O
turismo é um dos motores da economia portuguesa, com o sol na proa da
publicidade, a atrair milhões de cidadãos nórdicos que, todos os anos demandam
os países do Sul, mesmo no inverno, que é menos rigoroso e mais soalheiro do que
nas suas zonas de origem.
Na
orla mediterrânica, apesar do solstício de inverno, países como Portugal dispõem
de mais de nove horas de luz solar, em média, por dia, em nítido contraste com
as longas noites nórdicas.
Hoje,
efetivamente, o sol português é o móbil de atração a Portugal da parte de muita
gente do Norte. Mas nem sempre assim foi. Durante muitos séculos, o grande
fator de atração foi o sal do mar, constituído, sobretudo
por cloreto de sódio, obtido por evaporação da água e usado como
ingrediente na cozinha, em produtos cosméticos, na conservação de alimentos e
em mezinhas.
A
par da prestação de serviços aos navios do comércio internacional, o nosso
primeiro produto a obter fama no mercado externo foi o sal, alçado como uma das
grandes exportações portuguesas, mesmo depois de Lisboa se tornar um entreposto
de escala mundial, como redistribuidora dos produtos da Rota da Seda e da Rota
do Novo Mundo. Com efeito, Lisboa, a última cidade mediterrânica à entrada do
Atlântico, é a primeira, na ótica dos povos do Norte europeu.
A
produção do sal tem relação direta com o clima. Não há sal de mar nos climas frios
e húmidos. E sol, altas temperaturas, climas secos, com períodos de insolação alargados
ao longo do ano, batidos pelos ventos, propiciam boa produção salineira.
As
alterações de curta duração ou as afeções climáticas pontuais, que afetam a agricultura,
têm efeitos marginais, pouco insensíveis nesta área. Só a ocorrência de
períodos anuais longamente chuvosos ou chuvosos e frios ou excecionalmente
nebulosos terão algum reflexo.
O
teor de salinidade do Mar Mediterrâneo e das águas portuguesas é superior ao
das águas do Mar do Norte e a rapidez da evaporação da água é muito superior,
mercê da força diária do sol, o que originou o interesse dos povos nórdicos
pelo sal mediterrânico, de modo que, nos séculos XI e XII, se tenham
desenvolvido salinas na foz do Minho e na do Vouga, regiões já integradas na Cristandade.
Assim, conclui-se que o nosso território já era exportador de sal antes de se
tornar independente, tornando-se este negócio uma das dinâmicas estruturantes
da nossa História.
Com
a progressão da reconquista para o Sul, Aveiro continuou a pontificar na
produção de sal, mas a produção de sal na foz do Minho estava abandonada no
início do século XV. E cedo esta produção ganhou enorme incremento no Algarve. Todavia,
ainda no século XV, sal no Porto garantia a atração e o movimento de navios e
de mercadores.
Porém,
o clima não explica tudo. A quantidade da oferta depende de outros fatores como
a procura (aumento ou diminuição) e o efeito da stokagem que pode suprir, por
bastante tempo, a eventual diminuição da produção natural. A produção pode ser
insuficiente em relação à procura, que pode aumentar por via da necessidade de
exportação, pelo aumento da população e pela diversificação das aplicações do
produto. E pode haver quebra da própria produção a nível local. Além disso, o
mar pode criar muitas incertezas. Assim, o alargamento das áreas de produção
por quase toda a costa portuguesa terá sido uma resposta à quebra natural e ao
menor rendimento por unidade.
O
crescimento populacional, o aumento do fluxo do produto para outros países, a
facilidade ou a dificuldade de transporte, a alteração ou a emergência de novos
hábitos de consumo e a sua vulgarização pelas conservas – do pescado às carnes –
antes da utilização industrial do sal para outras finalidades, ditaram o
apagamento ou diminuição de algumas áreas produtoras e a emergência de outras,
ao longo do tempo.
***
A
utilização do sal do mar remonta à Pré-História, sendo utilizado, no atual
território da China, já há 8000 anos. No Egito dos faraós, encontra-se em túmulos
com 4000 anos.
As
antigas grandes civilizações mediterrânicas utilizavam este ouro branco na conservação
de alimentos, no tempero de alguns e na confeção de conservas. E o pagamento,
sobretudo a militares (a outros agentes era feito em cabeças de gado – daí o peculium, de pecu), era feito em porções de sal (salarium, que deu origem ao salário dos nosso dias).
Na
Idade Média, era usado em muitas aplicações, desde fins medicinais até à limpeza
de chaminés e à esmaltação de cerâmica. Contudo, o grande motivo da sua procura
era o desenvolvimento da pescaria, nomeadamente do arenque.
A
consolidação da Liga Hanseática (aliança de cidades mercantis – alemãs ou de influência alemã), nos fins
do século XIII, intensificou as trocas entre o Norte e o Sul e muitos navios da
Hansa fundeavam no Sado, pois o sal de Setúbal tornou-se famoso pela secura e
pela brancura dos seus cristais, figurando entre as grandes fontes de receita
da Ordem de Santiago, no reinado de D. Afonso III. E também os portos nortenhos
do país davam conta ao rei, em 1456, do sucesso da exportação do seu produto
para a Irlanda, com grande proveito paras as dízimas e sisas.
O
negócio valia pela quantidade, pois, as gentes de Tavira conseguiram, em 1447, que
a coroa proibisse o carregamento de sal, de 1 de setembro a 1 de dezembro, para
se priorizar a exportação de fruta, já que a exportação de sal absorvia a
atividade mercantil.
No
século XVI, a descoberta do bacalhau na Terra Nova e a sua rápida introdução nos
circuitos comerciais europeus fomentaram uma procura maior de sal, levando a
que as salinas de Aveiro desempenhassem papel relevante na exportação, na época
moderna.
A
relevância das nossas exportações perdurou até ao século XIX, graças à sua reconhecida
qualidade. Tanto assim é que, a 11 de maio de 1476, os reis católicos de
Espanha (Fernando e Isabel), apesar da guerra com Portugal, autorizaram os
pescadores das Astúrias a negociarem cartas de seguro com os portugueses, para
se abastecerem de sal, o que não era possível de outro modo. Em 1669, parte substancial
das compensações de guerra com os Neerlandeses concretizou-se em sal. Aliás, os
Países Baixos foram o principal importador do sal português, no século XVII e
continuaram como importante destinatário do mesmo no século XVIII. Não
obstante, nos fins do século XVII, Portugal tornou-se o principal parceiro
comercial da Suécia na Europa meridional, devido ao interesse dos Suecos na aquisição
de sal; e, mais tarde, as vendas estenderam-se aos Estados Unidos da América (EUA).
Com
a globalização dos mercados e dos transportes, alterou-se a geografia da produção
do sal e, no século XX, tal atividade declinou. Na verdade, da produção de 700
mil toneladas registada, em Portugal, em 1874, das quais foram exportadas 423.040,
passou-se à produção de 48.048 toneladas, em 2011. E o registo de 117.282
toneladas, em 2015, não desmente o facto de, no século XX, o sal ter cedido ao
sol o primeiro lugar na captação das receitas externas. Apesar disso, o sal continua
como um dos elementos identitários do país e uma mais-valia culinária, de acordo
com a apreciação dos turistas, que degustam o peixe grelhado nos restaurantes
portugueses.
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O
clima não é tudo, mas nem sempre foi propício à produção de sal.
Vindo
de uma modelação fria, o comportamento geral mostra tendências para se alterar
em toda a Europa, entre 1050 e 1200 (entrando em período climático mais
benéfico, quente ou moderadamente quente, que se manteve, grosso modo, até aos anos 30 a 40 do Século XIV (1330-1340),
esgotando-se essa fase por meados do século. Os anos que decorrem daí até cerca
de 1460 estão conotados com arrefecimentos intensos por diversos quadros
geográficos europeus, sobretudo nas partes atlânticas e setentrionais. Nos
tempos posteriores, há uma variação secular de aquecimento que tende a
esgotar-se por 1550-1560, causticando as partes mediterrânicas, por vezes, com anos
excessivamente quentes e/ou rigorosamente secos. Pelos anos 80 (entre 1580 e 1590),
assistiu-se à onda de frio mais intensa que não se tinha ainda observado.
Uma
pequena idade glacial que, em termos multisseculares, se manteve na Europa até
cerca de meados do século XIX, e que veio castigar, de modo mais intenso (pela maior
repetição de anos frios e chuvosos) todo o século XVII, como nos anos
particularmente húmidos depois de 1640-45, e com uma onda de frios mais secos,
agravada a partir de 1675-77 – anos de intensos nevões. Por todo o lado, a
situação se manteve assim até ao primeiro quinquénio de 700. No entanto, há uma
pausa com anos quentes ou até excessivamente quentes e húmidos na década de 80
e até cerca de 1693-94, marcando uma soldadura do século particularmente grave,
do ponto de vista alimentar e das colheitas em geral, influenciada por essas
condições climatéricas.
Todo
o século XVIII foi marcado por uma melhoria sensível: aquecimento geral quente,
na década de 80 (mas com 1782 muito frio), que tende a esgotar-se pelos anos da
subsequente década de 1790. Entre 1792 e 1796, a inflexão para os anos frios,
por vezes excecionalmente frios, volta a marcar-se, castigando os anos da
soldadura, e remata-se pelo período dos mais intensos frios, jamais vistos na
Europa, ultrapassando em rigor os mais graves da década de 90 do século XVI.
Para
os anos de 1816-1817, é de evocar o testemunho de Franzini, que os documentou
com o estranho fenómeno (nunca mais repetido até hoje) de enormes massas de
gelo a descerem até alturas dos Açores, provocando uma vaga de frio que atingiu
toda a terra portuguesa.
Lisboa
está fora das terras frias. O seu clima é mais mediterrânico do que atlântico
ou continental. Porém, há testemunhos de que a neve caiu ali com frequência
neste período de anos. O ano de 1806 foi muito frio. Os nevões de 1805 foram
tão grandes e persistentes que as neves se demoraram pelas Beiras e terras
continentais por meses, queimando definitivamente todas as árvores de fruto,
mesmo as mais resistentes ao frio. Anunciavam-se os piores anos desta série: o
ano de 1820 seria muito frio. Os vinhos congelaram em tonéis de mais de 80
almudes (cerca de quatro pipas). A quantidade de neve caída na Serra da Estrela
foi tão grande que, por meses, todos os caminhos se tornaram impraticáveis,
interrompidas as já fracas comunicações do Centro e províncias do Norte do
Reino. E novas dificuldades climáticas surgiram em 1822-23.
Obviamente,
aliadas ao conjunto dos outros fatores, as condições climatéricas condicionaram
a extração do sal e as salinas, ora entravam em grande atividade, ora declinavam.
E, para atenuar a degradação das salinas e da atividade desenvolvida à sua
volta, bem como para preservar a imagem do país, os poderes públicos publicavam
leis e regulamentos adequados.
Em
todo o caso, a produção de sal e a sua exportação foram marca do país até à produção
industrial, passando as salinas a ser secundarizadas e até esquecidas. Até parece
que o sol veio derreter o sal ou atirá-lo para o mar alto, juntamente com plásticos,
petróleos e demais detritos.
Quando
Portugal era país de sol com sal, não havia os problemas ambientais com que nos
deparamos hoje e para os quais é forçoso encontrar solução.
2023.05.18 – Louro de Carvalho
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