Desde 19 de novembro de 2023, os Houthis, aliados do Hamas e considerados
peões do Irão no xadrez do Médio Oriente, alegando ter
em vista parar a agressão de Telavive, lançaram 27 ataques com drones e mísseis
contra navios comerciais, em retaliação pela guerra de Israel contra o Hamas,
em Gaza, tendo como alvo navios com ligação a Israel.
Em resposta concertada, na madrugada de 12 de janeiro,
forças norte-americanas e britânicas bombardearam vários locais usados pelos Houthis
no Iémen, usando mísseis Tomahawk e jatos de combate lançados por navios de
guerra e submarinos.
O comando da Força Aérea dos Estados Unidos da América
(EUA) no Médio Oriente diz ter atingido mais de 60 alvos em 16 locais,
incluindo “bases de comando e controlo, depósitos de munições, sistemas de
lançamento, instalações de produção e sistemas de radar de defesa aérea”.
Segundo o canal de televisão Houthi Al-Massirah, os bombardeamentos atingiram Sanaa, capital do
Iémen, e outras cidades controladas pelos rebeldes, como Hodeida e Saada.
Os EUA, o Reino Unido e outros oito países
justificaram os ataques com a necessidade de proteger a liberdade de navegação
no Mar Vermelho, após as ofensivas dos rebeldes.
Em declaração conjunta, os países signatários (EUA,
Reino Unido, Austrália, Bahrein, Canadá, Países Baixos, Dinamarca, Alemanha,
Nova Zelândia e Coreia do Sul), vincaram que o objetivo continua a ser “reduzir
as tensões e restaurar a estabilidade no Mar Vermelho”. “Não hesitaremos em
defender vidas e proteger o livre fluxo do comércio numa das rotas marítimas
mais críticas do Mundo, face às ameaças contínuas. As ações de hoje demonstram
um compromisso comum com a liberdade de navegação, o comércio internacional e a
defesa da vida dos marinheiros face a ataques ilegais e injustificáveis”,
garantiram.
Como referiu
agência de notícias espanhola Efe, os
rebeldes tinham assegurado, no dia 11, que qualquer ataque das forças
americanas no Iémen desencadearia resposta militar feroz. E, em retaliação, os
Houthis lançaram mísseis de cruzeiro e balísticos contra navios de guerra
norte-americanos e britânicos no mar Vermelho.
Este ataque militar coordenado ocorreu uma semana
depois de a Casa Branca e de vários parceiros terem emitido um aviso final aos
Houthis para cessarem os ataques, sob pena de enfrentarem potencial ação
militar. E o aviso parece ter tido um impacto de curta duração, já que os
ataques pararam durante vários dias. Porém, no dia 9, os insurgentes dispararam
a sua maior vaga de drones e mísseis no Mar Vermelho, com navios
norte-americanos e britânicos e caças norte-americanos a responderem e a
abaterem 18 drones, dois mísseis de cruzeiro e um míssil antinavio.
Face a estes ataques e retaliações no Mar Vermelho, as
principais companhias marítimas continuam a ajustar as rotas para evitar
transitar por este trajeto, pelo qual transita quase 15% do comércio marítimo
global, incluindo 8% do comércio mundial de cereais, 12% do comércio
petrolífero e 8% do comércio mundial de gás natural liquefeito.
Mais de 20 nações já participam numa missão marítima
liderada pelos EUA para aumentar a proteção dos navios no Mar Vermelho.
Assim, a diplomacia saudita recordou que a liberdade
de navegação é exigência internacional, porque a sua ausência ou a sua
limitação prejudicam “os interesses do Mundo inteiro”.
O Irão advertiu que estes “ataques arbitrários” podem
agravar a instabilidade no Médio Oriente: “Não terão outro resultado senão
alimentar a insegurança e a instabilidade na região”, disse Naser Kanani,
porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, dizendo tratar-se
de “clara violação da soberania e integridade territorial do Iémen e de
violação do direito internacional”.
O Hamas condenou “veementemente a agressão flagrante
dos EUA e do Reino Unido ao Iémen”: “Consideramo-los responsáveis pelas
repercussões na segurança regional”. Sami Abu Zuhri, um dos dirigentes do
grupo, descreveu os bombardeamentos como “provocação a toda a nação, que indica
a decisão de expandir a área de conflito para fora de Gaza”.
O Hezbollah, movimento libanês xiita pró-iraniano,
acusou os EUA de serem “parceiros de pleno direito” nos “massacres” cometidos
por Israel, em Gaza e na Cisjordânia, e vincou a solidariedade com os rebeldes
do Iémen. “Esta agressão não os enfraquecerá, mas aumentará a sua força,
determinação e coragem para enfrentá-los, defender-se e continuar o seu caminho
em apoio ao povo palestiniano”, assegurou a milícia.
A Arábia Saudita, um dos principais aliados dos EUA no
Médio Oriente, apelou à necessidade de “contenção e de evitar a escalada” das
tensões. O Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita disse que “acompanha
com grande preocupação as operações militares que ocorrem na região do Mar
Vermelho e os ataques aéreos contra vários locais da República do Iémen”.
A China mostrou-se “preocupada com a escalada das
tensões no Mar Vermelho”. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
Mao Ning, instou “as partes envolvidas a manterem a calma e a exercerem
contenção, a fim de evitar que o conflito se alastre” no Médio Oriente.
A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros
russo, Maria Zajarova, salientou que os bombardeamentos “são um novo exemplo da
distorção das resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas (ONU) da parte dos anglo-saxões e do seu total desrespeito pelo direito
internacional”. Em mensagem publicada no Telegram,
acusou Washington e Londres de agirem “em nome de uma escalada na região para
alcançar os seus objetivos destrutivos”.
A França anunciou que apoia a ação militar contra os Houthis,
sublinhando o apoio à resolução do Conselho de Segurança da ONU que autoriza a
resposta aos ataques no Mar Vermelho. Em comunicado, o Ministério dos Negócios
Estrangeiros francês reiterou a “condenação aos ataques perpetrados pelos Houthis
no Mar Vermelho contra navios comerciais” com os quais assumem
“responsabilidade extremamente forte na escalada regional”.
E o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusou os
EUA e o Reino Unido de responderem de forma desproporcional. “Estão a usar a
mesma força desproporcional contra os Palestinianos. E os britânicos estão a
seguir os passos dos EUA. Estão a tentar criar um banho de sangue no Mar
Vermelho”, declarou, após a oração do dia 12, sexta-feira.
***
Os
ataques houtis nas águas do Mar Vermelho, desde a sua primeira operação, em
novembro, já provocaram o desvio daquela rota de 524 navios mercantes, 25% da
capacidade global de transporte de contentores, segundo o balanço da Flexport,
no seu blogue, a 12 de janeiro.
A rota
pelo Mar Vermelho e pelo Canal do Suez envolve 12% do comércio marítimo mundial
e 30% do tráfego global de contentores. Porém, no final de 2023, o desvio da
rota pelo estreito do Bab-el-Mandeb e pelo canal do Suez somava 300 navios e
representava 18% da capacidade global. Em apenas duas semanas, a situação de
reorientação da rota agravou-se em 75%.
A
região, envolta numa onda de ataques houthis, é patrulhada por navios de guerra
da coligação internacional de 10 países (Operação Guardiões da Prosperidade),
que diz proteger a rota comercial, e registou um ataque militar massivo a alvos
houthis, no Iémen, desde 12 de janeiro, liderado pelos EUA e o Reino Unido. Porém,
a autoridade que gere o Canal do Suez desmentiu, oficialmente, que tenha havido
suspensão da navegação nos dois sentidos, apesar de o risco do sul do Mar
Vermelho se transformar numa zona de guerra.
Os
analistas do comércio internacional chamam a atenção para o recrudescimento da
pirataria somali no Corno de África e para a primeira operação de pirataria no
Golfo de Omã, com um navio mercante grego desviado para o Irão.
O
efeito colateral desta reorientação das rotas que vêm da Ásia para o
Mediterrâneo foi o disparo do custo dos contentores nas duas principais rotas
de Xangai para Roterdão, nos Países Baixos, e para Génova, em Itália. De 21 de
dezembro de 2023 a 11 de janeiro deste ano, os custos subiram 164% e 166%,
respetivamente. Um contentor de 40 pés já custa mais 2.700 dólares, no percurso
para Roterdão, e mais 3.257, na rota para Génova, segundo o índice Drewry, a 11
de janeiro. A reorientação da rota obriga a viagem muito maior pelo Cabo, na
África do Sul, caminho marítimo da Europa para o Índico criado por Vasco da
Gama, no final do século XV.
As
duas rotas chinesas para a Europa são, agora, mais caras do que o transporte de
contentores de Xangai para Nova Iorque pelo Pacífico. O custo do contentor, para
Roterdão, alcançou 4.406 dólares e, para Génova, está acima de 5.200 dólares.
Na rota de Xangai para Nova Iorque, o custo está em 4.170 dólares. No final de
2023, a rota de Xangai para Nova Iorque registava o preço por contentor
superior a três mil dólares, devido aos problemas no canal do Panamá, fustigado
pela seca. O preço de Xangai para a Europa era inferior a dois mil dólares por
contentor.
***
O movimento houthi
ou Ansarallah (Apoiantes de Deus) é um dos lados da guerra civil iemenita.
Surgiu na década de 1990, quando o líder, Hussein al-Houthi, lançou a
“Juventude Crente”, movimento de revivalismo religioso de uma subsecção secular
do Islão xiita, o Zaidismo.
Os Zaidis
governaram o Iémen durante séculos, mas foram marginalizados pelo regime sunita,
após a guerra civil de 1962. O movimento foi fundado para representar os Zaidis
e para resistir ao sunismo radical, em particular às ideias wahhabitas da
Arábia Saudita. E foi apoiado por Ali Abdullah Saleh, primeiro presidente do
Iémen, após a unificação do Iémen do Norte e do Iémen do Sul, em 1990. Porém, à
medida que a sua popularidade crescia e a retórica antigovernamental se
acentuava, os Houthis tornaram-se uma ameaça para Saleh.
As coisas
chegaram ao auge em 2003, quando Saleh apoiou a invasão do Iraque pelos EUA, a
que muitos Iemenitas se opuseram. Para al-Houthi, a fratura foi uma
oportunidade. Aproveitando a indignação pública, organizou manifestações em
massa. Após meses de desordem, Saleh emitiu um mandado de captura. Al-Houthi
foi morto, em setembro de 2004, pelas forças iemenitas, mas o movimento
continuou vivo. A ala militar Houthi cresceu com mais combatentes a aderir à
causa. Encorajados pelos primeiros protestos da primavera árabe, em 2011,
assumiram o controlo da província de Saada, no Norte do país, e apelaram ao fim
do regime de Saleh.
Em 2011,
Saleh entregou o poder ao seu vice-presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, mas este
governo não era mais popular. Os Houthis voltaram a atacar em 2014, passando a
controlar partes de Sanaa, antes de invadirem o palácio presidencial no início
de 2015. Hadi fugiu para a Arábia Saudita, que, a seu pedido, lançou a guerra
contra os Houthis, em março de 2015. O cessar-fogo, assinado em 2022, caducou
ao fim de seis meses, mas as partes beligerantes não voltaram ao conflito em
grande escala.
Os Houthis
são apoiados pelo Irão (são o “Eixo de Resistência”), que começou a aumentar a
ajuda ao grupo em 2014, com a guerra civil e a intensificação da rivalidade com
a Arábia Saudita.
Receia-se
que os ataques dos drones e mísseis Houthi contra navios comerciais, que
ocorrem quase diariamente, desde 9 de dezembro, causem enorme choque na
economia mundial – aumentando tempo de viagem e preços de seguros e de produtos
petrolíferos –, e façam alastrar o conflito em toda a região. A ONU afirma
que a guerra no Iémen se transformou na pior crise humanitária do Mundo. Cerca
de um quarto de milhão de pessoas morreu durante o conflito.
Após o
cessar-fogo, os Houthis consolidaram o controlo sobre a maior parte do Norte do
Iémen. Querem acordar com os Sauditas o fim da guerra e a consolidação do seu
papel de governantes.
***
Eis uma
aliança anti-israelita e antiocidental de milícias apoiadas pela República
Islâmica. O conflito está para durar. E o Mundo todo sente insegurança e sofre.
2024.01.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário