Estamos a falar, obviamente, das classificações
atribuídas na avaliação sumativa interna dos alunos do ensino secundário,
mormente nos cursos científico-humanísticos, que são aqueles de que,
normalmente, saem os candidatos ao ensino superior.
Essa inflação também sucede, em parte, nas
disciplinas de Português e de Matemática, em que os alunos do 9.º ano se
submetem a prova final nacional.
Os cursos profissionais regem-se por normas
específicas cujo eventual incumprimento pode ter repercussões no financiamento.
A avaliação, em cada disciplina, decorre da estrutura modular e resulta da
média ponderada, conseguida nos diferentes módulos, podendo o peso de cada um
ser diferente, consoante a sua relevância no processo de aprendizagem. E o aluno,
após o estágio (desenvolvido num só período, no fim do curso, ou períodos intermitentes,
durante o mesmo), têm a prova de aptidão profissional (PAP), apresentando relatório
perante o júri, constituído por elementos internos e externos, entre os quais o
orientador.
Decorreu, a
2 de maio às 10h30, o evento “O contributo dos dados para o conhecimento da
realidade do sistema educativo: InfoEscolas 2022”, no Teatro Thalia, em Lisboa,
com transmissão online em direto, via streaming
– uma oportunidade para a Direção-Geral de
Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) dar
a conhecer os novos dados inseridos na edição de maio de 2023 do Portal InfoEscolas
e para divulgar relatórios de informação estatística que contribuem para a
melhor compreensão e análise da informação nele apresentada.
O evento,
organizado pela DGEEC, contou com a intervenção do Diretor-Geral e da
Subdiretora-Geral, Nuno Neto Rodrigues e Filomena Oliveira, da Técnica
Superior, Patrícia Pereira, bem como de especialistas na área da Educação e do
Ministro da Educação, João Costa.
Os
relatórios de informação estatística encontram-se disponíveis na página da
DGEEC em https://www.dgeec.mec.pt/np4/1496.html.
Entre as mais de 100 escolas privadas analisadas pelos serviços do
Ministério da Educação (ME), 41 atribuem aos alunos um número anormal de classificações
de 19 e 20 valores, o que é tido como “comportamentos
desviantes”.
O ME analisou as classificações internas atribuídas aos alunos em todas as
escolas secundárias públicas e privadas de Portugal Continental, ao longo dos
últimos cinco anos letivos, e detetou um padrão
de inflação de notas muito mais comum nos colégios.
Entre as escolas privadas, a
classificação interna mais frequentemente atribuída aos alunos (moda) nos
últimos cinco anos letivos é de 20 valores em 12 disciplinas, enquanto,
no ensino público, isso acontece com apenas quatro. No total, a média total das classificações
internas atingiu os 15 valores, nas escolas públicas, e os 17 valores, nas
privadas. A Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) já determinou a
“reposição imediata da legalidade” em sete estabelecimentos de ensino, um dos
quais é público. E o ME promete rever regras para a sanção dos colégios.
O ME quis perceber em que escolas há um padrão de notas invulgarmente altas
atribuídas pelos professores aos alunos no fim de cada ano letivo. Para isso,
foi ver em quantos estabelecimentos de ensino, pelo menos 30% dos alunos,
tiveram classificação final do ensino secundário entre os 19 e os 20 valores em,
pelo menos, dois dos últimos cinco anos letivos.
No ensino público, foram detetadas quatro escolas com este perfil, num
universo total de 478 (0,8%). Já no privado, foram encontradas 41, num universo
de 101 (40,5%).
“O universo de escolas privadas é quatro
vezes menor [em relação ao do público], mas o número das que têm comportamentos
desviantes é 10 vezes superior. Este é um problema que se encontra num
subsetor do sistema de ensino e que tem levado à intervenção da Inspeção-Geral
da Educação”, enfatizou o ministro da Educação, na apresentação dos novos dados.
Para garantir que este fenómeno é devidamente sancionado, o ministro anunciou a revisão do “regime
sancionatório das escolas privadas”, para se poder dada uma “resposta
mais rígida” ao problema. Embora não tenha passado impune até agora, pois, desde 2019, já foram instaurados 85
processos disciplinares por más práticas nos critérios de atribuição de
classificações, como lembrou Luís Capela, contudo a ideia é identificar
melhor esta violação do dever de zelo.
E, já neste ano, após uma visita a 39 estabelecimentos de ensino (37
privados e dois públicos) que levantaram dúvidas pela atribuição alta de
classificações – mais de 30% dos alunos com 19 e 20 valores a, pelo menos, uma disciplina
–, a IGEC deixou a sete destas escolas a
recomendação de “reposição imediata da legalidade”, já que os critérios
de avaliação “não estavam bem delineados”. Neste
conjunto de inflação de notas, havia apenas uma escola pública, informou
ainda o responsável da IGEC.
***
Antes de avançar no desenvolvimento do tema, convém opor à atitude do ME a
veemente crítica de uma irregularidade ser, ridiculamente, “sancionada” com uma
recomendação de “reposição imediata da legalidade”.
Uma recomendação não passa disso mesmo. Consta que a um colégio foi concedido
um prazo para repor a legalidade, sob pena de cessar o seu funcionamento, o que
o terá levado a contestar a sanção em tribunal. Admite-se que, face à degradação
da autoridade do Estado, que já vem de longe, os tribunais desautorizem o ME.
Por outro lado, a culpa da infração avaliativa não está nos critérios de avaliação
definidos pelo respetivo conselho pedagógico. Ainda gostava de ver escrito um
critério segundo o qual o conselho de turma (órgão que procede à avaliação sumativa
interna) deverá subir dois ou três pontos à avaliação proposta pelo professor
da respetiva disciplina.
O axe está nas pressões encapotadas de diretores e, mesmo, de inspetores,
em tempos idos (isso foi dito por um professor pouco experiente, num “Prós e
Contras” da RTP1, perante a então titular da pasta da Educação, motivo pelo
qual foi obrigado a retratação pública). Além disso, subjaz, na mente dos professores,
o espectro dos rankings de escolas e
a necessidade de colocar o máximo de alunos no ensino superior, sobretudo nos
cursos mais apetecidos (por exemplo, medicina e engenharias).
Tudo isto se refletiu, negativamente, no processo de ensino-aprendizagem:
muitas escolas não resistiram à estandardização, havendo professores, que pressionados
por alunos, por encarregados de educação e pela produção editorial, insistiam
na resolução de batarias de fichas de avaliação construídas segundo o modelo da
prova final. Era a caça às notas!
***
Os dados disponibilizados, a 2 de maio, pelo ME, relativos ao período entre
2017/18 e 2021/22, mostram, igualmente, que as classificações atribuídas,
internamente, pelos professores nas escolas têm vindo a subir nos últimos anos,
tanto no público como no privado.
Se, em 2018, a classificação mais frequentemente atribuída nas escolas
públicas era 16 valores, nos últimos dois anos letivos, já em pandemia, foi de
17; no privado, a média de classificações mais frequentemente atribuídas subiu
de 18 para 19 valores. E não creio que o processo de ensino-aprendizagem tenha
melhorado. Ao invés, as medidas tomadas no quadro do Programa Nacional de
Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), a partir de 2016, concretizadas pelos diversos
planos de Ação Estratégica (PAE), foram atenuadas pelas dificuldades da pandemia.
Com a pandemia, por decisão do ME, os exames nacionais deixaram de contar
para o cálculo da classificação final de cada disciplina, que passou a resultar
apenas da avaliação interna feita pelos professores na escola. A medida
contribuiu para a subida das médias, pois já não se confrontaram com o
enunciado-surpresa do exame nacional que, não raro, as fazia descer.
O mesmo é visível, se olharmos apenas para as disciplinas em que a classificação
de 20 é a mais comum. No ensino público, o número de disciplinas em que a moda
das classificações é 20 subiu de quatro, em 2017/2018, para sete, em 2021/22.
Já no privado, passou de 15 para 16.
As classificações são invulgarmente altas, sobretudo nas disciplinas não
sujeitas a exame nacional. Educação
Física é a disciplina trienal com a média nacional mais elevada (16,8
valores, no público, e 18,2 valores, no privado). Nas disciplinas bienais, o
Espanhol, o Inglês e a Geometria Descritiva A são as que têm a média mais alta.
Em todos os casos, a
classificação média interna atribuída às raparigas é superior à dos rapazes,
tanto nas escolas públicas como nas privadas. No ensino público, a
diferença situa-se nos 0,4 valores, enquanto nos colégios chega aos 0,6 valores.
***
Tendo a DGEEC analisado as classificações internas atribuídas entre 2018 e
2021 e encontrado “escolas e disciplinas que chamam a atenção pelas classificações
internas singulares e sistematicamente elevadas” (no ensino privado, havia 11 disciplinas
em que a classificação mais frequente era sempre de 20 valores), a IGEC prometia,
a 27 de janeiro deste ano, visitar escolas públicas e privadas, para verificar a regularidade dos processos de atribuição de
classificações, na sequência de intervenções
inspetivas anteriores, desde 2015.
O diretor-geral dos serviços de
Estatística da Educação, Nuno Rodrigues, explicava que o objetivo da análise
então concluída era apontar pistas para que a tutela e os serviços com
responsabilidade na matéria, como a IGEC e o Instituto de Avaliação Educativa, Instituto
Público (IAVE, IP), responsável pelos exames, decidissem em conformidade, face
a padrões de distribuição de notas e desvios encontrados. Não significava que escola
com grande concentração de classificações elevadas estivesse a fazer algo de
errado, mas era preciso verificar se estava ou não.
Nesta análise de então, a DGEEC concluía
que, em 38 escolas privadas, 30% ou mais dos seus alunos obtiveram 19 ou 20
valores a, pelo menos, uma disciplina, em dois anos letivos do período
estudado. A maioria delas (25 em 38) repetiu este padrão entre 2018 e 2021. E o mesmo
exercício foi feito para as escolas públicas. Só que, neste caso, no universo
de 475 analisadas, só se encontraram duas com uma concentração invulgar de
notas máximas.
Os dados, por si só, não permitem concluir
que o setor privado transgrida mais do que o público, neste âmbito, até porque
a população escolar que frequenta o ensino privado (pago) é muito menos
heterogénea do que a do estatal, onde não é possível a seleção de alunos.
Por outro lado, o relatório da DGEEC mostra
como se atribuem as classificações disciplina a disciplina. No ensino público,
Educação Física, Inglês, Aplicações Informáticas, Biologia e Psicologia são aquelas
em que os alunos obtêm classificações mais altas. História A está no extremo
oposto. As raparigas saem-se sistematicamente melhor do que os rapazes. E é nas
disciplinas opcionais do 12.º ano, não sujeitas a exame nacional, que os
valores disparam.
Nos colégios, a classificação máxima
foi a que mais se repetiu em 11 disciplinas em cada um destes quatro anos
letivos. Em 2020/21, mais de metade (52%) dos seus alunos teve classificação final
de 20 valores a Aplicações Informáticas e 51% tiveram-na a Inglês. E 20 é o valor mais comum nas
disciplinas sem exame nacional.
Pode dizer-se que disciplinas opcionais (sem
exame) motivam mais os alunos, mas, na realidade, estando elas fora do controlo
do exame, os alunos têm vantagem em que a sua alta classificação melhore a
média do ensino secundário e facilite a classificação de ingresso no ensino
superior.
Modus in
rebus! Que as
escolas proporcionem aprendizagens e secundarizem os exames!
2023.05.02 –
Louro de Carvalho
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