A 14 de
janeiro, a culminar a celebração dos
30 anos da Rádio Renascença (RR) e quando várias publicações
anunciaram o fim da edição em papel e algumas empresas de comunicação social
correm o risco de desaparecer ou de se descaraterizar, a RR e a agência Ecclesia
publicaram uma entrevista com Paulo Ribeiro, presidente da Associação de
Imprensa de Inspiração Cristã (AIIC), cuja visão pode ser um contributo para o
debate sobre a matéria.
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Considera que
é complexo o problema da tendência do fenómeno que pode levar ao fim da edição
em papel, problema para o qual a resposta é simples, em sua opinião.
Mencionando
a asserção do diretor de jornal associado da AIIC de que “estamos a viver a tempestade perfeita, para tudo o que de
mau que podia acontecer ao ecossistema da comunicação social, nomeadamente a
imprensa”, sustenta que “são os leitores” quem suporta o jornal (assinatura e
venda em banca) e “a publicidade”. A publicidade “caiu drasticamente” porque houve, com mais assertividade, nos
últimos anos, “desvio do investimento publicitário para outros canais
alternativos da comunicação social, nomeadamente ao nível do digital e dos
grandes aglomerados de produção digital, como o Google, o Facebook, o Instagram”.
Também o Estado deixou de investir na imprensa. Os jornais
tinham suplementos de publicidade obrigatória, que cessou com o advento da
digitalização, “outro rombo financeiro”. E surgiu a “quebra nos hábitos de
consumo de informação”, em ternos convencionais, com o recurso ao computador,
ao telemóvel e a outros meios de transporte e uso fáceis, que disponibilizam
informação, muitas vezes, inteiramente grátis.
Íamos à banca comprar o jornal ou fazíamos a
assinatura; agora, há um modo diferente do acesso à informação, cuja
responsabilidade também é editores que disponibilizam, gratuitamente, a
informação, que tem custos, pois é produzida por pessoas. E o público consome grátis
informação jornalística. Portanto, o entrevistado, vincando que “todo este
ecossistema foi profundamente alterado e isto está estudado”, reconhece o papel
da academia portuguesa que tem feito “um trabalho consistente de estudo das
causas que levaram a este cenário […], que estamos a enfrentar, com o maior dramatismo
natural com a crise na global media”.
Admite que será fatal “o fim da edição em papel da maioria das publicações” ou de quase todas,
se não se inverte a situação. E pensa que pode ser invertida,
parcialmente, a situação, se houver (o que a AIIC vem defendendo, há vários
anos) uma política do Estado de “combate à iliteracia”, isto é, se houver
medidas que outras democracias avançadas, nomeadamente na geografia europeia,
estão a implementar, já há algum tempo, com sucesso, como o incentivo ao
consumo de informação jornalística, produzida, tanto em papel, como pela via
digital. Aí, o Estado tem papel relevante, promovendo um pacto de regime, como
defendia o Presidente da República, já antes da pandemia, com iniciativas nesse
sentido. O Estado e os agentes políticos devem decidir se querem uma
comunicação social plural em todo o território.
Tem a sensação de que “há um querer envergonhado”, sem
ousadia, sem assertividade. Os dirigentes associativos são recebidos pelos
grupos parlamentares na Assembleia da República (AR), onde estão os eleitos que
representam todos os Portugueses, e ouvem palavras de muita simpatia, com
exceção de um partido que “confere ao mercado a regulação”, ou seja, que
defende “ser o mercado a decidir se, de facto, deve haver ou não deve haver
[empresas de comunicação social]” ou “se os jornais devem morrer”. Porém, “a
grande maioria dos partidos concorda que deve haver uma democracia plural, com
órgãos jornalísticos saudáveis que tenham jornalistas a trabalhar com
independência em prol da verdade informativa”.
Para tanto, são necessárias
medidas. Segundo a AIIC, “é
fundamental o combate à iliteracia”, de modo que a população perceba a importância
de um “órgão jornalístico no seu território”.
A Universidade da Beira Interior (UBI) fez um estudo
sobre o deserto de notícias, a exemplo do que se fez, por exemplo, nos Estados
Unidos da América (EUA) e no Brasil, e viu que “25% de Portugal não tem um
órgão de informação jornalístico”. Daí resulta que os poderes públicos locais
não são escrutinados, as populações não têm acesso a um meio de comunicação
social jornalística a que recorram para fazerem ouvir as suas vozes. Ora, “tem
de ser com medidas que prevaleçam, que defendam esta comunicação social”, a
exemplo da nacional, para que haja coesão. E Paulo Ribeiro reconhece que, nesse
aspeto, “o novo conceito regulador está mais recetivo a esta preocupação do que
os anteriores”, concordando que “o acesso à informação está condicionado” e que
muitos Portugueses não têm o acesso a ela.
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Da crise do Global Media Group
(GMG) diz que “andou camuflada” com “novos
acionistas a entrar e a sair, e a pôr dinheiro e a sair”. A situação, de que já
se sabia, há muito (as contas estão no portal da transparência, da ERC – Entidade
Reguladora da Comunicação Social), é “muito nebulosa” e é importante “saber a
sua origem”. Sabia-se, há muito tempo, que o GMG (Diário Notícias, Jornal de
Notícias, O Jogo e TSF) já estava com dificuldades, pelo
que “não é surpresa, para os mais entendidos que acompanham este setor, o que
está a acontecer”.
Há grupos económicos que assumem prejuízos, no final
do ano, como sendo algo pensado e que os acionistas consideram valer a pena. É caso
do Público, da Sonae, que nunca deu
lucro, mas em que o acionista investe, para um projeto digno de jornalismo, considerando
o editor que “é importante para o seu portfólio da empresa que tenha um título
com credibilidade”, mesmo com prejuízo. “É uma forma de sustentar a comunicação
social”, defende Paulo Ribeiro, sugerindo que o legislador, “se considera que a
comunicação social jornalística é importante para a salvaguarda da democracia
portuguesa e para a integridade e coesão territorial”, crie medidas que
fomentem o surgimento de novos operadores, novos operadores, tendo os editores meios.
Corre-se o risco de
concentração demasiada em determinados poucos grupos. E, neste aspeto, o
entrevistado aponta o dedo ao atual Ministro da Cultura por nada ter feito pela
comunicação social, talvez porque,
aquando da compra da publicidade institucional, na pandemia, a medida terá sido
mal gerida do ponto de vista político, de modo que os outros partidos “consideraram
que a comunicação social foi comprada”, para efeitos pelíticos, o que não
é verdade. Foi publicidade alocada e que “as associações distribuíram pelos
órgãos de comunicação social”, tal como sucedeu com a publicidade sobre medidas
dos fogos florestais, por exemplo.
A criação de desconfianças leva a “nada se fazer”. Ora, a
RTP, a Lusa, a Antena 1, são
suportadas pelo dinheiro dos contribuintes, mas ninguém diz, com seriedade, que
os jornalistas que trabalham nesses órgãos são condicionados pelo poder
político. Portanto, diz o entrevistado, há formas de, como sucede noutras
democracias, “o Estado poder inverter a situação”, sem intervir diretamente.
Acha que o caso GMG, além dos
postos de trabalho em risco, mostra importantes alertas sobre “a necessidade de
uma informação plural”, para assegurar a manutenção e o reforço da democracia,
do escrutínio democrático. Revela que “esta
crise é a ponta do icebergue”, ou seja, “nós já estamos com 25% do território
nacional sem escrutínio jornalístico”. Passou-se de uma situação nos anos 90 e
nos primeiros de 2000, em que “todo o território nacional tinha mais
jornalistas do que profissionais de comunicação nos municípios”, para “um
paradigma totalmente oposto”. Há municípios que têm “uma máquina de propaganda
nos seus territórios, com técnicos, com investimento pesado, a passar
propaganda”, feita pelos poderes autárquicos, e em contraponto, não têm
jornalistas, para avaliar o trabalho, de forma isenta, de acordo com o código
deontológico e com o estatuto dos jornalistas.
Sobre o risco de
desaparecer o último grande diário do Norte, refere que trabalhou, como colaborador, para o Jornal de Notícias, durante 17 anos, e
nove, para o Diário de Notícias. Confessa
que sempre teve uma relação de proximidade, de respeito e de camaradagem com
todos os que ali trabalharam, bem como a liberdade de reportar o que se passava
na sua região e até em termos nacionais e internacionais, quando tal se
proporcionava. E considera que, se estes dois diários desaparecerem, Portugal
fica muito mais pobre no escrutínio democrático.
Sublinha que isto está a
acontecer num ano de vários atos eleitorais, nos 50 anos do 25 de Abril, o que
merecia uma comunicação social forte, e não em definhamento.
É pena, porque “há uma fatia da população” que não
considera isso “importante”, pois, como acede à informação no telemóvel, “julga
que a informação que circula é informação credível”. Ora, por esse processo, há
informação abundante, mas não editada, o que pode levar a que se esteja a
“cultivar um povo”, de uma forma, cada vez mais, com muita informação, mas em
que “as pessoas nunca souberam tão pouco”. Isto, porque se perdeu a ideia de
mediação.
E fazer a triagem e o doseamento da informação é o “papel
fundamental de um jornalista”, a “obrigação legal e ética que um jornalista tem”.
E, desaparecendo esta função de mediador, temos o resultado que há noutros
países.
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No atinente à imprensa
regional e à imprensa de inspiração cristã, aponta que procuram fazer a transição para o digital, com “produtos
muito competitivos, com muita qualidade”, não ficando atrás de nenhum país mais
avançado na área. A questão é a sustentabilidade. O digital não representa uma
fonte de receita como o papel. Ainda é o papel que “paga as contas”, afirma,
vincando: Queremos investir, queremos que haja mais publicidade no digital, mas
ainda é a publicidade em papel que vai suportando, na medida das
possibilidades, os projetos.”
Ainda no âmbito das novas tecnologias,
questionado sobre a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações
Sociais, apelando a uma reflexão sobre a inteligência artificial (IA), o
presidente da AIIC diz que “é um problema
fundamental”, pois a IA vai ser uma ferramenta” (já é utilizada) que pode
esbarrar com os critérios éticos, deontológicos, do jornalismo. Ora, “nada
substitui o contacto pessoal, nada substitui o jornalista no terreno, junto da
sua comunidade” e não há IA que substitua o trabalho de proximidade. Portanto, deve
haver um conjunto de ferramentas que permita a todo o território nacional ter
jornalistas e jornalismo. E o entrevistado acusa os responsáveis políticos de
não mexerem na comunicação, para não serem acusados de a condicionar.
Por fim, questionado sobre o
modo como a Igreja comunica, defende que “a Igreja
comunica a várias vozes”, o que é bom, mas nem sempre há “coerência
comunicativa”, sobretudo quando se esquece o contributo que pode dar, na
renovação do setor, a AIIC, que reúne cerca de 180 meios de todo o país.
Contudo, tem esperança de que as palavras do Papa se traduzam no terreno, com “maior
assertividade”.
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O referido estudo da UBI mostra o estado do deserto
jornalístico no país, por distritos e concelhos, salientando a sua acuidade no
Interior. Sustenta que o cenário de crise se agravou a partir de 2020, com a
covid-19, pela aceleração das relações digitais com as restrições de circulação
de pessoas nas ruas, favorecendo o trabalho digital e remoto. Foram os pequenos meios de comunicação os mais afetados
nas grandes crises económicas e, no caso dos europeus, muitos perderam a
capacidade de sustentação, depois de 2011. Apesar da situação financeira dos
media locais, o estudo Digital News
Report Portugal 2022 revela que as notícias locais estão entre os três
géneros noticiosos que mais interessam aos Portugueses que utilizam a Internet, como referem 53,9% dos
inquiridos, atrás do género internacional (55,6%) e as notícias sobre o
coronavírus (55,2%).
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É, pois, de investir na comunicação plural e de proximidade,
em todo o território. A promoção da literacia deve ser a prioridade cidadã dos
decisores e dos intervenientes na sociedade.
2024.01.19 – Louro de Carvalho
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