Decorreu, na Fundação Calouste Gulbenkian, das 17 às 18,30
horas de 28 de novembro, a sessão de apresentação do estudo “Avaliação de Aprendizagens em Instituições Educativas”, sob
a coordenação de Júlio Pedrosa, que foi ministro da Educação no XIV Governo
Constitucional, liderado por António Guterres – estudo que analisa o
papel das métricas globais de avaliação, que os autores consideram úteis, mas
apenas se utilizadas de forma complementar às que existem nos sistemas
nacionais de avaliação.
Abriu a sessão o Dr. Guilherme
d’Oliveira Martins, Administrador Executivo Fundação Calouste Gulbenkian, após
o que se seguiu a aprestação do estudo por Júlio Pedrosa, Professor Jubilado da
Universidade de Aveiro, e Carlinda Leite, Professora Emérita da Universidade do
Porto. Por fim, moderada por Júlio Pedrosa e Carlinda Leite, desenvolveu-se a discussão,
em que intervieram Ariana Cosme, Professora Auxiliar da Universidade do Porto,
e José Augusto Pacheco, Professor Catedrático da Universidade do Minho.
O estudo incidiu, em dinamismo de recolha e de análise,
sobre indicadores, modelos e experiências de monitorização e avaliação de aprendizagens
e de desenvolvimento das crianças e jovens dos três aos 18 anos, em Portugal e
num leque alargado de países, construindo fundamentos para avaliar a situação
em Portugal e propor desenvolvimentos e melhorias.
O desafio abrangeu: a estruturação de uma abordagem aprofundada e fundamentada
da avaliação formativa e da avaliação de competências transversais; a fundamentação
e a apresentação de exemplos de boas práticas de formação para a avaliação de aprendizagens,
com adequada ponderação de fatores a considerar (contextos, políticas
nacionais, organização e governança da Educação Escolar, etc.); a procura de
estudo de casos em que a avaliação da educação pré-escolar seja o foco; e o tratamento
da avaliação na educação secundária, com atenção à diversidade de públicos e de
programas, com especial atenção ao impacto e gestão da avaliação para acesso a
educação pós-secundária de oferta diversificada e diferenciada.
Segundo os autores, o estudo apresenta a evidência de que acompanhar e
promover as aprendizagens, medir e aferir os resultados alcançados, interagir
de modo regular, sistemático, em sala de aula, são ações fundamentais para se
dispor de boa educação. Tal orientação deve ser apropriada por todos os atores
e grupos de interessados, a envolver, de modo sistemático no desenvolvimento de
uma estratégia e plano de ação. Por outro lado, os alunos portugueses participam em vários estudos
internacionais que avaliam aprendizagens e competências, mas as conclusões são
pouco aproveitadas, pelo que se sustenta que se devem utilizar melhor esses
resultados e recomendações nas políticas de educação.
Com o objetivo de avaliar as práticas de avaliação de
aprendizagens das crianças e jovens dos três aos 18 anos, em Portugal, o estudo
em referência analisou o contexto português, comparando-o com o cenário de
outros 10 países: Singapura, Estónia, Alemanha, Noruega, Finlândia, Suíça,
Reino Unido, Canadá, Brasil e Estados Unidos. E um dos aspetos da análise foi,
como já se referiu, o papel das métricas globais de avaliação, que os autores consideram
úteis, mas se utilizadas de forma complementar às que existem nos sistemas
nacionais de avaliação.
Ora, em Portugal, além das componentes de avaliação formativa
(autoavaliações, diagnóstico e provas de aferição) e da avaliação sumativa
(provas finais e exames nacionais), os alunos participam num conjunto de estudos
internacionais, como: o Programme for
International Student Assessment (PISA), que avalia os alunos de 15 anos em leitura, matemática e
ciências, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE); o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), avaliação internacional do desempenho
dos alunos do 4.º e do 8.º anos de escolaridade em matemática e em ciências,
desenvolvida pela International Association for the Evaluation of
Educational Achievement (IEA);
e o Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), que avalia a literacia de leitura dos alunos
do 4.º ano de escolaridade, também sob a orientação da IEA.
Contudo, os autores referem que a utilização dos dados e das
recomendações fornecidos pelos resultados dos alunos “é ainda relativamente
escassa” e consideram que existe “potencial para rentabilizar o investimento
inerente a essa participação”.
Uma das 10 recomendações apontadas no estudo incide,
precisamente, sobre esse tema e os especialistas propõem que se estruture uma
iniciativa de avaliação do seu envolvimento nesses estudos, sobretudo quanto à
forma como os resultados são usados.
O documento refere também que, em Portugal, o peso dos exames nacionais para a transição para o ensino superior constitui “um
“travão” ao recurso a práticas de avaliação formativa que
valorizem aprendizagens para lá dos conteúdos relacionados com o saber já
existente.
Ao mesmo tempo, as classificações na educação pré-escolar
são, não raro apoiadas pelo que os autores descrevem como checklists estandardizadas, quando, neste nível de educação e ensino,
o objetivo da avaliação deve ser contribuir para melhorar os processos de
ensino-aprendizagem, não para classificar. Com efeito, uma avaliação neste
período de desenvolvimento da criança “deverá ter uma orientação eminentemente
formativa”, refere o estudo.
Os autores apontam mais outros dois aspetos a merecer atenção
da tutela: o reduzido número de estudantes do ensino profissional que segue
para o superior e o desfasamento entre a idade esperada e a idade real média
dos alunos em alguns níveis da escolaridade obrigatória, que “indica percursos
escolares marcados por retenções e pelo risco de abandono escolar”.
Entre as recomendações do relatório, destaca-se o potencial
de alguns casos internacionais e dos contributos de agências com intervenção na
área da avaliação educacional, como a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
ou a OCDE.
Os especialistas sugerem também o planeamento e acompanhamento de práticas de avaliação nas escolas que
promovam a articulação entre as avaliações formativas e sumativas, além
da implementação de um Plano Nacional de Avaliação de Aprendizagens, orientado
nesse sentido.
No atinente aos professores e educadores, deve a formação
inicial e contínua incidir no tema da avaliação de aprendizagens, bem como nos apoios
tutoriais em iniciativas de formação.
***
A 26 de novembro, já a jornalista Isabel Leiria,
levantava, no Expresso online o véu
que envolvia o estudo em causa, esquadrinhando o que se passa na escola
As pessoas associam facilmente à avaliação as
notas ou classificações (traduzidas em menções e ou em números). Ora, perante
uma turma com alunos muito diferentes, é imperativo trabalhar com eles, de modo
que possa cada um fazer o seu caminho e chegar o mais alto que conseguir.
Na verdade, mais do que
testes e exames, a legislação determina que a principal modalidade de avaliação
dos alunos é a formativa, ou seja, a que permite ir recolhendo elementos sobre
o que cada criança e jovem está a aprender e perceber o que já foi alcançado e
o que há a melhorar. Todavia, na prática, é a avaliação sumativa (os testes e
as notas que deles resultam) aquela a que “gestores escolares, docentes, alunos
e pais dão mais importância”, mesmo quando se reconhece que esta “serve apenas
para a classificação dos estudantes” e que é a avaliação formativa que
“potencia o desenvolvimento das aprendizagens”. (Cf, por exemplo Decreto-lei
n.º 55/2018, de 6 de julho, nomeadamente artigo 24.º, números 1, 2 e 5, e artigo
27.º, números 1 e 2.
Nas escolas, muitos professores dizem sentir-se muito condicionados pela
importância que todos os agentes (gestores, alunos e pais) atribuem aos testes,
em particular no ensino secundário, pelo papel que as notas desempenham no
acesso ao ensino superior. E a síndrome dos testes já perpassa o 1.º ciclo do
ensino básico, aliada ao excesso do acervo dos conteúdos curriculares.
Porém, a importância dada aos exames que faz com que estes sejam o fator
que mais influencia as práticas avaliativas e curriculares nas escolas. Os
exames condicionam a introdução de práticas e metodologias de ensino
inovadoras, porque o que conta são as notas que os alunos obtêm nos exames e a
imagem que elas passam sobre a escola para o exterior. Enquanto houver exames,
haverá pouca disponibilidade para práticas de avaliação que se afastem do
paradigma sumativo.
Ora, mais do que oposição entre duas modalidades – a sumativa, com os momentos
formais de avaliação, testes e exames, e a formativa, com autoavaliação e recolha
de elementos que permitam definir planos de trabalho para melhor progressão de
cada criança e jovem –, é a boa articulação entre ambos que tem de ser
conseguida. A tarefa é complexa, exige tempo para os professores, formação e
até uma mudança de mentalidade, mas é fundamental, atendendo à diversidade de
alunos na sala de aula. Com efeito, definir uma referência média ou uma bitola
comum a todos não faz sentido, como não vale nivelar por baixo. Antes, face a um
grupo de alunos diferentes, é imperativo que cada um faça o seu caminho e chegue
o mais alto de que for capaz.
Para tanto, é preciso que a avaliação seja mais do que a atribuição de notas
e sirva para promover melhorias nas aprendizagens. Mas isso implica tempo,
autonomia e liberdade para os professores trabalharem dessa forma, tal como libertação
das excessivas e, tantas vezes, desnecessárias tarefas burocráticas, devendo as
necessárias ficar por conta dos assistentes administrativos.
Pegar na criança ou no jovem e usar a avaliação para perceber onde está
cada um e as melhores estratégias de ensino e aprendizagem é mais exigente do
que ministrar conteúdos e aplicar dois testes por período para saber a
classificação com que chega ao fim do ano letivo. A tentação é visível já na
educação pré-escolar, onde se usam estandardizadas checklists em apoio das classificações, quando a avaliação neste
período deve ser eminentemente formativa.
Os investigadores quiseram perceber o que leva os professores a
privilegiarem a avaliação sumativa ou a sentirem-se condicionados. A principal
razão é elaboração de rankings com
base nos resultados nos exames nacionais. Mas também figuram como razão as
provas de aferição, que não contam para a nota, mas que são vistas como exames,
bem como o envelhecimento do corpo docente, com o cansaço e a resistência à mudança
que o mesmo pode potenciar.
Outra discussão que devia deixar de existir é a dicotomia política respeitante
à avaliação. De facto, se o Governo é de esquerda, tende a retirar importância
às provas de avaliação externa; se é de direita, insiste nos exames. Ora, a
educação precisa de estabilidade e requer a inovação sustentada.
E o estudo sustenta a necessidade de conhecer experiências exemplares, usar
a melhor evidência científica, definir objetivos e o plano para lá chegar,
alinhando todos os envolvidos nesse esforço. Para isso, não pode haver orientações
educativas novas de quatro em quatro anos.
***
Há, pois, muito que fazer em educação, mas é de passar as tarefas administrativas
para outros.
2022.11.28 – Louro de Carvalho
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