No dia em
que chegaram os peritos europeus da “avaliação Schengen” à segurança das
fronteiras, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) conseguiu
as assinaturas para o acordo entre os cinco intervenientes no domínio marítimo,
em linha com a exigência da União Europeia (UE) no sentido de Portugal garantir
a articulação entre a Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Marinha no controlo
do mar, nos termos do EUROSUR (The European Border Surveillance system: em Português, Sistema Europeu de Vigilância das Fronteiras).
Em boa
verdade, Portugal tem cinco entidades distintas, de três ministérios (Administração
Interna, Defesa e Justiça), com poder de autoridade de Estado na vigilância das
zonas marítimas; e onze, de sete ministérios (Defesa, Administração Interna, Saúde,
Ambiente, Economia e Mar, Justiça e Finanças), com competências no domínio do
mar, coordenadas por oito organismos que foram sendo criados ao longo dos
últimos 20 anos. Uma floresta de entidades e de organismos, com duplicação de
serviços, sendo que alguns estão praticamente inativos e outros se perdem no
conflito de competências, tudo em tempo de Simplex e de falta de recursos
humanos!
O presente protocolo, vindo em boa hora,
representa, sobretudo, a bandeira
branca entre a Marinha e a GNR no atinente à articulação operacional e à partilha
de informações quanto à vigilância marítima, ou à sua propalada
falta.
Embora essencial,
a assinatura deste acordo histórico não
teve uma cerimónia pública, nem um comunicado. Com efeito, o documento foi rubricado discretamente e certificado à distância, no dia 14, com
as assinaturas digitais dos cinco
chefes máximos das polícias e dos ramos das Forças Armadas (FA) que intervêm
na vigilância e no controlo da fronteira externa: Gouveia e Melo, Chefe de
Estado-Maior da Armada (CEMA); Cartaxo Alves, Chefe de Estado-Maior da Força
Aérea (CEMFA); Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ); Rui
Clero, à data comandante-geral da GNR; Magina da Silva, diretor nacional da Polícia
de Segurança Pública (PSP); e Fernando Silva, diretor nacional do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
E que é
feito da Polícia Marítima, que garante e fiscaliza o cumprimento das leis e regulamentos
nos espaços integrantes do domínio público marítimo, áreas portuárias, espaços
balneares, águas interiores sob jurisdição da Autoridade Marítima
Nacional e demais espaços marítimos?
Para o SSI,
a assinatura do “Protocolo de
Cooperação EUROSUR” era
“essencial para a criação do quadro situacional nacional para a gestão
integrada das fronteiras, nos termos do preceituado no regulamento da Agência
Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (FRONTEX), assim como o reforço da cooperação e coordenação para o
intercâmbio de informações neste âmbito”.
O EUROSUR,
em Portugal, tem o Centro Nacional de Coordenação (CNC) na GNR, o que
desagradou à Polícia Marítima.
O texto foi
apresentado, há vários meses, às entidades envolvidas, mas as negociações para
atenuar o velho conflito entre a Marinha e a GNR (por exemplo, na
compra da megalancha Bojador pela GNR
e no patrulhamento do mar dos Açores pelo Beechcraft) no domínio do espaço marítimo atrasaram o desfecho.
Efetivamente, a Unidade de Controlo
Costeiro (UCC) da GNR dirige o CNC EUROSUR e quer ter mais poder no mar, ao passo que a Marinha comanda o Centro de Operações
Marítimas (COMAR) e não quer perder poder.
Tal desfecho aconteceu, a
14 de novembro, precisamente o dia em que chegou a Portugal a equipa de
peritos da Comissão Europeia, tendo sido todas as assinaturas enviadas ao
secretário-geral do SSI. Atribui-se o feito à capacidade diplomática do embaixador Paulo Vizeu Pinheiro,
responsável pelo cumprimento das
recomendações da última “avaliação Schengen”, de 2017, à segurança das fronteiras em Portugal, país
abrangido pelo Acordo de Schengen, convenção entre países europeus sobre a
política de abertura das fronteiras e de livre circulação de pessoas.
Espera-se que
esta bandeira de paz entre a Marinha e a GNR seja o princípio do fim das
contínuas e desgastantes divergências (que, às vezes, envolvem a Força Aérea) e
mostre aos avaliadores que se cumpre a sua recomendação relativa à obrigação de estas entidades se entenderem.
A fim de
melhorar o conhecimento situacional e a capacidade de resposta, estão na lista a verificar na “avaliação
Schengen”, entre outros, os seguintes
itens: “reforçar o quadro situacional da fronteira
marítima integrando os elementos
relevantes dos sistemas de vigilância da Marinha e da Polícia Marítima no
quadro situacional gerido pela GNR no Centro Nacional de
Coordenação (CNC-EUROSUR)”; e instituir um procedimento claro de cooperação e coordenação para o intercâmbio
de informações entre o Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da
GNR (os radares costeiros do SIVICC), o Centro de Operações Marítimas (COMAR) da
Marinha e a Autoridade Marítima Nacional.
Para assinar
o protocolo, o Almirante Gouveia e Melo, clarificou as competências da Marinha. Na proposta inicial, estava
escrito, sinteticamente: “A Marinha é um ramo das Forças Armadas, dotado de
autonomia administrativa, que se integra da administração direta do Estado,
através do Ministério de Defesa Nacional.” Porém, na versão final foi acrescentada uma síntese das suas principais
competências: exercer a autoridade do Estado nas zonas marítimas sob
jurisdição e soberania nacional, com operações nas áreas da Defesa, no apoio à
política externa, na segurança, e no desenvolvimento económico, científico e
cultural.
Se a GNR se
assume como “uma das Guardas de Fronteira europeias responsável pela missão de vigilância
da fronteira externa”, a Marinha
vincou que, nas suas missões, faz ações de vigilância, de patrulhamento e de interceção marítima, incluindo
a vigilância das fronteiras marítimas, em coordenação e apoio a outras
entidades, como tem sido o caso da PJ, com quem tem feito várias
operações de combate ao tráfico de droga em alto mar. Além disso, garantiu a troca de informações com o COMAR, com
um canal direto com os outros centros ativos, como o CNC-EUROSUR, na GNR.
Como o
objetivo é juntar as “águas” até agora separadas e lograr uma visão total da situação no mar – o
Quadro de Situação Nacional, com as ocorrências, operações e análise de risco –
passam a ser obrigatórias reuniões semanais ou sempre que a situação o exija,
com os pontos de contacto (Oficiais de Ligação) designados pelas Partes, para a
partilha de informação operacional e de produtos de análise de risco
atualizados; e está definido que o CNC-EUROSUR “coordena
e assegura o intercâmbio de informações entre todas as autoridades com
responsabilidades pela vigilância e controlo da fronteira externa a nível
nacional”.
Segundo o
SSI, na “avaliação Schengen
2022/2023”, que se prevê estar concluída em março de 2023, serão verificadas
as fronteiras externas, a cooperação policial internacional, o retorno, o Sistema
de Informações Schengen (SIS) / SIRENE, a proteção de dados e, por fim, os vistos.
É possível, no entanto, que se possa prolongar a
avaliação ou que haja uma segunda visita dos peritos. Com efeito, o Ponto Único de Contacto para a Cooperação
Policial Internacional, que devia juntar todos os sistemas de partilha
de informações – outra das recomendações de 2017 – não está ainda totalmente
ativo no SSI. Por outro lado, o Presidente da República teve dúvidas sobre se a
separação de poderes fica salvaguardada com a transferência da PJ para o
SSI, na tutela do primeiro-ministro, dos gabinetes da Europol e Interpol, que envolvem informação de
investigação criminal, e enviou ao Tribunal Constitucional os respetivos diplomas
aprovados no Parlamento, para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.
Além disso, porque o reforço do
SEF em meios humanos e materiais era outra recomendação de 2017 e este
está em vias de extinção, os avaliadores quererão, certamente, verificar o
cenário pós-SEF.
***
Resta saber
se, com o acordo ora assinado, já não há o risco de utilização dos dados
recolhidos no mar dos Açores por parte de terceiros, como o Reino Unido, donde
provém o Beechcraft, requisitado pela GNR,
no âmbito das competências da FRONTEX. E é de ponderar
se este entendimento entre as entidades acima indicadas já garante a nossa
soberania sobre as águas e a boa administração da futura plataforma continental
alargada ou se os generais da Força Aérea, reformados, não passam de senadores
em declínio, quando não de velhos do Restelo.
Também é
estranho que a Força Aérea, cujo CEMFA declarou que a GNR não contactar este
Ramo das FA no caso do patrulhamento do mar dos Açores, não tenha explicitado competências
suas no texto do protocolo.
Os tempos
mudam e, com eles, também as componentes da soberania e as condições do seu
exercício. No entanto, toda a cautela é pouca, pois a ambição continua a gerar
a guerra, a fome e a destruição do planeta, arrastando consigo a sorte dos seus
íncolas.
2022.11.22 – Louro de Carvalho
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