Decorreu, em Viana do Castelo, a 4 de novembro, a 33.ª cimeira ibérica – iniciada
às 11 horas com honras militares e a receção das comitivas dos governos de
Portugal e de Espanha na Praça da República de Viana do Castelo, seguida de
passeio pelo centro histórico da cidade que se iniciou com a visita ao museu do
Traje. As comitivas, que integravam 18 ministros dos dois governos (nove de
cada um), abrangem as pastas da energia, do ambiente, dos transportes, das obras
púbicas, da igualdade, da administração interna, dos negócios estrangeiros e da
coesão territorial.
O primeiro-ministro português, António Costa, ao lado do presidente da
câmara de Viana do Castelo, o também socialista Luís Nobre, recebeu o homólogo
espanhol, Pedro Sánchez, à hora aprazada, num cenário emoldurado por algumas
dezenas de populares.
À saída do museu, na rua de Manuel Espregueira, Costa e Sánchez acenaram e
cumprimentaram populares, antes de entrarem na pastelaria Natário, conhecida
pelas bolas de Berlim.
Durante a estada dos dois primeiros-ministros na pastelaria, militantes do
Fórum Cívico Ibérico exibiram um cartaz em que se lia “Por uma aliança ibérica”,
sendo desmobilizados pela polícia, que os encaminhou para uma zona que não se
encontrava no trajeto de Sánchez e de Costa.
Portugal e Espanha reuniram-se para aprofundar as “excelentes” e “intensas”
relações bilaterais, avançar na estratégia transfronteiriça e reforçar
publicamente a sintonia no quadro europeu, como acontece com a energia.
Esta cimeira luso-espanhola teve como tema geral a inovação. E, antes da sua
abertura, os dois primeiros-ministros visitaram o Laboratório Ibérico de
Nanotecnologia de Braga, onde assistiram à assinatura de um protocolo entre
universidades portuguesas e espanholas para a criação de um laboratório ibérico
na área da segurança alimentar.
Depois da cerimónia oficial de abertura na Praça da República e do referido
passeio, a cimeira seguiu com reuniões de trabalho e com a sessão plenária. No final, foram assinados vários acordos, na área da ciência, das ligações
rodoviárias e da cooperação transfronteiriça, nas áreas do turismo, da
emergência médica e da cultura, entre outras. E a cimeira terminou com a
conferência de imprensa conjunta de António Costa e Pedro Sánchez.
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Assim, após
as reuniões de trabalho e da sessão plenária, foram assinados vários acordos,
entre eles, os que vão criar dois projetos de investigação científica, com
fundos europeus dos planos de recuperação e resiliência (PRR): uma “constelação
atlântica de satélites para a observação da terra” e o centro de investigação e
de armazenamento de energia de Cáceres, conexo com semi e micro condutores. Ambos
são iniciativas de cooperação científica, não estando este último, o de
Cáceres, relacionado com o anúncio que o primeiro-ministro português e o
presidente do Governo espanhol fizeram em Bruxelas no mês de outubro, visando o
desenvolvimento de infraestruturas comuns para armazenamento de eletricidade. Não
obstante, este anúncio foi feito no dia em que Portugal, Espanha e França
revelaram terem chegado a acordo para a criação de um Corredor de Energia
Verde, para transporte de energia, com ligações entre Celorico da Beira e
Zamora (CelZa) e entre Barcelona e Marselha (BarMar), destinadas ao ‘hidrogénio
verde’ no futuro, mas com capacidade para gás no imediato.
O tema
esteve presente na declaração final deste encontro, mas como “declaração
política”. Com efeito, Portugal e Espanha, além de “intensas” e “excelentes”
relações bilaterais, têm assumido “papel importante” na Europa, sobretudo com a
crise energética, em que defendem em conjunto posições comuns, de que são exemplos
o mecanismo ibérico para colocar um preço máximo ao gás usado para produzir
eletricidade e o acordo com França para o Corredor de Energia Verde. E os dois
países defendem uma resposta comum europeia às crises, replicando, no atual momento,
com a guerra da Ucrânia, o que sucedeu com a unidade em relação à pandemia.
No âmbito da
estratégia comum de desenvolvimento transfronteiriço, foram ainda assinados acordos
relacionados com a agenda cultural de fronteira, uma estratégia para a
sustentabilidade do turismo transfronteiriço, a luta contra a violência de
género e a articulação de uma rede luso-espanhola de entidades promotoras da
cooperação nestes territórios.
Nestes termos e no quadro da estratégia
comum de desenvolvimento transfronteiriço, anunciada na cimeira
ibérica da Guarda de outubro e 2020 – que abrange 1.551 freguesias, cerca de
metade das freguesias portuguesas, numa área de 62% do território nacional (1,6
milhões de Portugueses), e inclui, do lado espanhol, 1.231 municípios das
províncias de Badajoz, Cáceres, Huelva, Ourense, Pontevedra, Salamanca e
Zamora, correspondentes a 17% da superfície de Espanha (3,3 milhões de
habitantes) –, destacam-se os seguintes projetos:
Foi apresentado o “guia do trabalho
transfronteiriço” que materializa o compromisso de Portugal e de Espanha em
relação às pessoas que cruzam a fronteira para trabalhar (umas 15 mil) e que “reúne
toda a informação quanto aos direitos dos trabalhadores transfronteiriços”,
definindo quando se enquadram nessa situação, “as regalias” a que têm direito
por isso e como aceder a elas, “em matéria de segurança social, assistência médica,
invalidez temporária por doença comum ou acidente, invalidez temporária por
acidente de trabalho, maternidade, paternidade, reforma, desemprego, inspeção
do trabalho”, entre outras, como explicou Ana Abrunhosa à Lusa.
Assim, os trabalhadores acederão a
equipamentos sociais, como escolas e creches, terão direito aos centros de emprego
e ao regime de segurança social nos dois países.
Também o 112 Transfronteiriço, ora
criado, constitui resposta de urgência em saúde e avança na Galiza e no Norte
de Portugal, com a assinatura de um protocolo, que é “um projeto-piloto para
assistência médica de urgência entre a Galiza e a região Norte de Portugal,
entrando em funcionamento após a assinatura pelo Instituto Nacional de
Emergência Médica de Portugal (INEM) e pela entidade de saúde da Galiza, durante
a cimeira. Assim, o 112 Transfronteiriço garante “assistência médica rápida e
adequada em situações de urgência e de emergência, pelos meios que estão mais
próximos, independentemente de serem portugueses ou espanhóis.
Outro memorando de entendimento assinado
na cimeira de Viana do Castelo visa aumentar a cooperação na resposta à
violência de género nas regiões transfronteiriças. O objetivo é garantir que os
protocolos de atuação dos dois países nesta matéria são semelhantes e abrangendo,
por exemplo, a vigilância eletrónica de agressores, mecanismos mais céleres de
troca de informação a nível policial e judicial e a possibilidade de partilha
de infraestruturas e de equipamentos, como casas abrigo para vítimas.
Portugal e Espanha vão criar
estruturas permanentes para controlar o cumprimento da convenção que regula a
gestão dos rios partilhados, segundo a declaração final da cimeira ibérica: “Ambos
os países decidem impulsionar o desenvolvimento de um Secretariado Técnico
Permanente da Comissão para a Aplicação e Desenvolvimento da Convenção de
Albufeira (CADC), em linha com as melhores práticas na gestão partilhada de
bacias hidrográficas internacionais, que facilite o trabalho contínuo nas
matérias reguladas pela Convenção de Albufeira e, em particular, no planeamento
hidrológico.” E vão trabalhar “de forma conjunta para harmonizar os indicadores
de seca e escassez usados por ambos os Estados e, em particular, os que caraterizam
as situações de exceção previstas na Convenção de Albufeira”.
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No final da 33.ª Cimeira Ibérica, Pedro Sánchez
disse que nos vamos unir “em tempos de crise”, ao passo que António Costa
sublinhou a “transversalidade” dos entendimentos alcançados entre os dois
países que, sob o chapéu da “inovação”, apostam em estreitar as relações
transfronteiriças, no respeitante às ligações ferroviárias de alta velocidade
que se prevê que venham a ligar os dois países (por Vigo ou pelo corredor de
Elvas/Badajoz até Madrid, e nas ligações futuras a Salamanca e Sevilha), como
também no atinente ao combate à seca e ao acordo entre Portugal, Espanha e
França para as interconexões energéticas. Para este surgiu a garantia de que
até 15 de dezembro, o plano de financiamento estará fechado e pronto para
apresentar a Bruxelas. Com efeito, o encontro de Alicante, a
realizar a 9 de dezembro, conta com a presença do presidente francês e servirá
para acertar os detalhes.
No âmbito do reforço da relação
transfronteiriça, Costa e Sánchez reforçaram o compromisso de dar seguimento ao
que o primeiro-ministro português chama “a maior obra ferroviária dos últimos
100 anos”. E isto passa, primeiro, pela construção, até 2025, das pontes sobre
os rios Sever (entre Nisa e Cedillo) e Guadiana (Alcoutim e Sanlucar de
Guadiana), para melhor ligação rodoviária; e, depois, pelo investimento
ferroviário que parou com a pandemia, mas que visa vir a ligar as duas capitais.
A ideia é manter como meta, até ao final de 2023 ou início de 2024, a conclusão
da construção do corredor Lisboa-Badajoz, para o transporte de mercadorias e de
passageiros e para servir de base à futura “alta velocidade” entre Sines,
Lisboa, Badajoz e Madrid.
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Quanto ao kit de projetos protocolados, alguns são credíveis, mas outros são
demasiados lentos para saírem do marasmo do papel. Mais difíceis de mover que
os elefantes. A estes animais pesados basta que deixem que se lhes façam cócegas
na barriga e avançam consideravelmente.
Por fim, é de registar a veleidade fanfarrã
de António Costa: Em 2023, o país terá um “seguro de vida” para enfrentar as
incertezas do mercado energético e garantirá uma “rede de segurança” às
empresas e às famílias. Bem o esperamos. Oxalá esteja certo!
2022.11.04 –
Louro de Carvalho
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