, do desejo e da saudade da unidade perdida. Afinal, o
retorno e a partida de Jerusalém, sempre e necessariamente, trazem consigo uma
profunda mudança. Para um cristão, Jerusalém é o lugar que deu concretude à
Redenção, que mudou o significado do perdão, da justiça e da verdade. Não se
pode ir a Jerusalém, sem se confrontar com estas realidades, que ai adquirem
uma concretude única.
Muita coisa
mudou no diálogo ecuménico desde então. Hoje, tomamos como certas as atitudes
de respeito e amizade entre as Igrejas. Devemos isso ao Papa e ao Patriarca
Ecuménico, à sua coragem e visão. O Papa Francisco, com a sua peregrinação de
oração à Terra Santa, em 2014, e com o novo encontro com o Patriarca Ecuménico
Bartolomeu, mostrou concretamente quanto a Igreja avançou naqueles 50 anos e
depois. Em 1964, o encontro foi realizado no Monte das Oliveiras, lugar
significativo, mas periférico, em relação à cidade de Jerusalém. Em 2014, por
outro lado, foi realizado no coração da Jerusalém cristã, o Santo Sepulcro, que
não é apenas o lugar que recorda a morte e a ressurreição de Cristo, mas também
o Lugar que, com ou sem razão, é considerado o símbolo das nossas divisões.
É claro que
os que vivem em Jerusalém, sabem como o caminho ainda é longo e como, às vezes,
é difícil estar e viver juntos, mas o simples facto de um evento tão importante
poder ser realizado nesse lugar mais querido é sinal inequívoco do caminho percorrido
até aqui. Há 60 anos, aquele abraço abateu o muro de divisão entre as duas
Igrejas, dando início a uma nova era para a vida da Igreja. O abraço realizado
50 anos depois renovou a alegria e a unidade no Espírito que nenhum de nós pode
prever agora, mas que já está a produzir frutos abundantes para a vida da
Igreja hoje. Vemo-lo na restauração da Basílica, que é feita em conjunto, algo
que hoje é considerado natural, mas impensável há alguns anos. Encontros,
declarações e iniciativas comuns entre as Igrejas são considerados, hoje, assuntos
comuns. Iniciativas pastorais conjuntas, nas escolas, nas paróquias, são
expressão do desejo de fraternidade que não é só de alguns poucos, mas de toda
a comunidade cristã local, nas suas várias denominações. Outro exemplo é o Vademecum Pastoral da Igreja Católica,
que dá indicações concretas sobre como celebrar os sacramentos para famílias
mistas (que são quase todas), respeitando a sensibilidade de todos.
Também hoje,
talvez até mais do que ontem, precisamos de homens e mulheres corajosos,
capazes de visão, de ver além da dor presente, de libertar os nossos corações
oprimidos por muitos medos e que, tal como Paulo VI e Atenágoras, com as suas
palavras e gestos, saibam indicar aos cristãos da Terra Santa de hoje o difícil
e fascinante caminho para a paz.
***
Na saudação após a recitação do Angelus na solenidade da Epifania, Francisco recordou o “gesto
histórico de fraternidade realizado em Jerusalém” e pediu que rezemos pela paz
no Médio Oriente, na Palestina, em Israel, na Ucrânia e no Mundo inteiro. O Sumo
Pontífice expressou a sua tristeza pelo ataque no Irão e, em seguida, saudou as
crianças missionárias, no dia dedicado a elas.
“Seguindo o
exemplo do abraço de 1964, em Jerusalém, entre Paulo VI e o Patriarca Ecuménico
Atenágoras, rezemos pela paz no mundo”, disse Francisco, na saudação, lembrando
o encontro que mudou a História das relações entre os cristãos, para pedir que
continuemos no caminho do ecumenismo e para invocar a fraternidade entre os
povos. E expressou-se nestes termos: “Há 60 anos, neste mesmo dia, o Papa São Paulo VI e o Patriarca Ecuménico Atenágoras
encontraram-se em Jerusalém, quebrando um muro de incomunicabilidade que
manteve católicos e ortodoxos separados por séculos. Aprendamos com o abraço
desses dois Grandes da Igreja no caminho para a unidade cristã, rezando juntos,
caminhando juntos, trabalhando juntos. E, pensando nesse gesto histórico de
fraternidade realizado em Jerusalém, rezemos pela paz, pela paz no Médio Oriente,
na Palestina, em Israel, na Ucrânia, no Mundo inteiro. Tantas vítimas de
guerras, tantas mortes, tanta destruição... Oremos pela paz.”
O Papa voltou
o seu olhar para a terrível violência que atingiu o Irão, a 3 de janeiro,
quando uma série de explosões na cidade de Kerman causou mais de cem mortes: “Expresso a minha proximidade ao povo
iraniano, em particular às famílias das muitas vítimas do ataque terrorista em
Kerman, aos muitos feridos e a todos os que foram atingidos por essa grande
dor.”
E Francisco
concluiu, recordando que, no dia da Epifania, também se celebra o Dia da
Infância Missionária, e saudou as crianças e os jovens missionários de todo o Mundo,
agradecendo-lhes sobretudo pelo “seu compromisso na oração e no apoio concreto
ao anúncio do Evangelho e, em particular, ao trabalho de assistência às
crianças nas terras de missão”.
***
A paz é um
bem tão necessário e tão pouco assumido, desejado e construído. O prazer
insaciável de sangue prefere a guerra à paz. Importa, pois, que surjam
construtores e arautos da paz. Estes serão chamados filhos de Deus.
2024.01.06 – Louro de Carvalho
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