Quem o afirmou não foi nenhum dirigente sindical, nem qualquer líder da
oposição, mas o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, após uma
reunião com o ministro das Finanças, Fernando Medina, a 19 de maio, em Lisboa,
aonde chegou para participar na reunião do grupo Bilderberg, num hotel da
capital, em curso até ao dia 21.
Em conferência de imprensa conjunta com o ministro das Finanças, o comissário
europeu da Economia, observando que, “em alguns setores em que a procura foi
especialmente forte e houve níveis extraordinários de lucros”, o setor privado
e os sindicatos podem encontrar “margem de manobra para aumentar o poder de
compra” dos trabalhadores, não contribuindo, nesse caso, os aumentos salariais
para o aumento da inflação. E isso será benéfico para inverter a situação de
perda do poder de compra dos trabalhadores.
O recém-divulgado Relatório do Conselho de Administração do Banco de
Portugal de 2022 refere que, no ano passado, houve empresas que beneficiaram da
conjuntura de aumento dos preços e terão aumentado as suas “margens de lucro”.
E o Banco Central Europeu (BCE) tem discutido o impacto das margens de lucro
das empresas no surto inflacionista.
Questionado pelos jornalistas sobre se o ambiente de
instabilidade política porá em causa as previsões económicas da Comissão
Europeia (CE) para Portugal, Paolo Gentiloni afirmou que a consolidação
orçamental e o crescimento económico denotam o bom trabalho das autoridades
portuguesas. Na verdade, “cada país enfrenta os seus próprios problemas”, mas o
caminho feito pelas autoridades portuguesas é “muito estável e coerente”.
O comissário destacou a queda da nossa dívida pública, face ao
produto interno bruto (PIB), que foi de 113,9%, em 2022, e que Bruxelas prevê
que desça para 106,2%, em 2023), bem como o nosso crescimento económico.
É de recordar que, recentemente, nas previsões económicas de
primavera, a CE reviu em alta a projeção de crescimento da economia portuguesa
deste ano para 2,4%, a terceira maior taxa da Zona Euro, ajudada pelo turismo,
revelando-se mais otimista do que a do governo. Em 2022, a economia portuguesa
cresceu 6,7%. Por outro lado, Bruxelas melhorou a projeção de crescimento do
PIB português, para este ano, face aos 1%, previstos em fevereiro, e manteve a
previsão de uma taxa de 1,8% para 2024. A previsão para este ano coloca
Portugal no ‘top três’ dos países da Zona Euro com a maior taxa de crescimento
deste ano, a par da Grécia, apenas ultrapassados pela Irlanda (5,5%) e por Malta
(2,4%).
A 15 de maio, em Bruxelas, Paolo Gentiloni, destacou as
“previsões positivas” apontadas, bem como a redução do défice em 2023 (de 0,4%
do PIB em, 2022, para 0,1%, neste ano), apesar das “medidas significativas”, face
à crise energética.
Desta vez, em Lisboa, questionado sobre as medidas
temporárias de apoio na área da energia, afirmou que, segundo as estimativas de
Bruxelas, tais medidas deverão progressivamente desaparecer: representaram 2%
do PIB, em 2022, deverão representar 0,8% do PIB, neste ano, até serem
eliminadas, em 2024.
O comissário europeu com a pasta da Economia frisou, a 15 de maio, que o
saldo orçamental previsto para Portugal “é melhor do que o de outros
Estados-membros”. Com efeito, o crescimento de 2,4%, projetado por Bruxelas
para Portugal, é o dobro da média da União Europeia (UE) – um cenário positivo,
portanto.
Também salientou que “o saldo orçamental é melhor do que o de outros
Estados-membros”, apesar das medidas “com impacto orçamental significativo”
tomadas para mitigar a subida dos preços da energia. Paolo Gentiloni lembra que,
neste ano, “14 Estados-membros deverão ter um défice superior à famosa fasquia
dos 3% do PIB”, mas contrapõe que “não é o caso de Portugal”.
Bruxelas prevê que o défice das contas públicas, neste ano, fique pelos
0,1% do PIB, uma previsão melhor do que a do governo, já que, no Programa de
Estabilidade, apresentado em abril, a equipa do ministro das Finanças inscreveu
um défice para, este ano, de 0,4% do PIB, em linha com o défice de 2022. Ainda,
segundo as projeções de Bruxelas, só dois países da zona euro terão um saldo
orçamental mais favorável do que Portugal este ano: Irlanda e Chipre, com
excedentes de 1,7% e de 1,8% do PIB respetivamente.
Contudo, Bruxelas destaca o declínio do poder de compra das famílias nos
últimos trimestres, penalizado pela inflação e pela subida das taxas de juro. É
uma contradição com o cenário macroeconómico positivo traçado, mas, para Paolo Gentiloni,
“a contradição está na realidade”. Com efeito, prevê-se um crescimento mais
forte dos salários, em 2024, mas, neste ano, o “crescimento não foi suficiente
para manter o poder de compra face à inflação”. Neste contexto, o comissário
reconheceu que há uma dimensão social a ter em conta, mas deixou um aviso a Portugal:
“É preciso evitar um crescimento dos salários que alimente uma espiral
inflacionista.”
Lembrando que “vários países, incluindo Portugal, adotaram medidas para
apoiar o poder de compra das famílias”, como a isenção do imposto sobre o valor
acrescentado (IVA) em bens essenciais e o aumento das pensões e dos salários da
função pública, notou que, “nalguns setores onde se verificou forte procura,
que tinha sido reprimida, havia espaço nas margens de lucro para acomodar um
aumento dos salários”. Porém, como alertou, essa margem “pode estar a diminuir”.
***
Por sua vez, o ministro das Finanças disse, na
referida conferência de imprensa, que as novas regras orçamentais em discussão
na UE não devem ser “fonte de problema”, agravando a crise em momentos negativos,
pois, “aprendendo com as lições do passado”, as regras orçamentais têm um caráter
cada vez mais anticíclico, pelo que não serão, como aconteceu no passado, “uma
fonte de problema, do ponto de vista da gestão orçamental e financeira”.
É verdade que a CE apresentou, a 26 de abril, as
propostas legislativas formais para rever o modelo de governação económica na
UE, que se traduzirão numa flexibilização dos objetivos de endividamento dos
Estados-membros. Estão em causa as regras orçamentais que os Estados-membros
terão de cumprir e que vão manter os conhecidos tetos de 3% do PIB, para o
défice orçamental, e de 60% do PIB, para a dívida – limites que vêm do Tratado
de Maastrich. Contudo, é dado mais tempo e maior margem de manobra aos
Estados-membros para reduzirem a dívida. Assim, cai a polémica regra de redução
da dívida ao ritmo de 1/20 ao ano, para os países que estão acima da linha
vermelha dos 60% do PIB (para a dívida que excede os 60%), ritmo irrealista que,
praticamente, nenhum governo cumpria. Em alternativa, os países ganham
flexibilidade e a possibilidade de desenharam os próprios planos de redução de
dívida.
Com as regras orçamentais na UE ainda suspensas, no
seguimento da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, mas estando assente
que voltam a vigorar em 2024, a CE está numa corrida contra o tempo, para rever
o modelo de governação económica na UE. O objetivo é o consenso entre os
Estados-membros e a aprovação da reforma antes do final do ano.
Reconhecendo que as regras atuais são muito complexas,
que impõem exigências irrealistas no atinente à redução da dívida, sobretudo
dos países mais endividados, e têm poucos incentivos ao investimento e ao
desenvolvimento de reformas estruturais, Bruxelas aponta, agora, trajetórias de
redução da dívida articuladas com os governos de cada país.
A despesa líquida será o indicador de referência a
monitorizar por Bruxelas e as condições de ajustamento dependerão das condições
específicas de cada país. Nesse sentido, um elemento central nas propostas de Bruxelas
é que os países apresentem planos nacionais de médio prazo, que combinam
política orçamental, reformas estruturais e investimentos prioritários, com um
horizonte de quatro anos, período que pode, em certos casos, ser estendido em
mais três anos.
Os planos são desenhados pelos países e propostos à
Comissão, que os avalia, mas têm, depois, de ser aprovados pelos ministros das
Finanças da UE.
Com base nesses planos, a Comissão fará uma análise à
sustentabilidade da dívida, definindo limites anuais para a despesa líquida,
que mantenham o défice abaixo dos 3% do PIB e a dívida numa trajetória
descendente – o que terá de ser respeitado pelos países nos orçamentos
nacionais.
Será esse o indicador operacional para monitorização
pela CE e para a adoção de procedimentos corretivos, que são reforçados. É o
caso do procedimento por défice excessivo (PDE) para os países que não cumprem
a redução da dívida.
A Comissão nunca abriu um PDE para os países com
dívida elevada e que não cumprem o critério da dívida (só abriu para os que não
cumprem o défice). Porém, com as novas regras, torna-se mais claro e simples
lançar um procedimento corretivo e aplicar sanções.
Além disso, aos países com défice acima dos 3% do PIB
é exigida ainda uma redução de meio ponto ao ano, até alcançarem tal fasquia. E
cai o indicador de evolução do saldo orçamental estrutural (que exclui os
efeitos do ciclo económico e medidas extraordinárias) atualmente previsto nas
regras.
A Comissão pretende que os países comecem a preparar o
plano de redução da dívida para o próximo ano, para o período 2025-2028. Mas
isto implica que os 27 cheguem a um consenso e aprovem as novas regras antes do
final do ano, objetivo ambicioso, mas possível.
Para Fernando Medina, em nenhum caso, a proposta
compromete a estratégia de crescimento da economia portuguesa, uma vez que o
ponto mais forte da proposta é precisamente “procurar evitar que as regras
tenham caráter pró-cíclico, que, em período de crise ou de crescimento baixo,
as regras obriguem a esforços de consolidação orçamental que só agravam a
situação”.
Medina voltou a dizer, tal como já tinha dito no final
de um Eurogrupo informal, em fins de abril, que, mesmo com a retoma das regras
da UE, em 2024, para dívida e défice, com ou sem trajetória mais flexível de
redução, Portugal não terá problema em cumpri-las.
***
Pelo contexto de tensões geopolíticas e perturbações
nos mercados pela guerra da Ucrânia, a suspensão temporária das regras do Plano
de Estabilidade manteve-se por mais um ano, até final de 2023, prevendo-se que
as regras orçamentais sejam retomadas em 2024. Penso que, tal como Fernando
Medina, ao comentar, a 15 de maio, as previsões da CE, se estribava na
necessidade da prudência orçamental, Bruxelas deveria conter-se na manutenção
da suspensão das regras orçamentais da UE até se definir o quadro da evolução
da guerra.
Por outro lado o BCE, os bancos centrais dos
Estados-membros e os governos deveriam exercer o seu poder de influência, a uma
só voz, no sentido de os bancos se conterem na transferência da crise
económico-financeira para os clientes. Os lucros da banca, a partir do aumento
dos juros e do aumento das comissões, são obscenos, face às dificuldades das
famílias e das pequenas e médias empresas, altamente oneradas pelo fisco, pelos
custos de produção e pelo custo de vida.
É indecente que, em Portugal, com território a
esvair-se e em inverno demográfico, em média os gestores aufiram 32 vezes mais
do que o salário médio dos seus trabalhadores. O Jornal de Notícias, de 19 de maio, refere os presidentes das
comissões executivas da Jerónimo Martins, da Mota-Engil, da Sonae e do BCP, com
rendimentos, em 2022, respetivamente, 304,5 vezes mais, 78,5 vezes mais, 72,5
vezes mais e 45,8 vezes mais do que o rendimento médio dos seus trabalhadores.
Isto, para não falar de vários oportunismos que pululam na sociedade e que a
comunicação social vem denunciando. Entretanto, o funcionário público tem o
aumento de 1%!
2023.05.19 – Louro de Carvalho
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