A Comissão Europeia publicou, a 10 de novembro, a
norma Euro 7, para a descarbonização
do setor automóvel, que entrará em vigor em 2025, mas que traz polémica para a
estrada.
Depois de, em junho deste ano, o Conselho Europeu do
Ambiente, ter aprovado a proibição da venda de carros novos (a combustão ou
híbridos) a partir de 2035, surge agora a norma Euro 7, que impõe ainda mais exigências em matéria de emissões
poluentes pelos novos carros produzidos no espaço europeu, daqui a três anos. É
bom para o ambiente, mas punitivo para a indústria, que se obriga a investir em
massa na produção dos motores dos carros.
Esta norma surge na sequência da norma Euro 6, em vigor, já bastante
restritiva, e estabelece limites mais ambiciosos para os poluentes
atmosféricos, podendo as tecnologias existentes ajudar a consegui-lo. Os
padrões agora exigidos garantirão que os veículos permanecem ‘limpos’ durante
muito mais tempo. As emissões serão monitorizadas por sensores de bordo,
facilitando os controlos técnicos periódicos e as verificações de conformidade
e garantindo que as emissões não aumentem desproporcionalmente ao longo do
tempo. Isto aplica-se a automóveis ligeiros de passageiros e comerciais
ligeiros, bem como a camiões e autocarros.
Segundo a Comissão Europeia, os veículos automóveis
são fonte significativa de poluição do ar nas cidades, com grande parte das
emissões de NOx (óxidos de azoto) e de partículas finas. Em 2018, o transporte
rodoviário foi, em média, responsável por 39% das emissões nocivas de NOx (47%
das emissões de NOx em áreas urbanas). Em 2035, a Euro 7 reduzirá as emissões de NOx de
carros e furgões em 35%, em comparação com a Euro 6. Além disso, as partículas do tubo de escape serão reduzidas
em 13%, nos carros e nos veículos comerciais ligeiros, e em 39%, nos autocarros
e nos camiões; e as partículas libertadas pelos travões dos carros serão
reduzidas em 27%. Serão, ainda, reduzidas as emissões originadas pelas
partículas libertadas pelos pneus, que serão a principal fonte de emissões de
partículas do transporte rodoviário.
Porém, a Euro 7 obrigará a indústria a aumentar o
investimento em soluções de tecnologia para reduzir as emissões. Também os
testes obsoletos serão substituídos por ferramentas digitais de fiscalização,
como a monitorização das emissões. Por consequência, haverá diminuição dos
custos de conformidade e de encargos administrativos para a indústria automóvel.
O representante do setor, Oliver Zipse, presidente da
Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) e presidente executivo
da BMW, disse que “o benefício ambiental da proposta da Comissão é muito
limitado”, vindo a “aumentar fortemente o custo dos veículos”. E alguns
analistas consideram que o preço dos carros, após a entrada em vigor da Euro 7, torná-los-á inacessíveis às
classes média e baixa da população.
A nível das implicações na
transição para a mobilidade elétrica, as exigências da Euro 7
implicam investimentos em massa em novas tecnologias de construção de motores a
combustão, o que encarecerá o preço final dos carros, ‘empurrando-os’ para a
paridade de preço dos automóveis elétricos. Por outro, a mobilização de capital
para os novos investimentos nas fábricas retirará ‘poder de fogo’ às marcas que
já estavam a apostar em força na construção de soluções híbridas e de 100%
elétricas, atrasando a produção de veículos para a mobilidade elétrica
sustentável.
Helder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel
de Portugal (ACAP) observa que a Euro 7
é punitiva para a indústria europeia e gerará “distorções e incongruências no
mercado global”, pois só obriga as construtoras europeias, que ficarão em
desvantagem com os seus concorrentes americanos, chineses ou japoneses, que “não
têm regras tão apertadas”. No limite, poderão encerrar fábricas no espaço
europeu para se deslocarem para outros continentes, com implicações a nível do
emprego e da criação de riqueza em geral. Só na Europa, a indústria automóvel
emprega 13 milhões de pessoas, de forma direta e indireta.
De passagem por Lisboa, a 13 de setembro, o recém-eleito
presidente da Opel disse que “a incerteza é o novo normal”, pelo que, até 2024,
quer ter todos os modelos eletrificados.
Florian Huettl, considerando o aumento dos custos da
energia, a falta de componentes, em geral, e a de semicondutores, em
particular, a inflação e a subida das taxas de juro, disse que “temos de nos
habituar a gerir num ambiente de permanente instabilidade e de volatilidade
constante”.
Florian Huettl explicita que a Opel – saída do
universo da General Motors para integrar o grupo Stellantis, liderado pelo
português Carlos Tavares –, até 2017, passou um “mau bocado” em termos
financeiros. Porém, nesse ano, com a viragem na estratégia de gestão, a empresa
passou a ter as contas equilibradas e regressou aos lucros. Sem adiantar valores, admite
que, em 2022, com o impacto de todas as variáveis macroeconómicas e com a
guerra na Ucrânia, os objetivos traçados no início do ano poderão não ser
totalmente alcançados, “até porque tivemos fábricas paradas várias vezes por
falta de componentes”. Não obstante, assegurou: “A empresa agora está bem, com
uma base financeira saudável e estamos a seguir uma estratégia claramente
ganhadora.”
Uma das linhas da sua estratégia é a da eletrificação
dos modelos da marca que lidera, orgulhando-se de dizer que já dispõem, no
mercado, de 12 modelos elétricos ou híbridos.
Em relação a Portugal, o presidente da Opel explica
que, além de estar a produzir o modelo comercial Combo, na fábrica de
Mangualde, as vendas da marca, em geral, aumentaram 21% em 2021, o que trouxe a
Opel de volta ao top 10 das marcas mais vendidas no mercado nacional.
Entretanto, o Presidente francês pediu à Alemanha “solidariedade” europeia ante a
subida dos preços da energia e defendeu um “forte apoio”, o “mais rápido
possível”, à indústria automóvel na Europa contra a China e contra os Estados
Unidos da América (EUA), pois a China está a fechar o seu mercado e os EUA “estão
a fazer uma estratégia muito ofensiva de ajuda estatal” e nós “não podemos ser
o único espaço que considera que não há preferência”.
Estas declarações de Emmanuel Macron constam duma
entrevista dada ao diário francês Les
Echos, publicada a 17 de outubro, onde também considerou: “Não podemos
cingir-nos às políticas nacionais, porque isso cria distorções dentro do
continente europeu.” Na verdade, o Governo do chanceler
alemão Olaf Scholz, acusado de seguir sozinho com o plano de apoio de 200 mil milhões
de euros para proteger famílias e empresas face ao aumento dos preços de
energia, está sob pressão de vários parceiros da União Europeia (UE) para mais
solidariedade financeira.
Em contrapartida, Bruxelas pretende metas
ambiciosas: daqui a 13
anos a Europa deixará de vender carros que produzam emissões poluentes, isto é,
motores a gasóleo, a gasolina e híbridos deixarão de constar do catálogo das
várias marcas automóveis.
Contudo, os carros com motores a combustão vendidos até àquela data continuarão
a circular nas estradas europeias e, segundo os analistas mais céticos, poderemos
assistir ao aumento da idade média dos automóveis, pelo facto de a maioria das
pessoas não ter acesso a veículos elétricos, por causa dos elevados preços, que
continuam acima dos carros com motores convencionais. Assim, além da
discrepância europeia relativamente aos outros continentes, também em matéria
de mobilidade elétrica, iremos ter uma espécie de Europa a duas velocidades.
Por exemplo, em Portugal, onde a idade média do parque automóvel ronda os
13,6 anos (é dos mais envelhecidos da Europa), se as pessoas que quiserem mudar
de carro forem obrigadas a comprar um elétrico e não tiverem dinheiro para o
conseguir, ficarão com o carro velho por muito mais tempo. E, ao nível da
indústria automóvel, nem todas as marcas estão preparadas para a mudança que os
políticos europeus lhes querem impor. Assim, no
meio da pressão para acelerar o processo de mudança no espaço da UE, algumas
marcas farão a transição de forma mais rápida que outras, por serem marcas de
nicho, ou seja, por trabalharem para segmentos muito específicos.
Somos amigos do ambiente e a indústria está a fazer um esforço na
descarbonização dos processos de produção e também dos seus veículos, mas não
será fácil cumprir as metas decididas por Bruxelas, porque não existe a
principal infraestrutura de base de todo o processo: a rede de postos de
carregamento acessível e em número suficiente para a procura, à escala
europeia. Agora, se alguém quiser atravessar a Europa em carro elétrico é um
autêntico “calvário”.
Além disso, muitos dos edifícios não têm hipótese de fornecer energia a
carros elétricos, pois muitos, no centro das cidades, nem sequer dispõem de
garagens.
E, por mais que se fale em incentivos à compra de carros elétricos (e
Portugal é dos mais mal colocados na matéria à escala europeia), logo que haja transferência
em massa – por imposição política ou não – para a mobilidade elétrica, os
Estados não ficarão de mãos a abanar pela perda de receita fiscal que agora
resulta da venda de carros a combustão.
Por outro lado, questiona-se a capacidade de resposta da rede elétrica para
o aumento exponencial de procura que Bruxelas quer implementar até 2035.
***
É desejável a descarbonização, mas é preciso reforçar
a capacidade de produção e distribuição elétricas a partir das barragens e dos
recursos renováveis (sol, vento, ondas marinhas e outros) e dotar os edifícios
e as estradas das infraestruturas de carregamento rápido e a custo módico.
Importa incentivar a indústria à produção e os clientes à aquisição. É, necessária
a solidariedade para se removerem os escolhos que dificultam a transição para a
mobilidade elétrica sustentável. E, por fim, é preciso resistir à tentação
fundamentalista do abandono total de materiais e de combustíveis fósseis. Com
efeito, condenável não é o uso dos fósseis, mas o seu uso generalizado sem
olhar aos seus malefícios e sem acautelar a preservação dos ecossistemas e as
tão malfazejas ações climáticas, que devem se combatidas em todas as frentes, a
começar pelo atual modelo de crescimento, que é profundamente nefasto. E a solução
e a esperança estão nas pessoas.
2022.11.10 – Louro de Carvalho
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