O Papa
Francisco recebeu em audiência, na manhã do dia 22 de janeiro, na Sala
Clementina, no Vaticano, os membros da Associação Internacional de Jornalistas
Credenciados junto do Vaticano. Atualmente, são 250 os membros desta associação,
dos quais 150 foram recebidos em audiência pelo Papa, esta manhã, guiados pelo
presidente Loup Besmond de Senneville, o jovem correspondente do La Croix.
A pedra de
toque, na intervenção papal, é “obrigado” a quem o Pontífice chama companheiros
de viagem e de missão. Porém, não esquece outras dimensões, como o amor à Humanidade
e o amor à verdade, a capacidade de buscar, realçar e contar, a arte de fazer
pontes, a humildade e a delicadeza, a ultrapassagem das aparências e o respeito.
Este
encontro “é uma oportunidade para vos agradecer a vós, que sois um pouco meus
companheiros de viagem, pelo trabalho que realizais informando leitores,
ouvintes e espectadores sobre a atividade da Santa Sé. Jornalistas, operadores,
fotógrafos, produtores: vós sois uma comunidade unida por uma missão”, disse o
Pontífice no início da sua intervenção.
A seguir, Francisco exprimiu o que é, do seu ponto de vista, ser jornalista.
“Ser jornalista é uma vocação, um pouco como a de um médico, que escolhe amar a
Humanidade, curando as suas doenças. De certa forma, o mesmo acontece com o
jornalista, que escolhe tocar as feridas da sociedade e do Mundo. É um
chamamento que nasce na juventude e leva a entender, a realçar e a contar.
Desejo que volteis às raízes dessa vocação, que vos lembreis dela, que vos
lembreis da vocação que vos une numa tarefa tão importante. Quanta necessidade
de conhecer e de contar, por um lado, e quanta necessidade de cultivar um amor
incondicional pela verdade, por outro!”
O Papa
manifestou a sua gratidão aos jornalistas, “não apenas pelo que escrevem e
transmitem, mas também pela sua perseverança e paciência em acompanhar, todos
os dias, as notícias que chegam da Santa Sé e da Igreja, relatando uma
instituição que transcende o ‘aqui e agora’ e as nossas próprias vidas”.
“Obrigado
também pelos vossos sacrifícios em seguirdes o Papa pelo Mundo e por trabalhardes
com frequência, mesmo aos domingos e feriados. Peço-vos desculpas pelas
vezes em que as notícias que me dizem respeito, de diferentes maneiras, vos
afastaram das vossas famílias, de brincardes com os vossos filhos, e também vos
tiraram o tempo de passardes com os vossos maridos ou com as vossas esposas”,
observou o Papa Francisco.
“O nosso
encontro é uma oportunidade para refletirmos sobre o árduo trabalho de um
vaticanista, ao contar o caminho da Igreja, ao construir pontes de conhecimento
e de comunicação, em vez de sulcos de divisão e de desconfiança”, vincou o Sumo
Pontífice.
Francisco
usou as palavras de um decano e ponto de referência para a comunidade de
vaticanistas, Luigi Accattoli, colunista histórico e editorialista de “Assuntos
do Vaticano” do Corriere della Sera,
que, recentemente, completou 80 anos, muitos dos quais viajando no séquito dos
Papas.
O Papa citou,
textualmente, as palavras de Accattoli no prefácio de um livro, ao descrever o
seu trabalho como “uma profissão rápida a ponto de ser implacável, duas vezes
mais incómoda quando aplicada a um sujeito elevado como a Igreja, que a media
comercial, inevitavelmente, leva ao seu nível de mercado”. Nos muitos anos como
vaticanista, Accattoli disse que “aprendeu a arte de buscar e narrar histórias
de vida” e “aprendeu a humildade”. Para Francisco, este é “um belo incentivo:
amar o ser humano, aprender a humildade”.
A seguir,
Francisco agradeceu aos jornalistas pela “delicadeza” que têm, muitas vezes, “ao
falar dos escândalos da Igreja. “Existem e, muitas vezes, eu vi-vos com uma
delicadeza grande, um respeito, um silêncio, eu diria até ‘vergonhoso’.
Obrigado, obrigado por esta atitude, quando falais de escândalos.”
Agradeço pelo esforço que fazeis para manter esse olhar que sabe ver
por trás das aparências, que sabe captar a substância, que não se quer curvar à
superficialidade dos estereótipos e das fórmulas pré-embaladas da
informação-entretenimento, que, em vez da difícil busca pela verdade, preferem
a fácil catalogação de factos e de ideias, de acordo com esquemas pré-estabelecidos.
Eu vos encorajo a continuardes nesse caminho que sabe unir a informação à
reflexão, o falar ao escutar, e o discernimento ao amor.
No ambiente
da media, disse Francisco, o vaticanista deve “resistir à vocação nativa da
comunicação de massa de manipular a imagem da Igreja, como e mais do que
qualquer outra imagem da Humanidade associada”.
De facto, a media tende a deformar a notícia religiosa. Deforma-a tanto
com o registo alto ou ideológico como com o registo baixo ou espetacular. O
efeito geral é uma dupla deformação da imagem da Igreja: o primeiro registo
tende a forçá-la a uma espécie política; o segundo tende a relegá-la para as
notícias leves.
“A beleza do
vosso trabalho em torno de Pedro é fundá-lo sobre a sólida rocha da
responsabilidade na verdade, não sobre as frágeis areias da tagarelice e das
leituras ideológicas; é não esconder a realidade e também as suas misérias, sem
amenizar as tensões, mas, ao mesmo tempo, sem fazer clamores desnecessários,
mas esforçar-se por captar o essencial, à luz da natureza da Igreja. Como isso
faz bem ao Povo de Deus, às pessoas mais simples, à própria Igreja, que ainda
tem um caminho a percorrer para comunicar melhor: primeiro, com o testemunho; e,
depois, com as palavras”, concluiu o Papa.
***
A preocupação
do Papa Francisco pela missão dos jornalistas é recorrente. Basta, para se
perceber a momentosidade da sua preocupação, lembrar, a título de exemplo, as
palavras que dirigiu, a 24 de junho de 2023, aos vencedores da 15.ª edição do Prémio Internacional
de Jornalismo Biagio Agnes – juntamente com uma delegação italiana que promove
a iniciativa –, em que refletiu sobre os “instrumentos” de um comunicador: o
bloco de anotações, a caneta e “um olhar real, não apenas virtual”.
O encontro com o Papa aconteceu na sequência da cerimónia de
entrega da homenagem, realizada no dia 23, na Praça do Campidólio, em Roma.
Francisco felicitou os
premiados e encorajou-os “à difusão de uma informação correta, educando e
formando as jovens gerações”. Incentivou os jornalistas, ao citar Biagio Agnes
(1928-2011), protagonista da empresa pública de rádio e de TV da Itália: “Foi um defensor do seu serviço público, capaz de
intervir com sabedoria e decisão para garantir uma informação autêntica e
correta.”
Falou das grandes mudanças
atuais que também desafiam o quotidiano do jornalista, “chamado a ‘gastar as
solas dos sapatos’ ou a caminhar pelas ruas digitais, sempre ouvindo as pessoas
que encontra”, inclusive lá onde ninguém vai, para contar sobre a realidade,
como a da guerra, já que, relatando a tragédia e o absurdo dos conflitos, “faz
com que todos se sintam parte do mesmo sofrimento”. Para tanto, destacou a
importância de três “elementos” do trabalho jornalístico, cada vez menos
utilizados, mas que ainda têm muito a ensinar: o bloco de anotações, a caneta e
o olhar.
Deu ênfase à ação de anotar, o que “envolve muito trabalho
interno” como testemunhas diretas ou através de uma fonte confiável: “O
bloco de anotações lembra-nos da importância de ouvir, mas, acima de tudo, de
nos deixarmos fascinar pelo que acontece. O jornalista nunca é um contador da
história, mas uma pessoa que decidiu vivenciar as suas implicações com
participação, com compaixão.”
Ao descrever o uso da
caneta no trabalho jornalístico, apesar de ser cada vez menos usada, por
estar a ser substituída por instrumentos mais modernos, o Papa recordou que ela
“ajuda a elaborar o pensamento, conectando a cabeça e as mãos, promovendo
lembranças e ligando a memória ao presente.” “A caneta, portanto, lembra o ‘ato
criativo’ dos jornalistas e dos profissionais da media, ato que exige unir a
busca da verdade com a retidão e o respeito pelas pessoas, em particular, com o
respeito pela ética profissional, assim como Biagio Agnes fez”, discorreu o
Pontífice.
O bloco de anotações e a caneta são meros acessórios, se
faltar um olhar para a realidade, ponderou o Santo Padre, sobre a necessidade
do jornalista ter “um olhar real, não apenas virtual”:
“Pensemos, por exemplo, no
triste fenómeno das fake news, na
retórica belicista ou em qualquer coisa que manipule a verdade. É necessário um
olhar cuidadoso sobre o que está acontecendo para desarmar a linguagem e
promover o diálogo. O olhar deve ser direcionado a partir do coração: dali
‘brotam as palavras certas para dissipar as sombras de um mundo fechado e
dividido e construir uma civilização melhor do que aquela que recebemos. É um
esforço exigido a cada um de nós, mas que requer, em particular, um senso de
responsabilidade por parte dos profissionais da comunicação, para que possam
exercer a própria profissão como uma missão” (ver Mensagem para o 57.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de
janeiro de 2023).”
***
Em suma, procurar, ver e ouvir, dar voz a quem precisa de falar
e não tem oportunidade, realçar e relatar com objetividade e respeito pela realidade,
sem massacrar os destinatários, e fazer a ponte mais importante da relação
humana constituirão o fundamental do trabalho jornalístico.
Para tanto, o profissional da comunicação tem de sentir-se
livre. E não há liberdade, quando o poder político ou o poder económico tentam
condicionar o trabalho da comunicação social, quando adornam os jornalistas com
os colares da precariedade no emprego, da magreza salarial e da sujeição a trabalhos
em condições desumanas que levem ao cansaço, à exaustão e à depressão.
Não há liberdade, se não houver segurança profissional, se há
pressão ideológica ou comercial, se se esvazia a empresa de comunicação social dos
recursos humanos, materiais e financeiros.
Por outro lado, não há verdadeiro serviço à comunidade, se continuar
o deserto jornalístico em tantos concelhos, sobretudo do Interior, se a comunicação
social não for plural ou se se concentrar nas mãos de interesseiros grupos económicos
ou de grupos financeiros sem rosto, se a publicidade institucional (e até comercial)
for feita através de organismos do Estado ou das autarquias, obviamente com sujeição
a interesses ideológicos, de conveniência e, por vezes, partidários.
Por fim, um pormenor: Francisco parece dar a entender que
está contra o uso dos atuais instrumento de anotação, redação e comunicação.
Contudo, não é assim: o bloco de notas, a cheirar a papel, e a caneta, cuja
tinta até pode sujar as mãos, sem serem óbice aos atuais meios digitais, que
permitem ação mais rápida e conservação mais segura, podem servir para entrar
em ambientes com a discrição que é, por vezes, necessária, permitem um olhar
mais demorado e mais reflexivo e, como diz o Papa, levam a articular mãos e cérebro.
Nada deve substituir nada, mas usado consoante os objetivos de servir melhor.
***
O jornalismo merece melhores condições do que as atuais; a
comunidade precisa de mais atenção, livre dos interesses instalados ou a instalar,
e de poder fazer o necessário escrutínio à atividade dos seus representantes.
2024.01.22
– Louro de Carvalho
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