O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a agência da Organização
das Nações Unidas (ONU) responsável por fornecer recursos humanitários e de
desenvolvimento a crianças em todo o Mundo, revela que mais de 100 mil crianças afegãs precisam de apoio
urgente.
Um terramoto de magnitude 6,3 na escala de Richter abalou a província de
Herat, a 7 de outubro de 2023, e um segundo terramoto, também forte, atingiu a
mesma província, a 11 de outubro (já há mais de três meses), matando mais de
mil pessoas.
A maioria dos mortos nos sismos nos distritos de Zinda Jan e Injil, que
ocorreram nessas datas, naquela província, eram mulheres e crianças. E ficaram
ali 21 mil casas destruídas.
“A atmosfera nestas aldeias está repleta de sofrimento, mesmo 100 dias após
os terramotos no Oeste do Afeganistão, quando as famílias perderam
absolutamente tudo”, vincou Fran Equiza, representante da UNICEF no
Afeganistão, frisando que as escolas e os centros de saúde, de que as crianças
dependem, estão irreparavelmente danificados ou completamente destruídos.
“As crianças ainda estão a tentar lidar com a perda e o trauma”, disse, recordando
que o inverno está a dificultar a recuperação. Com efeito, “o inverno tomou
conta e as temperaturas ficam abaixo de zero. Crianças e famílias sem casa
vivem em condições de risco de vida à noite, sem forma de aquecer os seus
abrigos temporários, segundo Fran Equiza.
A falta de investimento dos Talibãs no serviço público levou à deterioração
dos serviços básicos, e as comunidades vulneráveis têm dificuldade em recuperar
do choque e em criar resiliência.
A UNICEF precisa urgentemente de 1,4 mil milhões de dólares, em 2024, para
satisfazer as necessidades humanitárias e básicas de 19,4 milhões de Afegãos,
metade da população.
“Estamos gratos aos nossos parceiros doadores que mobilizaram recursos
rapidamente, permitindo que a UNICEF respondesse, em poucos dias, às
necessidades urgentes das crianças e das suas famílias em Herat”, disse Equiza,
mas sem esconder a necessidade de mais ajuda, para garantir que as crianças
sobrevivem ao inverno e terão “a oportunidade de prosperar nos próximos meses e
anos”.
Por sua vez, Daniel Timme, chefe de comunicações da UNICEF no Afeganistão,
disse que escolas, casas, instalações de saúde e sistemas de água foram
destruídos. “Temos dinheiro, mas não é suficiente. Estas comunidades precisam
de ser independentes, novamente. Não basta apagar o fogo. Precisamos torná-lo [Afeganistão]
mais resiliente”, acentuou Timme.
Para todo o Afeganistão, a UNICEF afirmou que 23,3 milhões de pessoas,
incluindo 12,6 milhões de crianças, necessitam de assistência humanitária, em
2024.
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Todos os anos, os desastres
naturais causados por sismos ou por calor extremo, secas, tempestades e cheias matam
milhares de pessoas no Mundo. Em 2023, o pior desastre foi o sismo na Turquia e
na Síria, a 6 de fevereiro, onde morreram 55 mil pessoas. Meses depois, em
setembro e outubro, os terramotos em Marrocos e no Afeganistão fizeram mais cinco
mil vítimas. A par dos grandes desastres sísmicos estão as inundações no Congo,
que mataram mais de três mil pessoas. E, nas cheias na Líbia, em setembro,
contavam-se, em novembro, pelo menos quatro mil mortes, podendo o número aproximar-se
das 11 mil, tendo em conta os milhares de pessoas desaparecidas.
O número total de vítimas de desastres naturais no Mundo, nos primeiros 10
meses de 2023, supera as 70 mil, não muito distante das 76 mil registadas em
todo o ano de 2022. Os dados são da base de dados internacional sobre
emergências, a EM-DAT, gerida pelo Centro de Investigação em Epidemiologia dos
Desastres da Universidade de Lovaina (Bélgica) que, sem contar as vítimas das
cheias na Líbia, contabilizava 67 mil vítimas. Em todo o caso, o número de
vítimas de desastres naturais, tanto em 2022 como em 2023, aumentou muito, face
aos últimos anos e ultrapassa a média anual das duas décadas anteriores (61 mil),
embora fique aquém dos anos trágicos de 2004, pelo tsunami no Sudeste asiático,
e de 2010, pelo sismo no Haiti.
A principal razão da mortalidade, em 2022, são os eventos climáticos
extremos, sobretudo as ondas de calor, na Europa, e o impacto da seca, no
Uganda. Nesse ano, as temperaturas elevadas mataram 62 mil pessoas, em 26
países europeus, incluindo 18 mil, em Itália, 11 mil, em Espanha, e 2.200, em
Portugal. No Uganda, a seca matou mais de duas mil pessoas – muitas delas à
fome. O responsável de um dos distritos mais afetados descreveu à Reuters o cenário: “idosos, mulheres a
amamentar e crianças estão a morrer silenciosamente em casa. Simplesmente,
sucumbem à fome.” Às temperaturas extremas juntaram-se, no verão de 2022, as
cheias na Índia e no Paquistão, que fizeram quase quatro mil mortos.
Em 2023, foram os sismos e as cheias a explicar o elevado número de
vítimas. Como referiu Damien Delforge, investigador do centro que gere a base
de dados EM-DAT, a principal razão foi o sismo na Turquia. Contudo, as chuvas
torrenciais na Líbia, a 10 de setembro, que atingiram níveis recorde, engrossam
a mortalidade do ano. A massa de água gerada pelo colapso de duas barragens
antigas, equivalente a uma onda de sete metros, engoliu a cidade costeira de
Derna.
O ocorrido na Líbia é um dos desastres naturais referidos num estudo
recente da World Weather Attribution (WWA), que estuda a influência das
alterações climáticas na ocorrência de eventos extremos, com os cientistas a
concluir que o aquecimento global torna 50 vezes mais provável a existência de
precipitações extremas como aquela e a lembrar fatores humanos envolvidos (como
a falta de manutenção das barragens ou a desflorestação), a potenciar o impacto
destes fenómenos.
“As alterações climáticas causadas pelo homem, principalmente devido ao uso
de combustíveis fósseis, estão a tornar os fenómenos meteorológicos extremos
mais frequentes e mais intensos em todo o Mundo. Para impedir que se tornem
ainda mais mortais e destrutivos, precisamos de parar de queimar combustíveis
fósseis o mais rapidamente possível”, diz Friederike Otto, coautora do estudo e
professora de Ciência Climática no Grantham Institute do Imperial College
London.
Todavia, como isto levará tempo, precisamos de nos adaptar a condições
meteorológicas extremas e de tomar medidas diferentes (as adequadas) para diferentes
extremos climáticos.
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Na base de dados mundial sobre desastres, Portugal surge 42 vezes, em 20
anos. Nem de todos os eventos resultaram mortes, mas, no total, contam-se 5.600
vítimas, quase todas (93%) devido a ondas de calor, sobretudo em 2003 e 2022.
Entre os eventos marcantes estão os incêndios de 2017, a tragédia da ponte Entre-os-Rios
(março de 2001) e as cheias no Funchal (fevereiro de 2010). Já em 2023, embora
sem mortes, é referido o incêndio de Odemira, que durou cinco dias, fez 45
feridos e queimou 8.500 hectares.
Carlos da Câmara, climatologista e investigador do Instituto Dom Luiz,
sustenta que Portugal e a Espanha são “um hotspot” para fenómenos extremos,
sendo os eventos raros mais frequentes, intensos e extensos, do que são
exemplos os verões de 2022 e de 2023. “Estatisticamente, um evento parecido com
as cheias de outubro de 2022 torna-se mais habitual e frequente num cenário de
alterações climáticas. Os furacões são outro exemplo: o primeiro que veio
‘morrer’ na Península Ibérica foi por volta de 2005. Era um caso nunca visto,
mas desde então tornaram-se mais frequentes, nas nossas latitudes, e isso
deve-se ao aumento da temperatura dos oceanos.”
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Um estudo científico publicado em outubro de 2023 conclui que a
probabilidade de um furacão do Atlântico tornar-se mais perigoso em menos de um
dia duplicou nas últimas décadas.
Também Friederike Otto refere que algumas partes do Mediterrâneo e do Sul
da Europa “estão a aquecer quase duas vezes mais rapidamente” do que a média. Ondas
de calor mortais, incêndios devastadores e inundações extremas constituem uma vasta
gama de riscos avolumada pelas alterações climáticas está a afetar a Europa.
Já, quanto aos sismos, que resultam do movimento de placas tectónicas, não
de alterações climáticas, não há evidência de que, nos anos recentes, haja
aumento da magnitude. Há anos com mais sismos e outros com menos. “É um
totoloto”, diz Luís Matias, especialista em sismos e professor na Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Quanto ao crescente impacto nas
populações, ou seja, os sismos matarem mais pessoas, sustenta que está
relacionado com o aumento da densidade populacional e com a tendência crescente
de construir cada vez mais em zonas de maior risco. “Não são os sismos em si
que matam, são os edifícios e a qualidade da construção”, vinca, lembrando
estar ao alcance dos governos fiscalizar regras já existentes para a construção
e lançar campanhas para reforçar as estruturas de edifícios mais antigos.
A base de dados mundial mostra que os terramotos tendem a ser os eventos
com maior número de vítimas. No Haiti, em 2010, morreram 230 mil pessoas. E o
tsunami subsequente ao sismo no Sudeste asiático, em 2004, fez 166 mil mortes,
na Indonésia, 35 mil, no Sri Lanka, 16 mil, na Índia, e 2.700, na Tailândia. Só
em 2023, até fim de outubro, morreram 59 mil pessoas em sismos, a grande parte
no da Turquia e Síria.
A intensidade crescente dos eventos climáticos faz escalar os custos
económicos. Por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), bastaram os
primeiros oito meses de 2023 para ser batido o recorde absoluto de prejuízos, em
resultado de 23 desastres, ultrapassando os mil milhões de dólares. Os
incêndios de agosto no Havai, que mataram 115 pessoas, fazem parte da lista,
mas de fora ficam, por exemplo, as cheias em Nova Iorque, de setembro. Em todo
o Mundo, os eventos naturais extremos atribuídos às alterações climáticas terão
custado, em média, 136 milhões de euros, por ano, nas últimas duas décadas. São
260 mil euros, por minuto, quase dois terços devido à perda de vidas, segundo
um estudo publicado na “Nature”. Segundo a Organização Mundial de Meteorologia,
estes custos são sete vezes mais altos do que há 50 anos. Pela maior gravidade
destes eventos, a ONU vem urgindo a neutralidade carbónica e, pelo meio, a
mitigação dos efeitos dos desastres. Para tanto, quer que, até ao fim de 2027,
todos os países tenham sistemas de alerta precoce para eventos extremos, pois
um aviso com 24 horas de antecedência para o risco de cheias ou de incêndio
reduzirá os prejuízos em 30%. Nos países que têm estes sistemas a taxa de
mortalidade em desastres é oito vezes mais baixa.
Em Portugal, os incêndios de 2017 tornaram óbvia a necessidade de criar um
sistema direto de avisos à população. A Comissão Técnica Independente (CTI) sugeriu
a criação de “sistemas rápidos de alerta” e, a partir de 2018, são enviados SMS
a quem se encontre em áreas geográficas suscetíveis de acidente grave ou de
catástrofe, incluindo incêndios, sismos, tsunamis, secas, cheias e emergências
radiológicas. Além disso, está a ser desenvolvido um sistema de alerta precoce
de sismos e tsunamis, através de sensores instalados nos cabos submarinos de
telecomunicações entre o Continente, os Açores e a Madeira.
Só neste ano será possível ter o retrato completo do impacto dos desastres
naturais em 2023. Mas, nos dois últimos anos, os efeitos das alterações climáticas
tornaram-se mais óbvios no Mundo.
“O colapso climático já começou”, alertou António Guterres, secretário-geral
da ONU, em setembro de 2023, que foi o mais quente de sempre. Friederike Otto
avisa que as condições meteorológicas extremas intensificar-se-ão, até as
emissões de gases com efeito de estufa serem reduzidas a zero. A vulnerabilidade
transforma um evento climático num desastre humano. E as sociedades estão altamente
vulneráveis a condições meteorológicas extremas.
***
Importa que os decisores políticos avisem as populações, invistam com sabedoria
e rigor nas infraestruturas públicas, promovam a conveniente fiscalização nas construções
civis e penalizem todos os cidadãos e grupos empresariais que explorem
indevidamente os recursos naturais (agricultura, floresta e indústria extrativa),
a ponto de destruírem o planeta ou desequilibrarem os ecossistemas. Por outro
lado, urge a criação de forte consciência cívica em todos os cidadãos, de modo
que tratem o planeta de forma adequada.
2024.01.16 – Louro de Carvalho
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