Em
tempos, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky esteve nos Estados Unidos
da América (EUA) para agradecer o apoio que vem sendo dado à causa ucraniana
por aquela potência mundial e solicitar equipamento militar.
Desta
feita, foi recebido no Reino Unido no Parlamento e avistou-se com o rei Carlos
III. A ideia era que o governo britânico fornecesse aviões de guerra ao país
para continuar o combate de renitência à Federação Russa. Depois, foi recebido,
no Eliseu, pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com a mesma ambição e como
rampa de lançamento para a receção em Bruxelas.
Zelensky
não desiste. E estas diligências vêm na sequência dos discursos por
videoconferência a diversos parlamentos e justificam-se com a necessidade de a
Ucrânia ter de ganhar a guerra.
Na
verdade, a ofensiva militar
lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou a fuga de mais
de 14 milhões de pessoas – 6,5 milhões de deslocados internos e mais de oito
milhões para países europeus –, de acordo com os dados da Organização das
Nações Unidas (ONU), que classifica esta crise como a pior na Europa, desde a
II Guerra Mundial (1939-1945) e refere que, desde o início da guerra, se contabilizam
7.155 civis mortos e 11.662 feridos, sublinhando que estes estão muito aquém
dos números reais. E, ‘elo menos 17,7 milhões de ucranianos precisam de ajuda
humanitária e 9,3 milhões de ajuda alimentar e de alojamento.
A invasão russa – na ótica do presidente
russo, Vladimir Putin, para desnazificar e desmilitarizar a Ucrânia para
segurança da Rússia – foi condenada pela comunidade internacional, que tem
respondido com envio de armamento para a Ucrânia e com a imposição, à Rússia,
de sanções políticas e económicas.
Mal
soaram as campainhas de que o Reino Unido podia enviar aviões para a Ucrânia, a
embaixada russa em Londres advertiu, em nome do seu governo, para o risco de
escalada, de que seria responsável o Ocidente. Em concreto, a entrega de caças à
Ucrânia poderá resultar numa escalada de “consequências militares e políticas
para o continente europeu e o mundo inteiro”. Com efeito, “a Rússia encontrará resposta
a qualquer medida hostil”, acrescentou a embaixada.
Entretanto, a 9
de fevereiro, o governo
britânico assumiu estar “consciente do risco de escalada”, se entregar aviões
de combate ao exército ucraniano, vincando que está a agir “cautelosamente” e
culpando a Rússia por qualquer agravamento do conflito. “Tomamos estas decisões
com cuidado e após consideração cuidadosa. Estamos conscientes dos riscos
potenciais de escalada”, disse o porta-voz do primeiro-ministro
britânico, Rishi Sunak, ao ser questionado pelos jornalistas sobre a relutância
de alguns dos aliados ocidentais de Kiev.
Na visita surpresa do presidente
ucraniano, Londres anunciou, a 8 de fevereiro, que pilotos ucranianos seriam,
em breve, treinados para manobrarem aviões de combate militares usados pelos
países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), e prometeu estudar
a entrega, “a longo prazo”, dos caças exigidos por Kiev. E, agora, o referido
porta-voz esclareceu: “Tudo o que fazemos tem em conta os riscos potenciais de escalada, mas,
mais uma vez, gostaria de salientar que é a Rússia, não a Ucrânia ou a NATO [...],
quem está a provocar uma escalada da situação.”
Depois de decidirem, em janeiro,
enviar tanques pesados para o exército ucraniano, os aliados ocidentais de Kiev
têm-se mostrado relutantes em dar mais um passo, o de fornecer aviões, com o
presidente dos EUA, Joe Biden, a excluir, nesta fase, tal opção. E Rishi Sunak
disse que “nada está excluído”, relativamente à ajuda militar a Kiev, e que a
entrega de aviões, solicitada por Zelensky em discurso no Parlamento britânico,
fazia “naturalmente parte das discussões”.
Londres estima que a formação de
pilotos levará três anos, visto que os militares ucranianos estão
familiarizados com as aeronaves de fabrico soviético e não com as da NATO.
Em Bruxelas, o presidente
da Ucrânia insistiu, a 9 de fevereiro, no início da reunião do Conselho Europeu,
na necessidade de os Estados-membros da União Europeia (UE) cooperarem com o
país a velocidade superior à da Rússia, para se reequipar, e pediu sanções
contra a energia nuclear russa.
Ladeado pelo
presidente do Conselho, Charles Michel, e ante os presidentes e
primeiros-ministros dos 27, Zelensky agradeceu o “apoio incondicional” que o
país recebeu desde o início da guerra: os sucessivos pacotes de sanções, o
acolhimento de refugiados, o auxílio humanitário e económico-financeiro e o
armamento que está a ser utilizado para contrariar a ofensiva de Moscovo.
Porém, insistiu no pedido que tem feito nas últimas semanas: “Precisamos de artilharia, das munições, dos tanques, dos mísseis de
longo alcance e dos caças.”
Volodymyr
Zelensky anunciou que, recentemente, conversou com a Presidente da Moldova
sobre um alegado plano do Kremlin para destruir aquele país vizinho da Ucrânia.
E explicou: “Quando
recebi este documento avisei imediatamente a Moldova sobre esta ameaça para
protegê-la. Acredito que todos vocês fariam o mesmo. Não sei se Moscovo deu a
ordem para prosseguir com este plano, mas é muito semelhante àquele que quiseram
implementar na Ucrânia.”
Zelensky
recordou os pioneiros da UE e considerou que o ideal que criaram necessidade “de
mais um componente, sem o qual tudo é débil: a segurança”. E
apelou a uma “transformação conjunta” entre os 27 e os países que ambicionam
fazer parte a União, nomeadamente a Ucrânia: “Se conseguirmos, os vossos nomes
ficarão para a História ao lado dos de Schumann e Monnet.”
Nestes
termos, prometeu solicitar a adesão à UE ainda este ano. E a presidente da
Comissão Europeia Ursula von der Leyen, olhando com simpatia esse propósito,
advertiu que o processo é demorado e que há um longo caminho a percorrer, na
linha do que defendem alguns de que a UE, antes de se alargar, deve reformar-se
e estudar as possibilidades de tal ação vir a ser eficaz. Além disso, Ursula
von der Leyen prometeu que a Comissão vai propor o 10.º pacote de sanções, que
visará os propagandistas de Putin, pois a suas mentiras envenenam o espaço
público da Rússia.
***
Entretanto,
é de recordar, a contrario, que, a 24
de novembro, O Parlamento
Europeu (PE) aprovou uma resolução em que reconhece a Rússia como um Estado patrocinador do terrorismo
internacional, apresentada pelo grupo dos Conservadores e Reformistas
Europeus (centro-direita).
A resolução
pede ao Conselho da UE que inclua na lista de organizações terroristas a
organização paramilitar russa “Grupo Wagner”, o 141.º Regimento Especial
Motorizado, também conhecido como ‘Kadyrovites’ e outros grupos armados,
milícias e forças financiadas pelo Kremlin.
O “Grupo
Wagner” terá enviado para o PE uma marreta ensanguentada no dia em que, em
Estrasburgo, se iniciaram os procedimentos para classificar o grupo como organização
terrorista. Porém, até à tarde do referido dia, o artefacto – envolto num
estojo de violino – não tinha chegado ao PE, e as fontes ouvidas pelo
britânico The Telegraph suspeitavam
que se tratava de golpe de propaganda. A informação de que a marreta seria
enviada para Estrasburgo surgira num curto vídeo colocado na plataforma de
comunicações Telegram, em que aparece
um advogado ligado ao grupo, engravatado, que trazia na mão um estojo de
violino e o punha em cima de uma mesa. A marreta polida tinha o símbolo do grupo
e tinta vermelha no punho, a simbolizar sangue.
A marreta
tornou-se um símbolo do “Grupo Wagner”, organização de mercenários que atuam na
Ucrânia, sobretudo desde que passou a circular o vídeo da execução de um
soldado russo que se tinha rendido aos ucranianos. Foi usada a marreta nessa
execução, segundo um vídeo explícito difundido pelo Telegram e redes sociais. Segundo o The Telegraph, Yevgeny Prigozhin, fundador do Grupo Wagner
(conhecido como “o cozinheiro de Putin”), emitiu um comunicado a dizer que a
marreta seria enviada para Estrasburgo como informação aos eurodeputados do PE,
dizendo-se dececionado pelo facto de o grupo estar na iminência de ser
considerado organização terrorista.
Na
sequência, a 28 de novembro, o partido
Chega entregou na Assembleia da República (AR) um projeto de resolução em que
recomenda ao Governo que “reconheça a Rússia como Estado patrocinador do terrorismo internacional”,
depois de o PE ter aprovado resolução similar.
O Chega
refere que, a 24 de fevereiro de 2022, “a Federação Russa iniciou uma ilegal e
brutal invasão do território ucraniano” e que “as
forças russas e os grupos paramilitares controlados por Moscovo têm
deixado um rasto de destruição e de barbárie que violam, de forma evidente e
absoluta, as Convenções de Genebra e os seus protocolos adicionais, que são a
essência do chamado direito internacional humanitário e que visa limitar os
efeitos dos conflitos armados”. E salienta: “Bombardeamento indiscriminado de
vilas e cidades, detenções arbitrárias, execuções sumárias, limpezas étnicas,
violência sexual, sequestros, deportações forçadas de crianças ou a utilização
de armas termobáricas, são algumas das táticas de terror empregues pela Rússia
contra a população civil indefesa.” Além disso, a Federação Russa passou a
utilizar a energia como arma e como instrumento de chantagem.
***
É óbvio que se
deve prestar toda a ajuda humanitária e algum apoio logístico. Já teme que o
apoio com armas, caças, drones, tanques e mísseis, provoque uma escalada irreversível
e incontrolável.
E que dizer
da declaração da Rússia como Estado terrorista?
O professor constitucionalista
vital Moreira (veja-se o blogue Causa
nossa) vê na posição do Chega e quiçá na do PE, “uma receita para o
desastre”, sublinhando que “há
um óbvio plano em marcha para envolver
diretamente a UE na Guerra da Ucrânia”.
Graças a Kiev
e aos “falcões da guerra” na UE (Polónia, países bálticos e escandinavos), está
em curso um processo tendente à entrada da Ucrânia na UE, mesmo estando em
guerra, deixando para trás os países balcânicos, que esperam, há muito tempo, a
adesão; e à qualificação da Rússia de agressor e de Estado terrorista, por
parte das instituições e dos Estados-membros da UE.
A Ucrânia,
membro da UE, ativaria a “cláusula de solidariedade”, do artigo 222.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE), segundo o qual, “em caso
de ataque terrorista” contra um Estado-membro, “a União mobiliza todos os meios ao seu
dispor, incluindo meios militares disponibilizados pelos Estados-membros”.
Ora, uma guerra entre a UE e a Rússia pode, rapidamente, degenerar em III
Guerra Mundial, como o arrastamento dos EUA e da China.
“Felizmente” –
diz Vital Moreira –, “não parece que, em Portugal, nem o Governo nem o PS
tenham ensandecido.”
E é de
relevar o aviso de Paulo VI no discurso de 1965 à ONU: “As armas, sobretudo as terríveis armas que a
ciência moderna vos deu, antes de causarem vítimas e ruínas, engendram maus
sonhos, alimentam maus sentimentos, criam pesadelos, desconfianças, sombrias
resoluções.”
À UE ficará bem a prudência, bem como aos EUA
e ao Reino Unido – para bem de todos!
2023.02.09 – Louro de Carvalho
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