O processo
de ‘Diálogo Político’, lançado em 2004, pelo “Protocolo Relativo ao Papel dos Parlamentos
Nacionais na União Europeia” – previsto no Tratado de Lisboa (estabelece uma
Constituição para a Europa e institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica)
e publicado no Jornal Oficial da União Europeia,
a 12 de dezembro daquele ano – permite,
desde 2005, que os parlamentos nacionais apresentem contribuições escritas (pareceres)
à Comissão Europeia sobre qualquer tipo de documento oficial elaborado por
esta.
Face ao mecanismo
de diálogo criado pelo Protocolo, importa saber até que ponto os parlamentos
nacionais se valem dessa oportunidade, quando intervêm, o que dizem e se
alguém os escuta.
Valentin Kreilinger,
num artigo cuja apresentação e discussão foram agendadas para 16 de maio deste
ano, numa mesa redonda do SIEPS (Instituto Sueco de Estudos de Política Europeia) – agência governamental
independente que conduz e promove pesquisas e análises de assuntos políticos
europeus – sustenta que o papel dos
parlamentos nacionais no trabalho da União
Europeia (UE) aumentou ao longo do
tempo.
O autor do estudo é doutorado pela Hertie
School em Berlim sobre o papel dos parlamentos nacionais na governação económica
da UE e pesquisador sénior em Ciência Política SIEPS. A sua investigação
centra-se no envolvimento dos parlamentos nacionais na formulação de políticas
da UE, bem como no seu escrutínio dos assuntos europeus, na evolução da
cooperação interparlamentar e no papel do Parlamento Europeu (PE).
Através do ‘Diálogo
Político’, os diversos parlamentos nacionais têm a oportunidade de interagir
diretamente com a Comissão Europeia. Nesta análise de política europeia, o
pesquisador examina como os parlamentos nacionais usam o diálogo e propõe
algumas maneiras pelas quais ele pode ser aprimorado, tal como examina como a
participação destes parlamentos no diálogo político mudou, desde que foi introduzida
e como varia entre os Estados-membros, refletindo preferências por certos
instrumentos para influenciar e escrutinar os assuntos da UE em detrimento de
outros.
Entre diversas
descobertas, sobressai que a Assembleia da
República (AR) de Portugal é de longe o parlamento nacional mais ativo no
diálogo político, desde que o processo foi lançado em 2005; as legislaturas da
Europa Central e Oriental emitiram muito mais pareceres sob a Comissão Juncker
do que durante o mandato anterior (o segundo de José Manuel Barroso); e, no caso
de sistemas bicamarais, as câmaras superiores são geralmente mais ativas do que
as inferiores.
O documento
também apresenta propostas concretas sobre como tornar o diálogo político mais
focado e dar-lhe mais “dentes”.
***
O protocolo
em referência releva a forma como os parlamentos nacionais controlam a ação dos
respetivos governos, no tocante às atividades da UE, em obediência à
organização e às práticas constitucionais próprias de cada Estado‑membro,
incentiva a uma maior participação dos parlamentos nacionais nas atividades da
UE e reforça a sua capacidade de exprimirem as suas opiniões sobre os projetos
de atos legislativos europeus e outras questões que possam, para eles, revestir
especial interesse.
Nestes
termos, as altas partes contratantes acordaram
no seguinte:
A Comissão
envia diretamente aos parlamentos nacionais os seus documentos de consulta,
aquando da sua publicação, e o programa legislativo anual e qualquer outro
instrumento de programação legislativa ou de estratégia política, quando os
envia ao PE e ao Conselho.
São enviados
aos parlamentos nacionais os projetos de atos legislativos europeus dirigidos
ao PE e ao Conselho, entendendo-se por “projecto de ato legislativo europeu” as
propostas da Comissão, as iniciativas de um grupo de Estados‑membros, as iniciativas
do PE, os pedidos do Tribunal de Justiça (TJ), as recomendações do Banco
Central Europeu (BCE) e os pedidos do Banco Europeu de Investimento (BEI), que
tenham em vista a adoção de um ato legislativo europeu.
O PE
envia os seus projetos de atos legislativos europeus diretamente aos
Parlamentos nacionais. O Conselho envia aos parlamentos nacionais os projetos
de atos legislativos europeus emanados de um grupo de Estados‑membros, do TJ,
do BCE ou do BEI.
Os parlamentos
nacionais podem dirigir aos presidentes do PE, do Conselho e da Comissão um
parecer fundamentado sobre a conformidade de determinado projeto de ato
legislativo europeu com o princípio da subsidiariedade, nos termos do protocolo
relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
Se o
projeto de ato legislativo europeu emanar de um grupo de Estados‑membros, o presidente
do Conselho enviará o parecer fundamentado ou os pareceres fundamentados aos
governos desses Estados‑membros. Se emanar do TJ, do BCE ou do BEI, o presidente
do Conselho enviará o parecer fundamentado ou os pareceres fundamentados à instituição
ou órgão em questão.
Deve
mediar um prazo de seis semanas entre a data em que um projeto de ato legislativo
europeu é transmitido aos parlamentos nacionais, nas línguas oficiais da UE, e
a data em que o projeto é inscrito na ordem do dia provisória do Conselho, com
vista à sua adoção ou à adoção de uma posição no âmbito de um processo
legislativo.
São
admissíveis exceções em casos de urgência, cujos motivos devem ser
especificados no ato ou posição do Conselho. Salvo em casos urgentes
devidamente fundamentados, durante essas seis semanas, não poderá verificar‑se
qualquer acordo sobre o projeto de ato legislativo europeu e deve mediar um
prazo de dez dias entre a inscrição do projeto de ato legislativo europeu na
ordem do dia provisória do Conselho e a adoção de uma posição.
As
ordens do dia e os resultados das reuniões do Conselho, incluindo as atas das
reuniões em que o Conselho delibere sobre projeto de atos legislativos
europeus, são transmitidos direta e simultaneamente aos parlamentos nacionais e
aos governos dos Estados‑membros.
Quando o
Conselho Europeu pretenda recorrer aos números 1 ou 2 do artigo IV‑444.º da
Constituição, os parlamentos nacionais serão informados da iniciativa do
Conselho Europeu, pelo menos seis, meses antes de ser adotada qualquer decisão
europeia.
O
Tribunal de Contas envia o seu relatório anual, em simultâneo, não só ao PE e
ao Conselho, mas também, a título de informação, aos parlamentos nacionais.
O PE e
os parlamentos nacionais definem, em conjunto, a organização e a promoção de
uma cooperação interparlamentar eficaz e regular ao nível da UE.
Uma
conferência dos órgãos parlamentares especializados nos assuntos da UE pode
submeter ao PE, ao Conselho e à Comissão qualquer contributo que considere
adequado. Além disso, essa conferência promove o intercâmbio de informações e
de melhores práticas entre os parlamentos nacionais e o PE, incluindo entre as comissões
especializadas. Pode ainda organizar conferências interparlamentares sobre
assuntos específicos, designadamente em matéria de política externa e de
segurança comum, incluindo de política comum de segurança e defesa. Os
contributos da conferência não vinculam os parlamentos e não condicionam as
respetivas posições.
Não há
dúvida de que a plataforma de diálogo estabelecida pelo protocolo em causa, se
for levada a sério, é interessante. Resta saber, então, por que motivos estão
os cidadãos europeus tão afastados do funcionamento da UE e por que motivo há
tantas diretivas que os parlamentos nacionais têm de transcrever quase acriticamente
e ao arrepio dos interesses nacionais, por vezes, restringindo ao máximo as
liberdades e direitos dos cidadãos, como é, por exemplo, o caso da proposta nova
lei do tabaco a apresentar à AR.
***
Em todo o caso, é de salientar, com o professor Vital Moreira, essa posição
dianteira da AR no ‘Diálogo Político’ com a Comissão Europeia, “medido pelo número de tomadas de
posição enviadas”, dianteira que se mantém, ainda que somemos “a contribuição
das duas câmaras nos muitos países de bicamaralismo parlamentar”, como é o caso
da Alemanha, da França e da Itália.
Sustenta o
renomado constitucionalista que este “notável
desempenho” honra a AR” e que muito se deve “ao zelo da sua Comissão de
Assuntos Europeus e à liderança desta”.
Defende Vital Moreira que o sistema de “federalismo cooperativo” tem como “crucial” a
intervenção das instituições nacionais na ação das da UE, não se limitando à
participação dos governos nacionais no Conselho Europeu e no Conselho da União.
“Também os parlamentos nacionais, como titulares do poder legislativo, devem
poder transmitir as suas posições quanto ao exercício do poder legislativo da
União junto das competentes instituições.”
Com efeito, o
Tratado de Lisboa, através do protocolo referenciado e cujo conteúdo foi
sintetizado, institucionalizou e reforçou “esse papel dos parlamentos
nacionais, tanto quanto às iniciativas legislativas, como, em especial, no
escrutínio do respeito pelo princípio da subsidiariedade (no exercício das
competências partilhadas com os Estados-membros)”.
Gosto de ver
as instâncias portuguesas na vanguarda do diálogo internacional e gostaria de
as ver mais apostadas na solução dos problemas nacionais, libertas dos casos menores,
das capelinhas governativas no Estado e nas empresas, bem como dos egoísmos de
partido, de clube, de empresa ou de grupo social ou cultural. E pluribus unum deveria ser o lema
geral.
2023.05.12 – Louro de Carvalho
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