O primeiro-ministro espanhol (PM), Pedro Sánchez, anunciou, a
29 de maio, que vai dissolver o Parlamento, no dia 30, e convocar eleições
gerais para 23 de julho. A decisão ocorreu após derrota do Partido Socialista
Operário Espanhol (PSOE) nas eleições regionais e municipais que ocorreram no
domingo, dia 28 de maio.
A decisão de dissolver o Parlamento, num regime de monarquia
parlamentarista, como é o de Espanha, cabe ao primeiro-ministro, que foi
escolhido pelo próprio Parlamento e reconhecido pelo rei, que é o chefe de Estado, responsável pelo exército
do país e por reconhecer o PM.
Em discurso no dia 29 de maio, o líder do PSOE e chefe do governo,
disse que decidiu convocar novas eleições para que “o povo espanhol tome a
palavra para decidir o rumo político do país”, decisão que já comunicou ao rei
Felipe VI. E reconheceu a sua responsabilidade na derrota do partido que
lidera: “Assumo, em primeira pessoa, esses resultados e acredito ser importante
submeter o nosso mandato democrático à vontade popular.”
A seis meses das eleições legislativas nacionais (estavam prevista
para o fins de dezembro), o partido do chefe de governo sofreu um revés. Num pacífico
dia de eleições em todos os municípios e em 12 das 17 regiões autónomas, os
espanhóis usaram do direito de voto para a escolha das lideranças locais e das
lideranças referidas autonomias regionais.
O Partido Popular (PP), liderado por Alberto Núñez Feijóo,
que havia feito destas eleições um plebiscito sobre Pedro Sánchez, conseguiu um
dos seus principais objetivos. Por sua vez, o PSOE perdeu a prefeitura de Sevilha, maior cidade da
Andaluzia (sul) e um dos seus redutos, em benefício do PP. O partido também
fracassou na tentativa de recuperar a prefeitura de Barcelona, grande metrópole
da Catalunha, que ocupou de 1979 a 2011, embora possa tentar um acordo com
outros partidos de esquerda para governar em coligação.
A participação nas eleições municipais foi de 63,89%, menor
do que nas eleições de 2019 (65,19%). E, embora os nomes de Pedro Sánchez e de Alberto
Feijóo não estivessem em nenhum boletim, o que estava em jogo era importante
para o futuro de ambos.
Estas eleições mostram que a vontade de mudança e esta
alternativa (a do PP) é imparável, para as legislativas, como disse, em
conferência de imprensa, Cuca Gamarra, porta-voz do PP,.
Chefe do governo desde 2018, Sánchez chegou a este ato
eleitoral com desvantagens: o desgaste do poder, bem como a inflação elevada –
embora inferior à da maioria dos países europeus – e a consequente queda do
poder de compra. Além disso, a imagem do governo sofreu com os repetidos confrontos
entre os parceiros de coligação: os socialistas e a esquerda radical do
Podemos, que também sofreu um retrocesso, segundo os resultados parciais.
Sánchez fez campanha exaltando o seu governo, especialmente em
matéria económica. Porém, surtiu mais efeito a campanha de Núñez Feijóo, sob a
acusação a Sánchez de ser subordinado da esquerda radical e dos partidos
separatistas do País Basco e da Catalunha, que costumam apoiar o governo para
aprovar as suas reformas.
E, se o objetivo do chefe do governo era resistir, o de Núñez Feijóo conseguir
o maior número de votos, a nível nacional, nas municipais e tirar ao PSOE o
maior número possível de regiões, para mostrar que o país já não quer o líder
socialista.
O problema, para o líder da direita, é que precisa da extrema-direita
do Vox, a terceira maior força no Parlamento nacional, para formar o governo em
algumas regiões e, mesmo a nível nacional, nas eleições gerais. E Núñez Feijóo
sabe que as eleições legislativas se vencem com um discurso mais de centro. Com
efeito, o Vox fez grandes avanços, alcançando o terceiro lugar nas eleições
municipais e entrando em vários parlamentos regionais, onde o seu apoio será
absolutamente decisivo para que a direita derrube a esquerda, como vincou o
líder, Santiago Abascal.
***
Em 12 regiões que foram a votos (num total de 17), os socialistas (centro-esquerda)
governavam nove e ficam apenas com três. E o poder dependerá de pactos com
outros partidos. O PP (direita, a maior força da oposição) conquistou seis
regiões, e os municípios de várias das principais cidades. Foi quase um maremoto. Quase todo o poder regional e parte do
municipal do PSOE esfumaram-se, por vontade do eleitorado. O grande beneficiado
foi o PP, que fez das eleições locais a primeira volta das legislativas,
reforçando a figura do seu líder.
Os socialistas perderam seis das dez comunidades
autónomas que governavam e as câmaras municipais de cidades emblemáticas como
Sevilha. Em Madrid, o PP reforça-se com dupla maioria absoluta, no governo
regional, chefiado por Isabel Díaz Ayuso, e na autarquia, de José Luis
Martínez-Almeida. “É um resultado muito mau”, reconheceu a porta-voz do PSOE e
ministra da Educação, Pilar Alegría, na sede madrilena da formação governante,
à qual acorreram poucos militantes em ambiente funéreo. “Entendemos a mensagem
de que temos de fazer as coisas melhor”, acrescentou, anunciando uma reunião do
Comité Federal do PSOE, com a presença de Sánchez, que terá decidido a
antecipação das legislativas, devendo as candidaturas ser apresentadas até 9 de
junho.
Segundo os analistas, o desaire nasce do repúdio de
muitos eleitores pela figura do chefe do governo, acusado de incumprir
promessas, como a de não se aliar à esquerda radical (Unidas Podemos, parceiro
de coligação) ou a de não procurar o apoio parlamentar de separatistas catalães
e bascos, alguns destes ligados ao terrorismo da extinta Euskadi Ta Askatasuna
(Euskadi Pátria e Liberdade), a organização separatista basca, mais conhecida
pela sigla ETA. E, dentro de portas, também
há críticas, mas não um movimento relevante que questione a permanência de
Sánchez na liderança do partido.
Na sede do PP, o sentimento era eufórico. Centenas de
simpatizantes com bandeiras espanholas aguardaram a comparência na varanda dos
exultantes Feijóo, Ayuso e Almeida, que consolidaram a suas lideranças. “O meu
momento chegará, se os espanhóis quiserem”, assegurou Feijóo, que confia na
vitória nas legislativas. “Iniciámos a revogação do sanchismo”, afirmou.
Outro vencedor é Santiago Abascal, presidente do
partido de extrema-direita Vox, que passa de 500 vereadores a mais de 1700 e de
49 deputados regionais a 119, e cuja presença se tornará imprescindível para
formar governos estáveis na maioria das comunidades e nos municípios onde o PP
venceu sem maioria absoluta. Exprimiu otimismo ilimitado: “Consolidámos o nosso
projeto contra o socialismo, o comunismo e os seus sócios separatistas e
terroristas.”
Abascal criticou o sistema de autonomias regionais:
“Põe os espanhóis uns contra os outros, torna-nos desiguais, tira-nos
liberdades e mina o projeto comum de Espanha”.
Dos cerca de 35 milhões de eleitores, e com
participação ligeiramente abaixo da de 2019 (a abstenção cresceu um ponto
percentual, para 36%: também foi de dia de chuva intensa), o PP obteve 31,5%
dos sufrágios; o PSOE fica com 28,11% e o Vox 7,18%. A Unitat Popular (UP) sofre
significativo desgaste e os conservadores liberais do Cidadãos (Cs) desaparecem
do mapa.
O PP engole quase todos os 1,8 milhões de votos que o
Cs obtivera em 2019. Já a fragmentação de forças à esquerda do PSOE prejudica
este último. A desmobilização do eleitorado de esquerda tem de ser tida em
conta. Pesarão muito os 12 milhões que não foram às urnas.
O diário progressista El País, em editorial do dia 29, comentava que “a grande novidade
que o PP enfrenta são muitos municípios e todas as comunidades autónomas”,
exceto Madrid, onde, para governar, terá de pactuar com uma formação de
extrema-direita que questiona, claramente, alguns princípios da democracia. E
advertia os socialistas: “O PSOE deve assumir o erro de uma campanha eleitoral
que converteu em nacional, com o primeiro-ministro a anunciar, em comícios, as
ações do governo, encaradas como promessas eleitorais.”
“A divisão da
esquerda em várias opções, por vezes enfrentadas, é demolidora num sistema
eleitoral como o espanhol, sobretudo se os adversários de direita surgem
agrupados em apenas duas formações, PP e Vox. A unidade da esquerda é a única
opção de competir com alguma possibilidade de êxito com a vaga conservadora que
assola a Europa”, considera José Damíán Recarte, professor de Teoria Política
na Universidade de Castela La Mancha.
Das grandes comunidades autónomas que o PSOE
governava, a sós ou em aliança com grupos de esquerda, sobram apenas Castela La
Mancha, dirigida por Emiliano García Page, um dos maiores críticos internos de
Sánchez, Astúrias (com apoio de esquerda) e Navarra (onde depende do Bildu,
partido nacionalista radical basco herdeiro da Batasuna, braço político da
ETA). E territórios como o da Comunidade Valenciana, o de Aragão, o da Extremadura
ou o das Baleares passam para mãos conservadoras. A Cantábria, onde o PSOE
estava coligado com o Partido Regionalista da Cantábria (PRC), será governada
pelo PP.
A esquerda também perde nas grandes cidades, como
Barcelona ou Valência. Na primeira, acaba a etapa de Ada Colau (do Em Comum
Podemos, ramo catalão da UP), a favor do nacionalista conservador Xavier Trías
(Juntos pela Catalunha), que foi presidente da câmara entre 2011 e 2015 (Trias
venceu, mas não é certo que recupere a autarquia, depende dos pactos entre
partidos, pois em Espanha não há, ao contrário de Portugal, garantia de o mais
votado ser presidente da câmara.
Em Valência, o regionalista de esquerda Joan Ribó, do
partido Compromisso, passará a pasta à feminista liberal María José Catalá, do
PP. Sevilha, uma das esperanças socialistas na Andaluzia, outrora seu principal
viveiro de votos, rendeu-se a José Luis Sanz, do PP, que venceu nas oito
capitais de província andaluzas e governará na região com maioria absoluta. Em
Valladolid, Óscar Puente, putativo sucessor de Sánchez, foi derrotado pelo PP.
Já em Vigo, o ex-ministro socialista Abel Caballero foi reeleito para o quinto
mandato à frente do município.
Fora da contenda PSOE-PP, sobressai o resultado do
Euskal Herria Bildu (Unir o País Basco), da esquerda radical separatista, que,
em muitos municípios do País Basco e em Navarra, supera o Partido Nacionalista
Basco (PNV), moderado e conservador. A decisão do Bildu de apresentar 44
ex-terroristas da ETA como candidatos (sete dos quais condenados por
assassínio) mobilizou votos bascos e navarros, embora tenha caído mal, a nível
nacional, e justificado críticas a Sánchez por confiar no apoio parlamentar desta
força política.
Ignacio Escolar, diretor do jornal digital Eldiario.es, assumidamente de esquerda,
inquiria: “Está tudo perdido para as legislativas. Este resultado é antecâmara
de um governo do PP e do Vox? Olhando para os resultados, é claro que Feijóo é
favorito para ganhar, não só pela vitória em votos do bloco da direita, não só
pela força do poder autonómico e municipal, que jogará a seu favor, mas pela
atonia e a singeleza refletidas no arco político da esquerda.”
***
A decisão de Pedro
Sánchez é ousada, mas comporta um risco muito
grande. Por um lado, dá pouco tempo aos opositores de planearem, com eficácia,
um ato eleitoral em tão pouco tempo e pode descredibilizar o PP, devido à sua
política de alianças à extrema-direita em ascensão; por outro lado, terá
dificuldade em evitar a agudização do desgaste governo, não se livra da acusação
de colagem a alguma esquerda radical e dificilmente concitará o interesse
eleitoral dos abstencionistas de centro-esquerda, cada vez mais desiludidos.
Além disso, o governo parece desvalorizar a força da extrema-direita em
ascensão no Mundo, a que a Espanha não está imune.
Tanto assim é que o PP se congratula com a antecipação
de eleições e com o novo ciclo.
Em todo o caso, Sánchez tem a ousadia de provocar a clarificação
da vontade do eleitorado. Oxalá que das eleições legislativas antecipadas não
resulte uma situação pantanosa!
2023.05.29
– Louro de Carvalho
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