Luís Pessoa, militar e militante do Partido Comunista
(PCP), atendeu, depois das cinco da manhã, no Serviço Diretor e Coordenação da
Informação das Forças Armadas (SDCI), a chamada de Jaime Serra, membro do
Comité Central e responsável pela ligação aos militares mais bem colocados para
acionar o plano gizado. Como refere Vasco Lourenço, na revista do Expresso (25/11), a ordem era para
avançar e Pessoa sabia o número a ligar, a senha e a contra senha, mas do
destino, sabia só que seria atendido por um sargento, a quem transmitiu a ordem.
A estrutura dos sargentos paraquedistas transformaria
a ida às unidades numa demonstração de força, com a ocupação e prendendo alguns
comandantes. Assim, em Monsanto, detiveram o general Pinho Freire, conselheiro
da revolução.
Só agora Vasco Lourenço, presidente da Associação 25
de Abril e, na altura, conselheiro da revolução, diz conhecer 90% do que se
passou, porque Luís Pessoa, na Associação 25 de Abril, lhe entregara um
documento, até agora desconhecido, daquele militar, havia mais de 20 anos. Por
isso, já não tem dúvidas em nomear quem deu a ordem para os militares afetos ao
PCP se juntarem aos paraquedistas e ocuparem as bases militares em Lisboa. E aponta
a reunião, entre 18 e 19 de novembro, no Tramagal, dos sargentos paraquedistas
afetos ao PCP com a estrutura local do partido, para delinearem o plano de
ocupação das bases. Quiseram impor a substituição do chefe do Estado-Maior da
Força Aérea (CEMFA), Morais da Silva, e de outros, e recuperar o que perderam
no Conselho da Revolução.
O caminho fora sinuoso, mas curto. Pouco mais de ano e
meio da queda da ditadura, a esquerda fragmentara-se, a direita reorganizava-se,
as instituições estavam à beira do colapso, as reservas de moeda estrangeira
estavam a findar e a crise económica ia em crescendo.
O engenheiro químico Luís Pessoa cumpriu o serviço
militar em Moçambique. Com Otelo Saraiva de Carvalho participou na preparação
da revolução e comandou os ocupantes das antenas da Emissora Nacional (EN) em
Porto Alto, plano que gizara, a 15 de abril, no restaurante Califa, em São
Domingos de Benfica, com Miguel Amado, tenente e funcionário da EN, e com Otelo.
Em 1975, o verão foi quente nas ruas e o outono fez
subir a temperatura. A viver no Brasil desde 11 de março, António de Spínola
avisava, no final de setembro, que o curso político seria modificado
violentamente, se os que estavam no poder persistissem na violência crescente.
E, questionado se ilegalizaria partidos políticos, dizia entregar a questão ao
povo, ouvido em sufrágio universal, mas sustentava que “esses partidos já
demonstraram suficientemente que não respeitam as regras do jogo democrático”.
José Miguel Júdice, militante do Movimento Democrático
de Libertação de Portugal (MDLP), pensou na possibilidade da guerra civil após
o 11 de março e atribui a sorte no 25 de novembro à indisciplina na tropa de
esquerda, ao recuo do PCP e à reorganização dos comandos com a mobilização dos
antigos. Preso a 28 de setembro e a 11 de março, emigrou para o Brasil.
Alpoim Calvão, em “De Conakri ao MDLP”, conta o porquê
da fundação do movimento: segurança pessoal e da família. E, apesar de ter
convencido Otelo a impedir que a família fosse molestada, foi para Madrid,
onde, em ligação com Spínola, mobilizou e armou “os portugueses exilados para
uma frente de resistência comum”, de forma a “impedir a instauração de um
regime comunista ou de ditadura militar marxista em Portugal”. Nisso, teve o
apoio, em armas e munições, de Holden Roberto, líder da Frente Nacional da
Libertação de Angola FLNA).
Também o cónego Melo, da arquidiocese de Braga,
próximo do MDLP, assumia que o golpe da direita estava planeado para 30 de
novembro e que era grande a probabilidade de violência.
Vasco Lourenço sabia do risco: “A situação estava a
degradar-se de tal maneira, nós a perder o controlo e a extrema-direita a
impor-se de tal forma que, não tivesse acontecido o que aconteceu, se
chegássemos a janeiro ou fevereiro, perante uma tentativa de golpe à direita,
não sei se teríamos tido condições para responder.”
No dia subsequente à chegada declaração de Spínola à
imprensa nacional, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo assumia que o “clima
de tensão generalizada” atingira “um dos pontos mais altos”. E, no último dia
de setembro, o Partido Socialista (PS) e o Partido Popular Democrático (PPD)
iniciaram ações de apoio ao governo e à luta pelo controlo das antenas
transmissoras.
Desde abril de 1975, face aos resultados das eleições
para a Assembleia Constituinte, o precário equilíbrio da política nacional
começara a mudar. Até 25 de novembro, momentos determinantes marcaram o
panorama político do país. Em Tancos, entre 2 e 5 de setembro, a Assembleia do
MFA rejeitou Vasco Gonçalves como chefe do Estado-Maior-Geral das Forças
Armadas (CEMGFA) e apoiou Morais e Silva, da Força Aérea. O Grupo dos Nove, de
tendência moderada, só perdeu um representante no Conselho da Revolução. Houve
o cerco à Assembleia Constituinte, a greve do VI Governo Provisório. E, em vez de
sedes de partidos à direita eram queimadas as dos partidos de esquerda
A agitação nas Forças Armadas após as eleições para a
Assembleia Constituinte ficou espelhada no documento “Aliança Povo/MFA”, que
traduzia a posição da corrente próxima do PCP, a de “fomentar a participação
revolucionária das massas” e a “implantação do verdadeiro órgão de poder
popular”, no ‘Documento dos Nove’ ou ‘Documento Melo Antunes’ (autor do texto),
assinado por nove dos mais influentes conselheiros da revolução, dando voz aos
moderados e oficializando as divisões dentro do MFA, e a “Autocrítica
Revolucionária do COPCON/Proposta de Trabalho para um Programa Político”, influenciado
pelos partidos da extrema-esquerda.
Neste panorama, os Nove chegavam a posição dominante,
vistos como porto de abrigo pelos que discordavam de Otelo ou temiam, a subida
do PCP e da extrema-esquerda ao poder. Tinham, um plano militar, gizado
sobretudo pelo tenente-coronel Ramalho Eanes, para responder a qualquer ameaça,
mas resistindo aos alvitres de um plano ofensivo. Vasco Lourenço passa a
governador militar de Lisboa e comandante da respetiva região militar (RML);
Pires Veloso, Franco Charais e Pezarat Correia, comandam, respetivamente, as
regiões militares do Norte (RMN), do Centro (RMC) e do Sul (RMS). Assim, as
principais estruturas militares já eram lideradas por moderados, todos, com exceção
de Costa Gomes, graduados em oficiais generais para o exercício do cargo.
Acordado por telefone, o major Diniz de Almeida,
segundo-comandante do Ralis, não se apercebe da gravidade da situação, apenas
que tinha de se apresentar no Forte do Alto do Duque, aonde chegou perto das
quatro. Otelo comunicara a decisão de Costa Gomes de manter a nomeação de Vasco
Lourenço para a RML. E Jaime Neves, do regimento de Comandos, acordou Vasco
Lourenço, por telefone, perto das sete, a alertar para a ocupação das bases
pelos paraquedistas.
Foi então que Jaime Serra ligou ao tenente Luís Pessoa
a dar a ordem de avanço. Os paraquedistas controlaram as unidades da Força
Aérea da RML e as várias unidades do Exército montaram dispositivos especiais de
segurança, em clima que transcendia a prevenção rigorosa. As emissoras de Rádio
e a RTP foram ocupadas por forças militares que, tal como os paraquedistas,
afirmavam obedecer ao Comando Operacional do Continente (COPCON), chefiado por
Otelo.
O comunicado do CEMGFA, General Costa Gomes, referia que
“sublevados da Base-Escola de Tancos assaltaram, durante a noite de 24-25 de
Novembro, o comando da Região Aérea, a Base Aérea n.º 3 de Tancos, a Base Aérea
n.º 5 de Monte Real e a Base Aérea n.º 6, do Montijo”. Apelava a “atitude de
bom senso para evitar o agravamento da sua situação criminosa” e lembrava que
ainda não tinham sido dadas ordens para uma “intervenção de força”.
Pelas nove horas, com tropas do Ralis mais a sul na
autoestrada, no Aeroporto e em Beirolas e, ocupadas as instalações da RTP, já o
Palácio de Belém estava cheio de militares. Vasco Lourenço, graduado em
general, ficou no comando da operação, sendo o tenente-coronel Ramalho Eanes o
principal comandante operacional, no controlo das movimentações no terreno.
Com o estado de sítio declarado em Lisboa pelas 16,30
horas, do quartel da Amadora, arrancaram as forças dos Comandos. Pouco depois,
chegaria Álvaro Cunhal ao Palácio de Belém. E Costa Gomes ter-lhe-á dito que
seria a guerra civil, que estaria contra e que iriam perder, que tinham de
recuar. E Cunhal, recuando, ajudou a evitar a guerra, tal como Otelo, ao voltar
para casa. No entanto, Cunhal refere, antes, uma conversa telefónica com o
Presidente na noite de 24 para 25 a garantir que “o PCP não estava envolvido em
qualquer iniciativa de confronto militar” e a insistir na “necessidade de uma
solução política” para a crise.
Passadas 12 horas do primeiro telefonema, o telefone
de Luís Pessoa volta a tocar. Era Jaime Serra a convencer da reviravolta o
tenente do SDCI. A hora era de recolher.
O tenente-coronel Ramalho Eanes era pressionado para
bombardear os quartéis que, durante o dia, a Força Aérea sobrevoara com caças.
Com efeito, a direita queria sangue e ainda não o tinha feito. Ao telefone,
Eanes e Lourenço acordaram: na Ajuda, a Polícia Militar tinha até às oito da
manhã para se render, o que sucedeu após duro confronto com o Regimento de
Comandos.
***
É esta a data que muitos, acastelados numa direita saudosista
que já não tem pejo de se mostrar como tal, querem celebrar como o dia da
verdadeira revolução. Ora, por mais saudável que seja o 25 de Novembro –
restabeleceu o caminho claro para uma democracia ocidental de tipo liberal –
não se afigura plausível deixar de considerar o 25 de Abril de 1974 como a data
matricial da revolução democrática. Todas as revoluções conhecem as contrafações,
purgas e acertos, mas celebra-se o dia que dá origem a cada uma, não outro. Por
exemplo, ninguém celebra a Revolução Francesa no dia da coroação imperial de
Napoleão Bonaparte.
Resta apontar que, segundo alguns analistas geralmente
bem informados, a narrativa da iminência de guerra civil violenta no dito verão
quente não corresponderá à realidade (até a forma como Otelo reagiu a Alpoim
Galvão foi pacífica), não passando da narrativa conveniente para a legitimação de
medidas tomadas em anos seguintes, como o regresso de empresários, as privatizações,
etc. Aliás, consta que o PCP não sentiria o apoio do homólogo da União Soviética,
dada a proximidade do país com os Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria.
Portanto, recorde-se o 25 de Novembro, mas celebre-se
o 25 de Abril e promova-se a de democracia integral – política, social,
económica e cultural.
2022.11.27 – Louro de Carvalho
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