A guerra na
Ucrânia é uma guerra por procuração entre os Estados Unidos (EUA) e a Rússia,
mas não é apenas sobre a Ucrânia, é também sobre a China e Taiwan. Di-lo Nouriel
Roubini, autor de Mega-Ameaças, livro
editado em Portugal pela Planeta.
O também
autor do bestseller internacional Crisis
Economics, que mora em Nova Iorque, é um dos
analistas económicos mais influentes do mundo. É professor emérito de economia
na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque e
fundador e presidente da Roubini Macro Associates. É
economista-chefe da Atlas Capital Team. Serviu na Casa Branca e no
Departamento do Tesouro dos EUA. Foi apelidado de Dr. Catástrofe até que as suas
previsões sobre a crise imobiliária de 2008 e a Grande Crise Financeira se
tornaram realidade, mas era demasiado tarde.
No Mega-Ameaças, apresenta uma
análise lúcida e realista da situação atual, análise a não ignorar. As ameaças estão
interligadas, sobrepõem-se, reforçam-se e potenciam-se mutuamente. São tão
prementes que o autor as encara como mega-ameaças e vão da pior crise da dívida
que o mundo viu à inflação, ao crescimento do populismo, à ascensão de nova
competição de superpotências entre a China e os EUA, à normalização das
pandemias, à crise climática, ao impacto da inteligência artificial (IA) no
emprego, ao colapso demográfico, à desglobalização da economia.
Diz o analista – não querendo assustar ninguém, apenas
vincando termos de estar preparados – que há uma pequena hipótese de evitar o
desastre e garantir um futuro mais pacífico e próspero, se começarmos a
trabalhar em conjunto e a agir já. Com efeito, as mega-ameaças que identificou vão
remodelar o mundo tal como o conhecemos, alterarão “o mundo que pensávamos
conhecer”.
Considera o economista que “atualmente, vacilamos à beira do
precipício, o chão foge-nos de baixo dos pés”. No entanto, a maioria, num “erro
gritante”, pensa que “o futuro será parecido com o passado”, enquanto “os novos
sinais de alerta parecem inequívocos e arrebatadores”. E, no atinente ao
problema nuclear, vaticina que o risco poderá ser maior entre
grandes potências, mas também deixará marcas e mesmo destruição entre potências
menores e nos países seus inimigos.
***
Em
entrevista ao Diário de Notícias (DN), por ocasião do lançamento do Mega-Ameaças, em Portugal, abordou os
riscos de uma guerra convencional deixar de ser convencional e temas, como, por
exemplo, o impacto da desglobalização e da inteligência artificial (IA).
Depois das restrições causadas pela pandemia, com a invasão da Ucrânia
pela Rússia e com as novas fraturas (evidentes ou latentes) entre o Ocidente e
outras partes do mundo, Nouriel Roubini crê que “a
globalização está sob ameaça, especialmente a hiperglobalização que vimos nas
últimas décadas”. A questão não é ente a globalização total e a desglobalização
total. Porém, começamos a ter algum grau de desglobalização e restrição no
movimento de bens, de serviços, de capital, de trabalho e, sobretudo, no
movimento de tecnologia, de dados e de informação.
Estamos entre
dois extremos: a total autarcia (autossuficiência da comunidade que não depende
de outrem, em nada) e a hiperglobalização total, sendo que a hiperglobalização
começou a esmorecer com a crise financeira global, há 15 anos. O comércio
global vem abrandando e caminhamos para o protecionismo, que é “desglobalização”.
O comércio livre cede o passo ao comércio seguro, a menos deslocalização, a
menos dependência das cadeias de fornecimento globais, a várias formas de
fragmentação e localização.
A reação à
globalização começou há décadas, quando os trabalhadores braçais, numa economia
avançada, viram os empregos ameaçados por produtos mais baratos vindos da
China, do resto da Ásia e de outras partes do Mundo. Depois, houve preocupações
com os impactos da globalização no ambiente. Como economia avançada, dizíamos
aos países dos mercados emergentes que nos preocupamos com as normas de
trabalho e esses países começaram a ser fontes de nacionalismo, dizendo não
quererem que os seus recursos, mas também as marcas campeãs nacionais, fossem
adquiridos por empresas estrangeiras. Em França não quiseram que os iogurtes
Danone fossem adquiridos por estrangeiros por serem empresa campeã nacional. Depois,
a reação à globalização foi reforçada pela crise financeira, que também atingiu
os mercados emergentes. E outra evidência desta reação é a depressão
geopolítica corporizada pela China, pela Rússia, pelo Irão e pela Coreia do
Norte – todos aliados de facto e de jure no desafio à ordem económica,
financeira, comercial, de investimento, política, de segurança e geopolítica
que os EUA, a Europa e o Ocidente em geral criaram após a II Guerra Mundial. A
dimensão EUA-China é importante, mas não é a única.
Os EUA, a
Europa e o Ocidente (com a Austrália, a
Nova Zelândia, o Japão e a Coreia do Sul) ainda são bastante fortes, mas
há potências em ascensão, como a China, a Índia e partes dinâmicas da economia
global na Ásia. Em cada um destes países e regiões, há forças, fraquezas e o
risco de ganhos, tal como o risco de perdas na dimensão económica, financeira,
em termos dos seus próprios sistemas políticos, da sua capacidade de projetar
poder globalmente. Assim, a força tem muitas dimensões e nada no Mundo é preto
e branco. A China tem os seus desafios, que incluem um regime cada vez mais
autoritário e um capitalismo de Estado que funcionou durante um tempo, mas que
pode não funcionar no futuro. O Ocidente tem todas essas funcionalidades
económicas, financeiras e políticas, mas as coisas têm de mudar no Ocidente
também.
O autor de Mega-Ameaças inclui nos riscos internos para o Ocidente a emergência
de políticos populistas. Todavia, considera as crispações populistas
como manifestações de um mal-estar mais generalizado, que tem a ver com o
aumento da desigualdade de rendimentos, com a diminuição dos rendimentos das
classes médias e das classes trabalhadoras, espremidas nos últimos anos, e com o
facto de a geração mais jovem ter um futuro económico mais débil que os seus pais.
Há muitos fenómenos
que são preocupações em economias avançadas e em mercados emergentes, sendo alguns
deles as alterações climáticas, os efeitos da pandemia de covid-19, o impacto
da IA, a aprendizagem automática nos empregos (nos trabalhos braçais e nos
serviços). E, atualmente, na dimensão económica, patenteia-se como reação à globalização
a inflação crescente e o problema demográfico (com o envelhecimento da
população). Ou seja, estes problemas económicos, financeiros, sociais,
políticos e geopolíticos geram a reação contra os mercados liberalizados e a
ascensão da extrema-direita que se torna mais popular nas economias avançadas e
nos mercados emergentes, em sintonia com as preocupações subjacentes de muitas
pessoas.
No atinente
à guerra nuclear, que dizem ser o maior perigo do Mundo, recorda que, depois de
crescer, nos anos 1960 e 1970, na Europa, em Itália, após a détente entre os
EUA e a União Soviética e, depois, a China, a ameaça passou a ser muito baixa.
A partir da crise dos mísseis de Cuba, havia rivalidade, mas só havia guerras
por procuração entre o Ocidente e a União Soviética.
O problema
nuclear é que, agora, o risco pode ser maior entre grandes potências, mas
também entre potências menores, as que têm armamento nuclear. A guerra da
Rússia na Ucrânia é “uma guerra por procuração entre os Estados Unidos, o
Ocidente, e a Rússia, que não é apenas sobre a Ucrânia, é também sobre a China
e Taiwan”. E pode tornar-se não convencional e estender-se à Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO). Henry Kissinger disse que a III Guerra
Mundial podia começar com a Rússia e a Ucrânia. O Irão está a passos de ter a
bomba nuclear e Israel tem de estudar os prós e os contras de atacar o Irão. Se
o Irão conseguir a bomba dentro de poucos anos, a Arábia Saudita comprará a
bomba ao Paquistão, o que faz com que tenham a bomba meia dúzia de países instáveis
numa região instável.
Depois, na
Ásia, há, entre os EUA e a China, uma guerra fria em relação a Taiwan, que pode
vir a aquecer. Uma guerra que comece convencional pode escalar para outra não
convencional.
No concernente
à IA, Nouriel Roubini pensa que esta inovação fará crescer a produtividade e
fará crescer a economia de 1% ou 2%, na Europa, e 4% ou 5%, ou mesmo 6%, nos
EUA. É, pois, uma oportunidade. Todavia, comporta o risco de levar a um
desemprego tecnológico permanente entre trabalhadores dos serviços braçais. E poderão
ser afetados os trabalhos criativos e outros, como os dos economistas e os dos
jornalistas, que podem vir a ficar obsoletos em algumas dimensões.
Porque a
inovação tecnológica significa capital intensivo, maiores competências e poupança
no trabalho, em algum tempo, a IA tornar-nos-á mais produtivos, mas ameaçará, crescentemente,
os empregos. Quem dominar a IA, a aprendizagem da máquina e a automação
robótica, dominará a interconexão no futuro e tornar-se-á na maior potência
geopolítica, militar e de segurança.
Em 2022, o
antigo CEO da Google, Eric Schmidt e Henry Kissinger (estratego político
americano) escreveram um livro onde dizem que a questão entre os EUA e a China
não tem a ver apenas com qual é a parte dominante economicamente, mas também
com qual é a potência dominante a nível geopolítico e militar, o qual terá cada
vez mais a dimensão cibernética e de IA.
Colocado
perante o problema da demografia, o autor de Mega-Ameaças respondeu ao cenário da diminuição da população da
China, menor do que a da Índia já neste
ano, ao problema demográfico por que passa a Rússia, depois da queda da União
Soviética, e ao fenómeno do aumento da população dos EUA, muito mais atrativos do
que outras potências para a imigração, mercê do tipo de sociedade e da língua
inglesa.
Observando
que o número de pessoas é importante, considera que podemos ter muita gente que
sem habilitações, sem educação, sem saúde, etc. Podemos aumentar o potencial de
crescimento ou não, mas teremos milhões de pessoas ainda muito pobres. Assim, a
dimensão da população é só uma medida do potencial para se ser grande potência.
A China, que tinha a maior população do Mundo, era muito pobre e, agora, tem
tido bom crescimento económico. E, sem crescimento demográfico, podemos ter boa
produtividade e crescer na inovação, na tecnologia, no conhecimento e na informação.
Ou seja, pode compensar-se a queda demográfica com o aumento da produtividade. A
África é um continente com 54 países e com uma população de 1400 milhões de
pessoas e, no fim do século, pode chegar aos 2000 milhões, o que não constitui
uma boa oportunidade económica (até pode ser um perigo), pois tem falta de
habilitações, de educação, de saúde. Portanto, a demografia – que é importante
por muitas razões, mas não é a única coisa que importa – “poderá não ser tão
importante como outras medidas com força económica”.
À questão de o crescimento demográfico ser uma vantagem para os EUA, pois
o país tem capacidade para oferecer educação e produtividade, além de atrair
imigrantes, Nouriel
Roubini responde que “não é certo que a população dos Estados Unidos não comece
também a decrescer, além de que começa a haver também uma reação significativa
contra a imigração”. Nesse campo, sublinha, a administração Joe Biden não é
muito diferente da de Donald Trump. Não é verdade que os imigrantes estejam a
roubar postos de trabalho, como se diz. Porém, em certas zonas dos EUA a reação
anti-imigração é muito violenta, embora o que tornou grandes os EUA tenha sido
atrair “tanta gente de tantos países, com tantos níveis diferentes de educação
e de cultura”.
***
Os desafios
são muitos e os problemas são complexos, sobretudo quando criados pelos
decisores.
2023.02.26 – Louro de Carvalho
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