William
Lai, o candidato pró-independência do Partido Democrático Progressista (DPP),
ganhou as eleições presidenciais de 13 de janeiro, em Taiwan (ou Formosa),
sucedendo à presidente Tsai Ing-wen, que já cumpriu dois mandatos, o limite
constitucionalmente autorizado.
Segundo
os resultados oficiais provisórios correspondentes a 99% do apuramento, William Lai obteve 40,2% dos votos.
O presidente eleito, que é o atual vice-presidente e que a República
Popular da China (RPC) ou, simplesmente, China, considera “sério perigo”,
devido às suas posições pró-independência, no discurso de vitória, agradeceu aos eleitores por “terem escrito um novo capítulo na
democracia” de Taiwan e garantiu: “Entre a democracia e o autoritarismo,
estaremos do lado da democracia.” E, em referência velada à RPC, vincou:
“O povo de Taiwan resistiu, com sucesso, aos esforços de forças externas para
influenciar estas eleições.”
Apenas
a população do território “tem o direito de escolher o seu presidente”, insistiu,
prometendo “proteger Taiwan das contínuas ameaças e intimidações da China”, mas
“manter o intercâmbio e a cooperação” com Pequim.
Acompanhado
pela vice-Presidente eleita, Hsiao Bi-khim, o líder do DPP, que tomará posse a
20 de maio, considerou que, nos últimos oito anos, a RPC “não respondeu” às
boas intenções da presidente cessante, Tsai Ing-wen. Porém, declarou: “Esperamos
que a China reconheça a nova situação e compreenda que só a paz beneficia ambos
os lados do Estreito. A paz e a estabilidade globais dependem da paz e da
estabilidade no Estreito de Taiwan, e a China também tem uma responsabilidade.”
O principal
adversário, Hou
Yu-ih, candidato do Kuomintang (KMT), defensor da aproximação com
Pequim, obteve 33,9% dos votos e já admitiu a derrota,
pedindo “desculpa” por ter “desiludido” os apoiantes. “Respeito a
decisão final do povo taiwanês […] Felicito Lai Ching-te e Hsiao Bi-khim, pela
sua eleição, esperando que não desapontem as expectativas do povo taiwanês”, disse, referindo-se ao novo presidente e à candidata do
DPP à vice-presidência.
O
terceiro candidato, Ko Wen-je, do pequeno Partido Popular de Taiwan (TPP), que
se apresenta como antissistema, surge em terceiro lugar, com 26,45% e também já
reconheceu a derrota.
Os
Taiwaneses também votaram para a renovação dos 113 assentos no Parlamento, onde
o DPP perdeu a maioria de que dispunha. Decorrendo, ainda, a contagem dos
votos, o partido no poder já sabia que não iria além dos 51 assentos e que o
KMT conseguiria 52 e o TPP oito.
O presidente
eleito reconhece que os resultados para o órgão legislativo não são os ideais
para o seu partido, pelo que sinaliza a necessidade de maior diálogo com a
oposição.
Durante
a semana das eleições, Pequim aumentou a pressão diplomática e militar. No dia
11, cinco balões chineses cruzaram a linha mediana que separa a ilha autónoma
da China, segundo o Ministério da Defesa de Taiwan, que também avistou dez
aviões e seis navios de guerra. No dia 13, jornalistas da agência France-Presse viram um avião de combate chinês sobre a cidade de
Pingtan, a mais próxima de Taiwan, e foi bloqueada pela manhã, na rede social
chinesa Weibo, a hashtag “Eleições em Taiwan”. E Pequim apelou a que os eleitores fizessem “a escolha certa” e o
Exército chinês prometeu “esmagar” qualquer desejo de independência.
O
estatuto de Taiwan é um dos assuntos mais tensos na rivalidade entre a RPC e os
Estados Unidos da América (EUA), o principal aliado militar do território, e
Washington planeou enviar uma “delegação informal” à ilha, após a votação.
Contudo, Taiwan age como entidade política soberana, com Exército e
diplomacia próprios, apesar de não ser formalmente independente.
A
China considera Taiwan uma das suas províncias, que ainda não conseguiu
reunificar com o resto do seu território, desde o fim da guerra civil chinesa,
em 1949. E diz ser a favor de uma reunificação pacífica com a ilha, onde os
cerca de 23 milhões de habitantes são governados por um sistema democrático,
mas nunca renunciou ao uso da força militar.
***
Apesar da
pressão do gigante chinês, com as
forças armadas em elevado estado da alerta, as famílias aproveitaram o bom
tempo para passear e fazer piqueniques. Porém, milhões de cidadãos encontraram uma aberta para irem às urnas. E houve quem
voasse mais de 15 horas, para votar numa eleição que elegeu William Lai, do DPP.
Num processo repetido, de quatro quatro anos, as urnas
abriram, em Taiwan, às 8h30 (hora de Taiwan) da manhã e fecharam às 16h00. Em
cerca de quatro horas, a ilha com cerca de 20 milhões de eleitores, já tinha o
vencedor da votação dos três candidatos e agora destinatário de umas das
posições políticas mais complexas da região Ásia-Pacífico.
Na véspera da ida às urnas, que inclui escolha do
parlamento local, o Ministério da Defesa chinês anunciou que as forças armadas
chinesas estariam em elevado estado de alerta, prontas a tomar todas as medidas
necessárias para impedir quaisquer planos para a “independência de Taiwan”.
Porém, o ambiente pacato do dia
eleitoral contrastou com a imagem internacional de tensão militar
constante e a com a reiterada ameaça de invasão pela RPC.
Proibidos os comícios e as atividades de campanha no
dia de eleição, o ambiente de Taipé assemelhava-se a um sábado normal,
com várias famílias e residentes a aproveitar o bom tempo de inverno para
piqueniques e passeios. Cerca de 70% dos 20 milhões de eleitores
registados na ilha votaram, neste ano, um pouco menos do que os
valores recorde de 75% nas eleições de 2020, mesmo assim, valores altos, num
sistema eleitoral que não permite a residentes votarem à distância, obrigando
centenas eleitores registados a votar no distrito onde foram inscritos antes de
saírem da ilha.
Regularmente as eleições na Formosa registam uma das
taxas de participação mais elevadas do Mundo, com muitos dos cerca de dois
milhões de eleitores que vão à ilha, para votar. Um deles percorreu todo o Oceano Pacífico para se deslocar do
Havai, nos EUA, até Kinmen, pequena ilha sob administração de Taiwan, a
poucos quilómetros do continente chinês. Todos
os voos entre Taipé e Kinmen esgotaram. Tiveram os passageiros de
esperar quatro dias, para garantirem passagem de volta. Muitos jovens eleitores que residem no exterior foram apenas votar,
o que demonstra a “preocupação sobre o futuro de Taiwan”.
Apesar dos avisos e recados, o candidato menos
favorecido por Pequim ganhou. Lai e o DPP defendem uma identidade taiwanesa separada da RPC. E,
apesar de garantir que não avançará com declaração de independência
formal, Lai quer aumentar a
presença diplomática internacional da ilha e tornar as relações com os EUA mais
próximas.
Logo que os primeiros resultados começaram a
transparecer no ecrã do DPP, subiu de tom a festa entre os muitos voluntários e
apoiantes, que se desenrolou à volta da sede partidária do DPP, localizada
na apropriadamente denominada Avenida Leste da Paz no Norte, no centro de
Taipé. Para as eleições deste
ano, o DPP usou como motivo de
campanha uma das obsessões taiwanesas, o basebol, herança dos tempos da
ilha como colónia japonesa. Vestidos com casacos de basebol com o verde-escuro,
a cor do partido, com a expressão ‘Equipa Taiwan’ estampada, o
entusiasmo estampava-se nos rostos de vários voluntários e membros do DPP.
Nas celebrações da vitória, um dos elementos mais caraterísticos
das campanhas eleitorais em Taiwan predominou, a música, com concertos de
várias bandas a manter a celebração em alta.
Muitos dos músicos convidados pelo DPP cantaram só em
Hokkien, dialeto da província de Fujian e predominante em Taiwan, usado como contraponto ao mandarim oficial predominante
e como forma de realçar uma identidade taiwanesa única.
Enquanto nos comícios do Partido Nacionalista (KMT)
predominam as bandeiras da RPC, nos eventos do DPP predominavam a bandeiras
verdes do partido com o mapa da ilha em destaque.
Os apoiantes ostentavam não só bandeiras de Taiwan, mas também da Ucrânia e de Israel,
ameaçados por inimigos externos poderosos e vistos por muitos eleitores do
DPP como ‘gémeos’ políticos da ilha. O DPP continuará no centro do poder da ilha, nos próximos quatro
anos, após conquistar o terceiro mandato sem precedentes, na História da
democracia da ilha.
Segundo Chieh-Ting Yeh, fundador do think-tank Global
Taiwan Brief, o governo de Lai
enfrentará, certamente, um ambiente mais difícil, com um parlamento divido
e com a necessidade de “construir confiança e boa vontade com parceiros como os
EUA”. As
relações China-Taiwan não terão mudanças repentinas, no curto prazo, mas a China precisa de perceber que o povo de Taiwan falou e que
terá que lidar com a administração do DPP.
Os eleitores taiwaneses também votaram para escolher
os 113 deputados do parlamento da ilha. E, com os resultados da eleição
legislativa a serem revelados mais tarde, esperava-se a perda da maioria do
DPP, pelo que se verá obrigado a negociar com o KMT e com o TPP, um inesperado
terceiro participante nas eleições.
A candidatura de Ko Wen-je do TPP, focada em atrair
votos de eleitores descontentes com os dois maiores partidos, recebeu 26,45% do
total de votos, ou seja, 3,6 milhões. O TPP parece ter roubado votos, principalmente, ao DPP, graças ao
seu apelo aos eleitores jovens da
ilha, cansados dos partidos dominantes e principais vítimas dos
principais problemas económicos e de habitação atuais da ilha. O KMT e o TPP
têm bases de apoio diferentes. Por enquanto, o KMT ainda representará os
eleitores mais próximos da China e mais céticos dos EUA. Por outro lado, O TPP
conseguiu capturar o voto de protesto, para sobreviver de um eleitorado que
pretende os seus políticos mais focados em resolver os problemas sociais de
Taiwan.
O eleitorado base do KMT consiste, principalmente, em familiares
e descendentes diretos de Chineses que viajaram para Taiwan, depois da derrota
do Kuomingtang, em 1949. Num evento de apoiantes do KMT em Banqiao, um subúrbio de Taipé
com grande comunidade de ‘retornados’ é difícil encontrar alguém com menos de
40 anos. E encontram-se militares e policias reformados, solidários com o
candidato do Kuomingtang, que serviu como polícia durante 35 anos
O ambiente contrasta com o da sede do DPP. Alguns
apoiantes do KMT estão desiludidos com as escolhas dos residentes de Taiwan e
com a direção da Formosa e preocupados com o futuro das novas gerações. E uma
eleitora, vestida de cima abaixo com o
vermelho e azul da bandeira RPC, aponta, descontente, que a eleição acabou e
povo arcará com os resultados.
***
Entretanto,
os EUA jogam com um pau de bois bicos. O presidente norte-americano, Joe Biden,
diz que o país não apoia a independência de Taiwan, após a eleição de Lai
Ching-te, candidato antiPequim, nas eleições presidenciais desta ilha autónoma
reivindicada pela China. “Não apoiamos a independência”, sintetizou Biden aos
jornalistas, à saída da Casa Branca.
Todavia,
em comunicado, o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, felicitou
Lai Ching-te e os Taiwaneses pelo “sólido sistema democrático”. “Os Estados
Unidos felicitam Lai Ching-te pela vitória nas eleições presidenciais de
Taiwan. Felicitamos, igualmente, o povo de Taiwan por ter demonstrado, uma vez
mais, a força do seu sistema democrático e do seu sólido processo eleitoral”,
declarou o secretário de Estado norte-americano.
Washington
não reconhece Taiwan como um Estado e considera a RPC como o único governo
legítimo, mas fornece à ilha ajuda militar substancial. É duplicidade,
hipocrisia, afrontamento à China, capricho, experimentação de material bélico?
Ou será a atitude “nim”, para funcionar, se houver conveniência? Sempre me
habituei a ver a relação diplomática e militar entre Estados, e não de um
Estado com uma entidade que não seja um Estado.
2024.01.13 – Louro de
Carvalho
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