Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano, a 14 de janeiro, em
declarações à margem de uma reunião preparatória do Fórum de Davos, afirmou que
o seu país está entre o caminho de lutar ou o de desaparecer, rejeitando a
possibilidade de um cessar-fogo com Moscovo, pois, alegadamente, “os Russos não
querem a paz”. E advertiu que não vencer não é opção para a Ucrânia, porque
isso seria equivalente a desaparecer.
“Hoje aqui falamos de ordem mundial e de justiça”, referiu, em mensagem
divulgada no canal Telegram, em que
evidenciou as consequências dos recentes ataques massivos de mísseis da Rússia
contra cidades ucranianas e alertou que o simples cessar-fogo não terminaria a
guerra, mas só daria pausa a Moscovo para reforçar as suas forças, uma vez que
só aspira à dominação.
“Definitivamente, não é o caminho para a paz. Os russos não querem a paz. Querem
a dominação. Portanto, a escolha é simples: ou perdemos e desaparecemos, ou
vencemos e continuamos a viver. E estamos a lutar”, disse Yermak citado pela
agência ucraniana Ukrinform.
O chefe de gabinete de Volodymyr Olexandrovytch Zelensky frisou que, nestes quase dois anos de guerra, as
forças ucranianas libertaram mais de 50% do território ocupado pela Rússia e,
com pequenas capacidades navais próprias, destruíram um quinto do potencial da
frota de Moscovo do Mar Negro Russo. “Se o direito internacional e a
integridade territorial da Ucrânia não forem restaurados, qualquer agressor, em
qualquer parte do Mundo, poderá apoderar-se, amanhã, de um pedaço de qualquer país
e realizar eleições falsas”, vincou, sustentando que o único caminho de paz a
seguir é o que leve à garantia da preservação da sobrevivência, da integridade,
da soberania e do desenvolvimento da Ucrânia.
Efetivamente, a guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos
de ambos os lados, mas não teve significativos avanços no teatro de operações,
nos últimos meses, mantendo os dois beligerantes irredutibilidade de posições territoriais
e aversão a cedências negociais.
As últimas semanas foram marcadas por ataques aéreos em grande escala da
Rússia contra as cidades e infraestruturas ucranianas, enquanto as forças de
Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península
da Crimeia ilegalmente anexada em 2014.
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, a fim de,
alegadamente, proteger as minorias separatistas pró-russas no Leste e desnazificar
o país, independente desde 1991, após a desagregação da União Soviética, e que
tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da
Europa e do Ocidente.
Andriy Yermak referiu que a reunião em Davos, abordará cinco dos 10 pontos
da fórmula de paz de Volodymyr Zelensky, “incluindo a retirada das tropas
russas, a restauração da justiça, a segurança ambiental, a prevenção da
recorrência da guerra e a confirmação do fim da guerra”.
***
Com a guerra
num impasse (segundo os observadores), com o enfraquecimento da atenção e do apoio
internacional e com o inverno a agravar as condições de vida, a situação é
grave.
Na frente
militar, a situação é preocupante. Apesar de conquistas táticas, a contraofensiva
esperada não se concretizou. Ao invés, Valerii Zaluzhnyi, comandante-chefe das
forças armadas ucranianas fala em impasse; a opinião pública acusa esgotamento
emergente; a comunidade mundial está indiferente, os pacotes de ajuda parados,
o transporte por camiões bloqueado; e mísseis russos atacam as infraestruturas
energéticas.
Politicamente,
a situação é periclitante. A opinião dominante mistura chauvinismo linguístico
e neoliberalismo desenfreado. O efeito “todos pela bandeira” diminui, mas
persiste: o presidente, o exército e os voluntários gozam de alto nível de
confiança; e a maioria da população não quer eleições, baseada nos custos, nas
limitações da lei marcial, na falta de segurança e na incapacidade de votar parte
significativa dos Ucranianos.
Porém, a
adesão à causa da guerra é diferente. No início, cidadãos de todos os estratos
sociais faziam fila em frente dos centros de recrutamento, mas já não é assim.
O grande instrumento de recrutamento militar é a mobilização, com todos os
seus problemas. De facto, para que as pessoas arrisquem as suas vidas, têm de
ter a certeza de que isso é justo e de que elas ou as famílias serão protegidas,
se acontecer alguma desgraça. E é preciso oferecer-lhes a possibilidade de
participarem na definição do futuro do país.
Estar ao
lado da Ucrânia (ou contra) nem sempre é apelativo. Responsáveis públicos
utilizam o medo e incrementam o ódio; lobistas corporativos sonham com a destruição de
todo o social; aspirantes a neofeudais anseiam manter a fronteiras fechadas, para
os servos não escaparem; xenófobos da classe média apelam à privação do
direito de voto dos residentes nos territórios ocupados; e o próprio Zelenski apoiou
inequivocamente a potência ocupante de Israel, como se esquecesse que o
seu país está a sofrer com as pretensões pseudo-históricas do vizinho.
Entretanto,
os agricultores de Kherson cultivam o solo cheio de minas; os condutores de
comboios de Kiev entregam abastecimentos vitais em comboios em mau estado; enfermeiras
mal pagas de Lviv cuidam de doentes e de feridos; os mineiros de língua russa
de Kryvyi Rih lutam para proteger a terra natal; os trabalhadores da construção
civil de Mykolaiv limpam os escombros perigosos para construir de novo, mas
lutam para alimentar as famílias.
Apesar de o
apoio internacional político e militar estar em falência (não se esperava que a
guerra durasse tanto), há inúmeras iniciativas de apoio cívico à Ucrânia, tal
como as críticas aos países que dão apoio militar e logístico a uma guerra que
alguns dizem de procuração.
Não se duvida da dependência
da Ucrânia do apoio externo. Ninguém quer que os seus impostos acabem em conta
bancária suíça, em vez de servirem os necessitados. Por isso, é lógico exercer
pressão para incluir cláusulas sociais nas condições de ajuda e nos contratos
públicos e denunciar as práticas desleais. Assim, a ajuda à reconstrução futura
deve ser acompanhada de emprego verde e protegido, de salário digno, de controlo
sindical, de responsabilidade do empregador e de ambiente de trabalho saudável
e seguro.
A dívida
externa ultrapassa os 93 mil milhões de dólares. Ao longo dos anos, a contração
de empréstimos foi saída fácil para os governos evitarem questionar o status quo e interferirem com os
oligarcas. Os empréstimos recentes têm requisitos rigorosos para contrariar a
captura do Estado. Mas o montante da dívida pendente é pretexto para justificar
a austeridade e reproduz a dependência, sendo
financiada a reconstrução por novos empréstimos. O que se ganha gasta-se no
reembolso. É de questionar se é justo as pessoas das terras devastadas pagarem
por decisões erradas da classe dominante. E é de recordar a principal lição do
sucesso do Plano Marshall: os países devastados pela guerra precisam de
subsídios, não de empréstimos.
Também é
dedafio a resolução do desafio demográfico, após a guerra, e a reintegração do
Donbass e da Crimeia. Não são as fronteiras fechadas, não é a propaganda, mas
salários decentes, habitação acessível e segurança social que podem convencer
as pessoas a ficar ou a regressar. Não é a moralização arrogante, os testes de
idoneidade ou os campos de reeducação, mas o respeito mútuo, o reconhecimento
da dignidade humana e a responsabilidade partilhada pela reconstrução que permitem
a reconciliação.
Há muito tempo
que os Ucranianos estão desiludidos com os governantes e, muitas vezes, não têm
qualquer influência sobre eles. Por isso, não é de admirar que haja uma
maior confiança no envolvimento internacional. Os movimentos populares de todo
o Mundo acumularam enorme experiência política que pode ser partilhada. Contudo,
o dito Ocidente, que decretou sanções económicas a Russos e à Rússia e, em nome
do direito à defesa e dos valores personalistas ocidentais, apoiou a Ucrânia,
incondicionalmente, com armas, com formação militar e com combatentes, parece
estar a desistir. A convicção esvaziou-se e a coerência instalou-se.
O direito de
se defender não tem sentido sem meios de luta. Por isso, entram em contradição
os que, agora, recusam o fornecimento de armas, o que significa ameaça à
sobrevivência da Ucrânia como país. E é de não esquecer que disponibilidade e utilização
de armas são diferentes. Assim, ainda que a guerra termine na mesa de
negociações, ter armas não deixará a Ucrânia à mercê da Rússia, nem a Ucrânia
ficará indefesa, se Putin violar as tréguas.
Atualmente,
não há condições prévias para solução rápida. O exército russo não controla
totalmente nenhuma das regiões que ocupou, com exceção da Crimeia. Porém, todas
são mencionadas na Constituição russa como parte inalienável da Rússia. Também
a Ucrânia está vinculada pela Constituição. Curvar-se traz o risco de sérios
problemas internos. E, se nenhuma força prevalecer, haverá o risco de conflito
prolongado, com mais destruição e menos esperança de recuperação. O melhor
debate seria o da segurança de vidas civis, a integração de refugiados e a redução
das consequências para o Mundo, por exemplo, estabelecer zonas
desmilitarizadas da Organização das Nações Unidas (ONU) nas centrais nucleares.
A melhor
garantia de paz será a Rússia democrática. Embora o imperialismo russo seja
mais fraco do que os seus rivais, desafiar a hegemonia dos Estados Unidos da
América (EUA) não o torna mais progressista, nem mal menor para os que vivem ao
seu lado. Mesmo antes da viragem da Rússia para o expansionismo, a vida na
Ucrânia era marcada pela sua constante interferência na vida política e
económica, pela sua luta pelo domínio cultural e pela sua projeção de poder
militar, nomeadamente através da instalação de bases militares na Crimeia.
A esperança
sempre foi a de que forçar a Rússia a retirar desencadeasse uma mudança
interna. É por isso que a Ucrânia continua a luta, o que tem custos: acima de
tudo, o número de mortos e de feridos. A questão é saber por quanto tempo a
sociedade ucraniana pode suportar tal sacrifício e quais serão as consequências.
As partes
podem decidir explorar a possibilidade de armistício. Mas é de ter em conta que
a Ucrânia é um Estado mais fraco, devastado pela guerra e com graves problemas
demográficos. O maior receio em relação a um cessar-fogo é acabar esquecida. É
por isso que os Ucranianos querem aderir à Organização do Tratado do Atlântico
Norte (NATO), como dissuasão e como garantia de paz. Com efeito, se a
legitimidade das “esferas de influência” for reconhecida, os Estados mais
pequenos terão de aderir a um dos blocos; se as potências nucleares puderem
ditar a sua vontade, ninguém escolherá o desarmamento; se a dependência dos
combustíveis fósseis permitir que autocratas façam chantagem com o Mundo, pouco
ficará da democracia; se a Ucrânia cair, nada impede patrões criminosos e redes
mafiosas do país de se aproveitarem de milhões de pessoas traumatizadas e
despossuídas; enfim, se acontecer o pior, será mais um prego no caixão da paz
global, contribuindo para a crescente instabilidade.
***
Entretanto,
o presidente ucraniano afirmou, a 14 de janeiro, que espera chegar a acordos bilaterais de segurança com outros países, à semelhança do
que foi assinado, no dia 12, com o Reino Unido, que visa o
compromisso de outros Estados a ajudar rapidamente a Ucrânia, se esta voltar a
ser atacada pela Rússia, após o fim da guerra em curso.
Por outro lado, como avançou, no dia 13, no comunicado diário sobre a guerra, o Ministério da Defesa russo,
as Forças Armadas russas lançaram, na frente de combate, ataque combinado com
mísseis navais e aéreos, incluindo mísseis hipersónicos Kinzhal, e drones
contra alvos da indústria militar ucraniana. De acordo com a tutela, os alvos
eram “fábricas de produção de
projéteis de 155, 152 e 125 milímetros, pólvora e drones”, tendo sido
atingidos todos os alvos.
***
A guerra continua e ninguém ouve o Papa clamar: “A guerra é crime
contra a Humanidade!”
2024.01.14
– Louro de Carvalho
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