A questão da
aeronave da Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira), um Beechcraft que patrulha o mar dos Açores
continua a preocupar militares das
Forças Armadas, (FA), sobretudo da Força Aérea Portuguesa (FAP) e da
Marina, afastadas desta operação.
O aparelho
pertence à companhia inglesa DEA, especializada em operações de recolha de informações, vigilância e
reconhecimento e, como todos os aparelhos congéneres, está equipado
com tecnologia sofisticada, como radares, equipamento eletro-ótico, sensores, comunicações
por satélite, com capacidade de georreferenciação para mapear toda a costa e toda
a área marítima.
Nos termos
constantes do seu site oficial, “pioneira na recolha de dados aéreos”, a DEA “utiliza
técnicas inovadoras e as tecnologias mais avançadas e inovadoras do setor” e as
suas plataformas, “equipadas com uma vasta gama de sofisticadas e
altamente poderosas capacidades de
vigilância tecnológica, são capazes
de “reunir dados de alta qualidade para apoiar uma série de atividades,
impulsionadas pela mais recente tecnologia”. Ou seja, aplicam-se a operações de
“Intelligence, Surveillance and Reconnnaissance (ISR) – informações,
reconhecimento e vigilância.
Segundo
fontes militares que acompanham a missão, a aeronave voa uma média de 4/6 horas por dia. E fonte da Guarda
Nacional Republicana (GNR) disse que a solicitação foi feita para “garantir a vigilância da fronteira externa da
União Europeia (UE)” e que duraria cerca de um mês, entre outubro e novembro.
Alguns generais
já se tinham manifestado indignados por
a missão não ter sido pedida à FAP ou à Marinha. Agora, acresce o receio
de os dados recolhidos poderem ser utilizados por forças ou por entidades
estrangeiras, pois alguns dos equipamentos do Beechcraft servem a espionagem.
Questionado
sobre este ponto, bem como sobre que salvaguardas terão sido tomadas para
garantir que os dados recolhidos, imagens e outros, só fossem utilizados pelas
autoridades portuguesas e se estes voos são acompanhados em permanência pelas nossas
autoridades, o comando-geral da
GNR tem mantido silêncio.
Por sua vez,
o General Cartaxo Alves, porta-voz
oficial do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), que afirmara
que a FAP não recebeu “qualquer solicitação da GNR” para esta missão, reiterou
que a FAP “não participa na operação” e que, “de acordo com a lei e no âmbito
das capacidades de vigilância e patrulhamento marítimo e terrestre, executa
missões que visem assegurar, no espaço estratégico de interesse nacional, a
vigilância e o controlo das fronteiras marítimas, das atividades de contrabando
aduaneiro, de tráfico de estupefacientes e de imigração ilegal, entre outras”.
Para tal, tem as modernizadas aeronaves P-3C CUP+ e as C-295M.
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O P-3C CUP+ –
que resulta
de um programa de modernização de 5 P-3C adquiridos à Holanda, tendo o
protótipo sido formalmente entregue em setembro de 2010, e que iniciou a sua operação a 1 de janeiro de 2011, tendo efetuado
o seu “Batismo de Fogo” na Operação “Ocean Shield” ao serviço da NATO no Oceano
Índico, em missões de combate à pirataria com excelentes resultados e com uma
prontidão de 100% – mantém todas as capacidades de patrulhamento marítimo
herdadas do P-3P, nomeadamente Luta Antissubmarina (ASW), Luta Antissuperfície
(ASuW) e Busca e Salvamento (SAR). Além disso, está capacitado, por sensores
modernos associados a um sistema tático de missão completamente integrado, a
operar também em diversas missões em ambiente terrestre. Ficou ainda equipado
com um sistema de autoproteção MLWS (Missile and Laser Warning System), que
permite a deteção de ameaças e o disparo de contramedidas.
A conjugação destas capacidades com as caraterísticas inatas
da aeronave, onde se destacam a enorme autonomia, o raio de ação, a velocidade,
a disponibilidade para transportar sensores e armamento, operar de dia e de
noite e em quaisquer condições meteorológicas, resultaram num sistema de armas
extremamente versátil e flexível. Assim, tem a capacidade de lançar o seguinte
armamento: AGM-84 HARPOON, AGM-65F/G MAVERICK, Torpedo MK-46 A(s), Bombas
MK-82/83/84 e Minas MK 36.
Já o EADS C-295M – certificado para operações em quaisquer
condições meteorológicas, em condições de regras de voo visual (VFR) e em
regras de voo por instrumentos (IFR) – é um avião de construção metálica, de
asa alta, com um grupo propulsor constituído por dois turbo-prop, fuselagem e
cabine de voo pressurizadas e trem de aterragem retrátil. Foi
desenhado e construído com a finalidade de transporte militar de médio e curto
alcance, com a parte traseira da fuselagem equipada com uma rampa/porta
hidráulica que proporciona uma diversa variedade de missões, tal como o
transporte de tropas e carga, evacuações médicas, vigilância e lançamento de
cargas.
***
O General Luís Araújo, ex-CEMFA, reagiu:
“Isto é um atentado direto à nossa
soberania. É óbvio, que, podendo e não sendo tomadas medidas de
salvaguarda, qualquer país ou
empresa estrangeira, e os ingleses não são exceção, vão aproveitar toda a
informação que aqui for recolhida, para usar em benefício próprio ou de
algum cliente.” Com efeito, não duvida que a situação “afeta a nossa soberania, a nossa visão
estratégica de ter o mar como um dos pilares da nossa soberania”.
Na opinião
do general, isto é grave para a segurança do país. E à UE mostramos “erradamente”
que não temos capacidade para vigiar as nossas áreas de soberania e, por consequência,
as fronteiras externas da UE. A GNR pediu à Frontex um avião, quando a FAP tem feito tais missões com os
referidos P-3C CUP+, que “têm todas as capacidades e equipamentos
sofisticados que são precisos para fazer o patrulhamento nesta área
que é um pilar da nossa soberania”.
O ex-CEMFA sublinha
que “temos uma projeção no mar impressionante, quer do ponto de vista da
segurança e defesa, como ambiental, recursos e economia” e que “a proteção do
mar, em toda a sua profundidade, é tão importante como o espaço aéreo”. E,
recordando que estamos a negociar o alargamento da plataforma continental (nos
termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada a
14 de outubro de 1997 (Resolução da AR 60-B/1997 e Decreto do Presidente da
República 67-A/97), em que o
país se propõe exercer a soberania sobre um dos territórios marítimos mais
extensos da Europa (mais 4,5 milhões de quilómetros quadrados), receia que isto
seja entendido como “sinal de
incapacidade”. Por isso, não percebe como a ministra da Defesa
defendeu a iniciativa da GNR, como se fosse normal, e questionou qual foi o
papel do Almirante Chefe de Estado-Maior
das Forças Armadas (Silva Ribeiro), a quem incumbe fazer a articulação
com o Sistema de Segurança Interna (SSI).
Alfredo Cruz, general da
FAP, na reforma, ex-Comandante
Operacional nos Açores, acompanha as apreensões de Luís Araújo, questionando
o que ali faz um avião civil e qual é o papel das FA, da Marinha e da FAP. Com
efeito, a Frontex apoia países que
não têm capacidade para vigilância marítima e Portugal é dos países com mais
capacidades nessa área, em que se investiram “centenas de milhares de
euros nessa capacidade que é das melhores da Europa”.
Diz conhecer
“a realidade geoestratégica açoriana” e que “as únicas ameaças viáveis são o tráfico de droga” que não se combate com um avião da Frontex, que só pode
agir nas águas territoriais (12 milhas) ou contíguas, pois o tráfico de droga
vai muito para além disso.
O problema,
segundo o general, é: “Com esta área marítima tão grande, se não formos capazes de vigiar a nossa área,
outros o farão por nós. E isso é o cerne da questão. Põe em causa a nossa soberania. Nem
a GNR, nem o Ministério da Administração Interna, nem o Ministério da Defesa
foram ainda capazes de explicar o que anda o avião a fazer que não pudesse ser
feito por nós. A coordenação desta
missão devia ser entregue à FAP e sermos nós a fazê-la.”
Para Alfredo
Cruz há três áreas críticas de que
não se pode abrir mão: a defesa aérea, a vigilância marítima e a busca e
salvamento. Com efeito, “o mar é, desde a nossa fundação, um
desígnio nacional” e os políticos não perceberam “o problema fundamental que é
a soberania nacional”. Ora, um
requisito para a extensão na Plataforma Continental é a capacidade de
vigilância contra as ameaças aos fundos marinhos. E não se pode lá
plantar um avião sem articulação com a Autoridade Marítima Nacional e com a FAP.
E o Almirante
Melo Gomes, ex-Chefe de Estado-Maior da Armada (ex-CEMA, que alertara para a
questão de a soberania poder estar em causa, diz que hoje “espionagem” se faz
pela agregação sucessiva de informação, sendo os elementos da nossa Zona
Exclusiva Económica (ZEE) dos Açores muito úteis no domínio económico e no militar.
Por isso, conviria saber se há alguém (português) qualificado a bordo e no
centro de análise de dados para efetuar o controlo.
A seu ver, “o princípio da subsidiariedade deve ser a
regra e a Frontex não se deve sobrepor à ação prioritária dos Estados”.
Portanto, não cabe à Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR formular pedidos
de apoio externo em questões que se prendem com a soberania.
Enfim,
quando é Portugal e os portugueses a fazer este serviço, sabemos que os dados
obtidos são informação para uso nacional a favor de Portugal. Qualquer fuga de informação
é crime e pode ser utilizada contra os nossos interesses coletivos. No caso
vertente, estamos a hipotecar o nosso
interesse a uma organização internacional (de um país fora da UE), que,
usando meios de outro país em prol dos seus próprios interesses, pode obter
informações que não sabemos como
serão usadas e, sobretudo, se não serão usadas para delapidar recursos nossos,
sendo tão apelativa a nossa zona marítima de interesse. Foi o Reino Unido, que não
tem, a nível diplomático, inimigos permanentes nem aliados para sempre, que nos
impôs condições no caso do mapa cor-de-rosa. E agora somos nós que lhe pedimos
que “atente” contra a nossa soberania.
Ao invés,
Hugo Costeira, presidente do Observatório de Segurança Interna (OSI) lamenta
que se arrasem as ações da GNR, “perfeitamente enquadradas na legislação
nacional e internacional”. E sustenta que temos de ser intelectualmente
honestos para sabermos que o
equipamento usado nestas missões pode, em abstrato, ser usado em missões de
espionagem, mas que não é o caso. Em sua opinião, agora, a preocupação
é arrasar as ações da GNR, sobretudo na relação entre Portugal e a Frontex, e
insultar, transversalmente, os parceiros internacionais, a NATO e a UE.
Para o
perito em segurança, o preço da soberania
é inferior ao ódio destilado contra a GNR. E isto pode ter um preço
diplomático: Portugal não confia
nos seus “aliados”, quando são tantas as ações militares, policiais
e de inteligência desenvolvidas em cooperação com as FA, com forças de
segurança e com o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP)! Por isso, recomenda que não se denigra a imagem
e o bom nome de Portugal, se respeitem as instituições e o trabalho delas. E
acha que o Presidente da República,
em nome do sentido de estado, deve pôr ordem na casa e impedir estes ataques
sistemáticos à GNR.
Por mim, lamento estas guerrinhas entre quem deve servir a defesa e a
segurança, mas as operações de vulto devem ser concertadas a nível superior e
entre as partes em causa.
2022.11.13 – Louro de Carvalho
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