Está prevista para 11 de novembro o início duma nova série de reuniões no
Infarmed para estudo de medidas que obviem às ameaças deste outono e do inverno
subsequente.
Com efeito, segundo o boletim semanal da Direção de Saúde (DGS), em 31 de
outubro, estavam internadas 525 pessoas (mais 47 do que no mesmo dia da semana
anterior), com 34 doentes em unidades de cuidados intensivos (menos um do que
no mesmo dia da semana anterior). Portugal registou, entre 25 e 31 de
outubro, 5920 infeções pelo
coronavírus SARS-CoV-2, novo
aumento dos internamentos e 53 mortes associadas à covid-19. Em
relação à semana anterior, registaram-se menos 1736 casos, mas verificaram-se mais
seis mortes na comparação entre os dois períodos.
Entretanto, o vírus sincicial respiratório (VSR) – responsável pela
maioria dos casos de infeções do trato respiratório inferior (como pneumonia
e bronquiolite) em bebés, sendo mais comum, em climas temperados, no inverno e,
em climas tropicais, nos meses de chuva – ganha
terreno face à proteção vacinal contra a gripe e contra a covid-19, afetam
sobretudo as crianças mais pequenas e com alguma gravidade,
constituindo nova ameaça para a população mais vulnerável, pois, com a
administração das vacinas contra a gripe e contra a covid-19, é o VSR que ganha
terreno.
Por isso, a comunidade científica internacional alerta
para a “tripandemia” iminente que e pede à indústria farmacêutica
aceleração das fórmulas de proteção contra as infeções sinciciais
respiratórias, ainda sem vacina disponível.
Filipe Froes, pneumologista e consultor da DGS para a
gripe, explicita que, em concreto, não se sabe o que acontecerá nos próximos
meses. Não obstante, antecipa um cenário provável: “Diria que vamos estar a
viver uma pandemia tripla”. E explana o conceito: “Apesar de as pessoas estarem
vacinadas, vão progressivamente diminuir a sua imunidade e, com as novas
variantes de covid, poderá haver alguma diminuição da eficácia contra a
infeção. Portanto, mais casos, acréscimo da afluência às urgências e,
previsivelmente, aumento da gravidade e dos internamentos.” E prevê: “Vamos ter
um aumento da mortalidade.”
O quadro clínico em Portugal ainda é favorável à covid-19
e à gripe, sem infeções exuberantes em número e em gravidade, mas o VSR preocupa.
Os dados do Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe atualizados no dia 4
de novembro pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA) mostram que, desde 3 de
outubro, foram notificados 41 casos de RSV (um pneumovírus), sendo devidos a ele 66,1% dos 62 internamentos por infeção respiratória aguda.
Na semana 43/2022 (24 a 30 de outubro, recém-avaliada)
foi reportada uma infeção por vírus sincicial respiratório pelo
hospital que enviou informação, mas “estes dados são provisórios e serão
atualizados nas próximas semanas, pelo que devem ser interpretados com cautela,
tendo em conta a tendência crescente observada nas últimas semanas”. Desde outubro de 2021, foram
reportados 285 casos de internamento por VSR. Cerca de 42 % dos casos tinham
menos de três meses de idade, 15 % ocorreram em bebés pré-termo e 14 % tinham
baixo peso ao nascer. E, quanto a critérios de gravidade, 11 % foram internados
em unidades de cuidados intensivos (UCI) ou necessitaram de ventilação (não
invasiva/convencional).
Filipe Froes é taxativo: “Temos de tomar algumas
medidas essenciais, como aumentar rapidamente a vacinação contra a covid e
contra a gripe, alargando-a ao maior número de pessoas possível, e melhorar
muito o sistema de vigilância. Os boletins dependem da informação hospitalar e
estamos com dez dias de atraso. Também sabemos que há uma décalage de
cerca de duas semanas entre o que se passa na comunidade e nos hospitais. Além
disso, precisamos urgentemente de rever em que contextos podemos voltar às
medidas não farmacológicas, nomeadamente à máscara.”
O Governo vai voltar a ouvir os peritos em reunião
no Infarmed, para reavaliação da situação epidemiológica do país. E, sobre
a proteção vacinal, o ministro da Saúde afirmou estar confiante:
“A vacina contra a gripe começou a ser administrada
mais cedo e muito antes do resto da Europa e está a decorrer a bom ritmo e os
reforços contra a covid também estão a avançar.”. Manuel Pizarro frisou que
“mais de 50% da meta está atingida”, sendo o objetivo ter mais de três milhões
de pessoas com os reforços, o que espera que “seja conseguido na segunda semana
de dezembro.”
***
Admitindo o
cenário de pandemia tripla, o referido Filipe Froes e Patrícia Akester, cientista na área do Direito,
escreveram o livro A Pandemia
que revelou outras Pandemias, distribuído pelo Diário de Notícias (DN), a 7 de novembro, que resulta da compilação das
suas crónicas no jornal durante os dois anos da pandemia e de cuja temática
falaram em entrevista ao DN, a 4 de novembro.
Falam da
pandemia “em sede de saúde”, mas dela emergiram outras, dos foros social,
económico, e político. No foro político, o estabelecimento de certas medidas
por parte dos governos, levou movimentos totalitários a tomar certas medidas de
cerceamento de direitos, liberdades e garantias. Por exemplo, os confinamentos evitaram
cadeias de contágio, mas permitiam saber onde as pessoas se encontravam a cada
momento, gerando questões de privacidade. Em termos económicos, com a economia
parada, surgiram problemas financeiros, houve famílias no desemprego e muitos
negócios que foram à falência, o que levou a problemas sociais. Em termos sociais, releva-se a ausência de
acesso a centros de apoio por pessoas alvo de abuso, ficando entregues aos abusadores.
Além disso, aumentaram os problemas de saúde mental, bem como a taxa de
divórcios.
Estava tudo
concentrado na pandemia e, “em saúde, estamos a assistir a várias pandemias,
desde logo, como consequência da covid, a do pandemónio do long covid, bem como a do atraso e do
desvio de recursos, agravada pela exaustão e cansaço dos profissionais de
saúde. As pessoas com doenças crónicas não foram compensadas e houve pessoas
que perderam rastreios oncológicos. Depois, há outras duas ou três pandemias extremamente
relevantes: a da saúde mental, com as suas futuras consequências, e a da
resistência aos antimicrobianos, mercê do aumento exponencial de antibióticos,
sobretudo na população hospitalizada com covid. E há pandemias fora da área da
saúde, como a da desinformação, que teve um acréscimo de atividade, e a da
politização do conhecimento. Com efeito, mercê dessa politização, muitas das
vidas (cerca de 320 mil pessoas, se tivessem sido vacinadas) que se perderam
nos Estados Unidos da América (EUA), teriam sido salvas. E houve um acréscimo
de morbilidade e de mortalidade por falta de rastreio, por desatenção às
doenças crónicas que aumentaram e que são irreversíveis em muitos casos, como a
diabetes, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e a insuficiência cardíaca
Os autores do
livro, prefaciado pelo Almirante Gouveia e Melo, advertem que “não vai deixar
de existir o fenómeno da desinformação”, que se propaga de forma mais rápida e
mais forte do que o vírus e que “é preciso é haver informação consolidada em
conhecimento a priori, mas também
depois da campanha de desinformação”.
Observam que, liminarmente,
a atitude europeia foi de insolidariedade, o que se viu no âmbito dos testes em
fase liminar e na questão das patentes, fenómenos que se entrecruzaram.
Depois, apesar
do oportunismo na invenção ditada pela necessidade, surgiu a solidariedade a
criar a coesão na Europa – “solidariedade imposta pelas circunstâncias” ou “solidariedade
utilitária”.
Admitem os
autores que o Ocidente ficou a aprender essa solidariedade utilitária que se
aplica agora em relação à guerra na Ucrânia. Com efeito, a pandemia de covid-19
“termina numa síndrome solidária” basicamente utilitária, mas que foi benéfica
ao ajudar a Europa a banir o mais possível este inimigo invisível. É um padrão
comportamental replicado, de forma benéfica, no contexto geopolítico que temos
em função da situação que temos na Ucrânia, contra a ousadamente designada de “epidemia
de Putin”.
No entanto, Filipe Froes e Patrícia
Akester frisam que a covid-19, apesar dos aspetos negativos, teve
algumas vantagens que a Europa soube aproveitar. Assim, a Europa acordou para
as suas fragilidades e dependências e, sobretudo na questão das variantes, foi
tomada uma medida pela União Europeia (UE) importante e com impacto futuro: a
criação da HERA (Health
Emergency Preparedness and Response Authority), a nova agência de preparação e monitorização na área da saúde, que obriga
a maior vigilância de novas ameaças, onde se incluem as novas variantes. Dentro
destas, tem havido um grande esforço a nível europeu, com o Reino Unido, para
avaliar as duas grandes ameaças de variantes que se aproximam: a variante BQ1.1
e a XBB, sendo esta conhecida por variante de Singapura por ter acréscimo de
atividade nesse país, mas que pode vir a ser dominante no continente europeu,
em dezembro ou em janeiro. Agora, na Europa, verifica-se o aumento das variantes
BQ1 e BQ1.1, que significam maior capacidade de transmissão por terem
mecanismos de invasão à imunidade desenvolvida pela infeção (natural ou pela
vacina). Em princípio, ainda não estão associadas ao aumento da gravidade, mas,
se tiverem grande capacidade de infetar mais pessoas, mesmo vacinadas, haverá
mais gravidade e alguns dos tratamentos com anticorpos monoclonais têm menor
atividade nesta variante, pelo que ficaremos mais expostos. Isto postula a
necessidade de vigilância e de acompanhamento em tempo real da informação.
***
Por fim, apesar
da enumeração de tantas epidemias sanitárias, políticas, económicas e sociais, as
que se afiguram específicas desta quadra hiemal são: a da covid, a da gripe e a
do vírus sincicial respiratório – tripandemia que nos causa a diminuição
progressiva da imunidade.
Especialistas e
decisores políticos têm a palavra, mas poupem-nos às declarações presidenciais!
2022.11.05 – Louro de Carvalho
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