De acordo com o relatório do Conselho
das Finanças Públicas (CFP) sobre “a evolução orçamental da Segurança Social e
da Caixa Geral de Aposentações em 2022”, publicado a 25 de maio, o aumento do
salário mínimo e a evolução positiva do emprego elevaram o saldo da Segurança
Social (SS), sobretudo pelas contribuições, para 4059 milhões de euros, em
2022, mais 1711 milhões de euros do que em 2021. É o maior excedente orçamental
em mais de uma década, na ótica da contabilidade pública, excluindo as
operações relativas ao Fundo Social Europeu (FSE) e do Fundo Europeu de Auxílio
às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC).
A receita
efetiva da SS, excluindo o FSE e o FEAC, apresentou um crescimento de 6,9%,
face ao ano anterior, situando-se em 34 437 milhões de euros (+2220 milhões do que
em 2021). Este resultado é, essencialmente, determinado pela rubrica
contribuições sociais, que subiu 11,8%, o que traduz o aumento das remunerações
declaradas à SS e a criação líquida de emprego, pelo enquadramento
macroeconómico favorável e pelo incremento da Retribuição Mínima Mensal
Garantida (RMMG) em 40 euros (de 665 euros, em 2021, para 705 euros, em 2022),
o que aumentou o montante mínimo da base de incidência das contribuições e
quotizações.
Estes dois
efeitos conjugados refletiram-se no aumento das remunerações declaradas à SS em
10,7%, em 2022, face a 2021 (as quais servem de base para a evolução das
contribuições sociais). No mesmo sentido, justificando o aumento das
contribuições, encontra-se a evolução positiva em 8,1% dos salários, divulgada
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Nestes
termos, o excedente resulta exclusivamente do contributo do Sistema
Previdencial, a componente contributiva da SS que serve para pagar subsídio de
desemprego e as pensões. De acordo com o CFP, o Sistema Previdencial registou
um excedente de 4167 milhões de euros, contrariamente ao Sistema de Proteção
Social de Cidadania (parte não contributiva que atribui apoios de ação social a
carenciados), que apresentou um défice de 108 milhões de euros.
Para o saldo
da ação social, o CFP adverte que “o Sistema de Proteção Social de Cidadania é
maioritariamente financiado por transferências correntes do Orçamento do Estado
(OE), contrariamente ao Sistema Previdencial”. Assim, os défices referidos
neste sistema e nos respetivos subsistemas (ação social, solidariedade e
proteção familiar), resultam de uma subestimação da despesa legalmente
suportada pelo OE.
A despesa
cresceu 1,7% ou 508 milhões de euros, face a 2021, para 30 378 milhões de
euros, devido, sobretudo, ao impacto das medidas adotadas na sequência da pandemia
(599,2 milhões de euros), que subsistem, e à implementação de novos apoios para
atenuar os efeitos inerentes ao choque geopolítico (1309,6 milhões de euros),
totalizando 1908,8 milhões de euros.
Excluindo o
impacto destas medidas, que custaram 1 908,8 milhões de euros, a despesa
efetiva teria diminuído 1,4 mil milhões de euros (4,7%), face a 2021.
Destacam-se os incrementos da despesa com pensões (6,6%), essencialmente
justificados pela criação do bónus da meia pensão e pela parcela de atualização
extraordinária de pensões, em 10 euros. E verificou-se um aumento da despesa
com outras prestações (+123,1%), que agregam as medidas de mitigação da
inflação, a ação social (+10,9%), as prestações de parentalidade (+12,4%), o
abono de família (+3,9%) e os subsídios e o complemento por doença (7,3%).
A atualização
extraordinária das pensões, em 10 euros e que terminou este ano, tem vindo a
aumentar o peso na despesa efetiva. Em 2017, primeiro ano de implementação,
esta ascendeu a 77 milhões de euros, tendo alcançado os 896 milhões em 2022.
Por seu
turno, a Caixa Geral de Aposentações (CGA), o subsistema social e contributivo
da Função Pública, registou um défice orçamental de 196 milhões de euros, tendo
o crescimento da despesa (5,1%) sido mais do dobro do registado na receita
(2,4%). Desde 2014, quando a troika saiu de Portugal, que esta entidade não
apresentava uma situação deficitária.
O saldo negativo
reflete uma deterioração de 277 milhões de euros, face ao excedente, de 81
milhões de euros, alcançado em 2021.
A receita
efetiva totalizou 10 611 milhões de euros, em 2022, mais 245 milhões de euros
do que em 2021, aumento influenciado pela transferência do OE para financiar a
medida de política respeitante ao pagamento do complemento excecional aos
pensionistas da CGA (meia pensão). Sem esse efeito extraordinário, a receita
teria diminuído 94 milhões de euros, devido ao comportamento das contribuições
para a CGA, que recuaram 111 milhões de euros ou 2,7%, em virtude, entre outros
fatores, da diminuição em 3,8% do número médio de subscritores e da redução em
0,9% da respetiva massa salarial sujeita a desconto.
A despesa
efetiva ascendeu a 10 808 milhões de euros, em 2022, mais 522 milhões do que no
ano anterior – evolução influenciada pelo pagamento do complemento excecional
aos pensionistas, no valor de 339,1 milhões de euros. Sem esse efeito
extraordinário, a despesa teria aumentado 183 milhões de euros, dos quais 141
milhões relativos a pensões e a abonos da responsabilidade da CGA. Para essa
evolução contribuiu o aumento do número médio de aposentados, (+1198,
fixando-se em 482 276), e o valor médio mensal do total das pensões de
aposentação e de reforma, que subiu de 1352 euros em 2021 para 1375 euros, em
2022.
O saldo
negativo também foi influenciado pela diminuição do rácio entre ativos e
aposentados. Assim, em 2022, por cada 80 funcionários públicos a trabalhar,
existiam 100 reformados, o que compara com o diferencial de 83 por cada 100, em
2021. Com efeito, desde o final de 2015, a população de subscritores diminuiu à
taxa média anual de 2,9%, enquanto a população de aposentados e de reformados
decresceu à taxa média anual de apenas 0,1%. Isto sucede pelo facto de o regime
da CGA estar fechado a novos subscritores desde 1 de janeiro de 2006.
***
Aumento dos salários declarados e criação líquida de emprego
explicam o recorde do excedente da SS. Receitas mais do que compensaram o aumento
das despesas com pensões e com os apoios covid, ainda atribuídos. Se todos os
anos fossem como o de 2022, a sustentabilidade da SS e das pensões nunca
estaria em risco. O crescimento superou as expectativas e traz consigo bons
sinais: cresceu mercado de trabalho e os salários (embora pouco, estes),
fazendo aumentar os descontos. O aumento das pensões, devido ao complemento
extraordinário de outubro, foi amortecido pelo aumento dos descontos dos
trabalhadores, e, em parte, por transferências do OE.
A
conclusão não é propriamente uma novidade, visto que os dados da execução
orçamental já apontavam neste sentido, mas parte de contas mais finas, por exemplo,
exclui as operações FSE e do FEAC, que influenciam os resultados.
O
valor da receita da SS surpreendeu quem fez previsões iniciais e deve-se
sobretudo ao disparo das contribuições sociais, ou seja, dos descontos dos
trabalhadores, que cresceram 11,9%, em 2022. A tendência de aumento mantém-se
este ano, devendo-se a vários fatores: o crescimento económico, que, em 2022,
surpreendeu pela positiva, o novo aumento do salário mínimo, a subida da taxa
de emprego e a dos salários declarados na economia.
As receitas
consignadas ao sistema de SS, como o imposto sobre o valor acrescentado (IVA),
parte do adicional do imposto municipal sobre imóveis (IMI) ou da derrama do imposto
sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) também aumentaram, mas a ritmo
inferior e sem a mesma expressão orçamental (mais 3,3%).
A
despesa também cresceu (mais 1,7%), em 2022, face ao ano anterior, ainda muito
influenciada pelas medidas de apoio à covid. Sem estas medidas extraordinárias,
a despesa efetiva teria diminuído 4,7% face a 2021. A subida da despesa ficou a
dever-se, principalmente, ao aumento do número de reformados, às regras de
atualização e, ainda, à criação do complemento extraordinário atribuído, em
outubro de 2022, aos reformados.
O CFP,
que já tinha deixado, em 2022, críticas a regras casuísticas de aumento das pensões
de reforma, assinala que as atualizações extraordinárias têm vindo a ganhar
peso na despesa efetiva do sistema de SS. Em 2017, o Estado começou por
desembolsar mais 77 milhões de euros, com o aumento extraordinário de 10 euros,
que se repetiu todos os anos, até que, em 2022, foi atribuída mais meia pensão
aos reformados, com o custo 896 milhões de euros. Contudo, ao invés do sucedido
em anos anteriores, a despesa adicional não foi incorporada no valor base da
pensão e não foi suportada pelo orçamento da SS, mas pelo OE.
***
Esta situação é um dos dados do combate à
pobreza. Porém, a meta definida, neste âmbito, em 2021, só está cumprida a 20%
pelo que o governo avança com prestação social única em 2024.
Há dois anos, o governo assumiu a meta de retirar da pobreza 765 mil
pessoas até 2030. O objetivo é um dos vários assumidos no quadro do Pilar
Europeu dos Direitos Sociais e só está cumprido a 20%. Antecipando o Fórum
Social, que arrancou no Porto, a 25 de maio, a Ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social fez um balanço das metas nacionais e apontou a
valorização de salários e a simplificação dos apoios sociais, onde se enquadra,
como uma das prioridades estratégicas, a criação da prestação social única.
Em 2021, na Cimeira Social do Porto, que teve como
pano de fundo o plano de ação da Comissão Europeia para o desenvolvimento do
Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o governo, tal como outros Estados-membros,
assumiu várias metas estratégicas no âmbito do emprego, da proteção social e do
combate à pobreza, a atingir até 2030. Um dos compromissos foi o de retirar da
pobreza e exclusão social 765 mil pessoas. Estamos longe de atingir essa meta.
Ana Mendes Godinho, entretanto, sublinha as “melhorias
alcançadas nos últimos indicadores de pobreza do país, apesar da pandemia, da
escalada da inflação e da incerteza económica. Porém, admite que é preciso
ganhar terreno neste indicador, valorizando os salários e agilizando as
políticas e os apoios sociais. Inscrita no programa do Governo e a chegar ao
tereno em 2024, a criação da prestação social única aumentará a eficácia dos
apoios.
Com os líderes dos vários Estados-membros da União
Europeia (UE), ministros do Trabalho e representantes de países candidatos à
UE, reunidos no Porto, no âmbito do Fórum Social, é tempo de balanço e de
reafirmação das metas que reforçam a convicção de que a prosperidade económica
da UE é indissociável da sua dimensão social. Matérias como o emprego e a
inclusão social, o combate à pobreza ou as políticas de habitação dominaram o Fórum
Social.
E, se no pilar do emprego, Portugal já cumpriu a meta
mínima assumida pela UE (78%) e está a 0,5% de cumprir a meta mais ambiciosa de
2021 – alcançar a taxa de emprego de 80% na população entre os 20 e os 64 anos –
e atingiu o objetivo de colocar a taxa de jovens NEET (não estudam, nem
trabalham) abaixo dos 8%”, no combate à pobreza o caminho está mais lento.
Em 2021, 16,4% dos portugueses estavam em risco de
pobreza e 19,4% em situação de pobreza ou exclusão social. A meta assumida pelo
governo passa pela redução da taxa de pobreza para 10%, até 2030. Nos últimos dois anos as políticas públicas e
os apoios sociais retiraram deste grupo 170 mil pessoas. E os dados disponíveis
para 2021 apontam para a redução da taxa de risco de pobreza nas crianças de
20,4%, em 2019, para 18,5% – melhorias que resultam da eficácia de políticas
públicas adotadas, mantendo o investimento estrutural em áreas críticas.
A reforma das prestações sociais não contributivas
prevê a criação da Prestação Social Única, que substituirá o Rendimento Social
de Inserção (RSI), o Complemento Solidário para Idosos (CSI) ou a Prestação
Social para a Inclusão (PSI).
No Porto, os Estados-membros fizeram um balanço dos
avanços nas metas sociais definidas em 2021 e do impacto do contexto económico
europeu nos objetivos definidos. E Mendes Godinho diz-se “otimista quanto à
capacidade de Portugal cumprir os objetivos que definiu até 2030”, garantindo
que não estava em cima da mesa “a renegociação destas metas”. Seja!
2023.05.25
– Louro de Carvalho
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