Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, há um ano, paira sobre
a Europa e sobre o Mundo a ameaça nuclear. O assunto surge nos discursos dos
mais altos responsáveis que dirigem superiormente as operações deste combate,
que alguns, incluindo Vladimir Putin, pensavam que seria resolvido a breve
trecho, mas que agora julgam interminável, pelo menos de forma satisfatória.
O presidente russo fez questão de apresentar a Federação
Russa como a maior potência nuclear do Mundo, embora deixando no ar a
determinação de só usar armas de destruição maciça em resposta a ataque da outra
parte (mas não tendo dificuldade em lançar mão delas, se for preciso), isto é,
da Ucrânia ou dos apoiantes ocidentais, aos quais assaca a responsabilidade
pelo conflito.
Por seu turno, os Estados Unidos da América (EUA) avisaram
que a ameaça é real, mas que não há qualquer indicação concreta de que tal
venha a acontecer (seria a aniquilação). E o Papa Francisco advertiu que seria
uma loucura utilizar armas nucleares. Até ao presente, tem imperado o bom senso,
a bem da Humanidade, apesar dos ataques infligidos, dos mísseis lançados, das cidades
destruídas, das populações em trânsito e das pessoas mortas, feridas e
estropiadas.
Há nove países no Mundo que possuem armas
nucleares (13.100 ogivas ao todo, segundo números de 2021), com a Rússia e os EUA
à cabeça, concentrando 91% das ogivas que se saiba existirem na Terra. A Rússia
está à frente, com cerca de 6200 ogivas. Seguem-se os EUA, com pouco mais de
5500. O Reino Unido e a França são os dois países europeus com armas nucleares.
Israel, Paquistão, Índia, China e Coreia do Norte perfazem o grupo dos nove. As
razões invocadas para o desenvolvimento e posse destas armas destruidoras são a
segurança e a estratégia militar. Estes têm sido os grandes argumentos dos
países que guardam este armamento altamente perigoso e superpotente – que, a
bem do Mundo, não tem sido utilizado.
Já muitos não têm memória de Hiroxima
e de Nagasaki, no Japão, que fazem a grande página negra da História mundial na
contemporaneidade. Duas armas nucleares,
as únicas usadas até hoje, duas cidades completamente arrasadas, milhares de
mortes, a radioatividade a alastrar, o Mundo em choque. Na Segunda Guerra
Mundial, os EUA bombardearam Hiroxima e Nagasaki, com apenas três dias de
diferença. A 6 de agosto de 1945, uma bomba de fissão de urânio explodiu em
Hiroxima e, a 9 de agosto, Nagasaki era arrasada com uma bomba de fissão de
plutónio. São dias que o Mundo nunca mais poderá esquecer e que nunca mais
deverá querer repetir.
Entretanto, a cientista política Nataliia Kasianenko (natural de Kharkiv, no leste da
Ucrânia), professora na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno,
sustentou, em declarações à Lusa, que
a ameaça de escalada nuclear da guerra na Ucrânia é bluff e uma estratégia dissuasiva do presidente russo, Vladimir
Putin. “Penso francamente que Putin está a
fazer bluff no que toca a armas
nucleares e ao poder nuclear. É a única coisa que a Rússia pode usar como
dissuasivo do Ocidente, contra o poder militar ocidental” – vincou a analista.
Este amálgama ocidental abrange, pelo menos, os EUA, o Reino
Unido e a União Europeia (UE).
Tem havido, efetivamente,
alusões a uma escalada tanto por parte de Putin como dos seus aliados. Em
janeiro, o vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitry
Medvedev, avisou que “a derrota de um poder nuclear numa guerra convencional
pode desencadear uma guerra nuclear”.
Mas a
politóloga analisa as ameaças no contexto de um conflito, que não correu como
esperado pelo Kremlin, e uma aliança mais forte que o previsto em torno da
Ucrânia. Assim, acredita que o presidente russo usa a carta nuclear, de
forma a ameaçar o Ocidente e a evitar que os países ocidentais ofereçam mais
apoio ao povo ucraniano. Certamente Putin entende que, se tentar usar armas
nucleares, a retaliação será forte e o poder russo não poderá sobreviver a isso.
Todavia,
considera que o perigo imediato é a preparação de um ataque renovado para
coincidir com o primeiro aniversário da invasão. “Estamos preocupados,
porque ouvimos falar de planos de novos avanços do lado russo e há tropas a
serem reunidas na fronteira”, disse Kasianenko, referindo que 300 a 500 mil
militares estão preparados para voltar a entrar. Com efeito, Putin adora
aniversários, pelo que a data de 24 de fevereiro é algo que os ucranianos não
estão ansiosos por ver. Há, pois, receio de nova tentativa de invasão alargada
para tomar Kiev.
A sombra de
uma escalada na guerra paira sobre a difícil situação interna na Rússia, embora
Kasianenko afaste a ideia de que Putin seja desafiado. Houve, de facto,
muita discussão sobre a erosão do poder e sobre as lutas internas na Rússia em
2022. Alguns acreditavam que os generais percebessem que o plano de Putin de
ocupar a Ucrânia em poucos dias falhara e tentassem tomar o poder. Porém, isso
não aconteceu, não é previsível e talvez não seja o rumo bom para a solução.
A analista
disse que a ideia de que Putin estaria sozinho na sua determinação de ocupar a
Ucrânia não corresponde à realidade. Tem apoiantes e as elites que o alimentam
com certas narrativas dizem-lhe que a Rússia pode e vai ganhar esta guerra.
Kasianenko
frisou que os russos que são contra a guerra já deixaram o país, numa vaga de
fugas que atingiu os milhões desde o início do conflito. As outras pessoas
estão em silêncio e a tentar evitar a política, porque têm medo, pois a
natureza da opressão na Rússia intensificou-se, de forma dramática, desde a
primavera de 2022.
A solidez da
aliança transatlântica (NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte) também
contribuiu para o isolamento russo. Apesar da discussão nos círculos políticos –
dos EUA a alguns países europeus – o apoio tem-se mantido com alguma consistência.
E a China, que aumentou o consumo de energia russa, não se pôs, em definitivo, ao
lado do Kremlin, como se receava.
“A China tem
tentado andar na linha e basicamente apelar aos dois lados, ao Ocidente e à
Rússia”, frisou Kasianenko, sublinhando: “Em termos de apoio militar e de diplomacia,
parece que os chineses estão a enviar uma mensagem de que a guerra não é uma
coisa boa para a comunidade global e os chineses prefeririam ver a guerra a
terminar.”
Kasianenko
acredita que Putin só estaria disposto a terminar já o conflito, se a Rússia pudesse
manter os territórios ocupados. “Mas esses não são termos que os
ucranianos estivessem dispostos a aceitar, considerando quantas pessoas
morreram a lutar pela Ucrânia e o facto de que uma percentagem tão grande do
território foi brutalmente ocupada”. Os ucranianos não negoceiam nesses termos.
Não é só a questão de parar o conflito e a guerra, é o custo para a Ucrânia.
***
As armas nucleares são dispositivos explosivos cuja força
destrutiva deriva de reações nucleares de fissão ou de reações nucleares de
fissão e fusão combinadas. E a menor e mais simples arma nuclear será mais
destrutiva e poderosa do que a maior das armas convencionais.
Nas armas de fissão, a energia é produzida por meio de
reações nucleares de fissão, enquanto, nas armas nucleares de fusão, é usada uma
bomba de fissão para ativar um combustível de fusão, produzindo uma explosão
muito mais exotérmica e catastrófica do que a bomba de fissão.
Existem dois tipos básicos de armas nucleares. As primeiras
são armas que produzem a energia por meio de reações nucleares de fissão. São
as bombas atómicas ou bombas de fissão, cujo potencial
explosivo varia de uma a 500 mil toneladas de dinamite. O segundo tipo, as bombas de hidrogénio ou bombas de fusão, produz incrível
quantidade de energia por meio de reações de fusão nuclear. Tais dispositivos
são até mil vezes mais destrutivos do que as bombas de fissão.
No modelo de fissão nuclear, a energia é produzida por meio
de reações nucleares de fissão, em que um átomo se desintegra em átomos menores
e em outras partículas subatómicas, num processo altamente exotérmico. Exemplo
de reação de fissão nuclear é a que ocorre com o urânio-235 (235U),
utilizada na confeção da bomba atómica Little
Boy, de Hiroshima.
Nas bombas de fusão nuclear, chamadas de bombas de hidrogénio
ou termonucleares, usa-se uma bomba de fissão para comprimir e aquecer um
combustível de fusão, como hidreto de lítio deuterado sólido (LiD). Após a
detonação da bomba de fissão, são emitidos à velocidade da luz raios gama (γ) e
raios X, comprimem o combustível de fusão e, em seguida, aquecem-no a
temperaturas termonucleares. Então, ocorre a reação de fusão dos isótopos de
hidrogénio e são produzidos diversos neutrões acelerados, os quais induzem
fissão em materiais que normalmente não eram propensos a tal reação, como o
isótopo natural do urânio (238U).
A maior bomba de fusão nuclear já detonada foi a Tsar Bomb, pela antiga União Soviética,
cujo poder destrutivo era de cerca de 50 milhões de toneladas de dinamite.
As armas nucleares podem ser desenvolvidas com diversas potências.
A unidade mais usada é a que correlaciona a quantidade de trinitrotolueno (TNT),
que produziria a mesma quantidade de energia da ogiva nuclear, quase sempre um
múltiplo de toneladas (t) de TNT.
A bomba atómica utilizada em Nagasaki, a Fat Man, tinha o poder de 20 kt (quilotoneladas) de TNT, poder
destrutivo equivalente a 20 mil toneladas de TNT. Já a Tsar Bomba, uma bomba de
hidrogénio desenvolvida e testada pela União Soviética, possuía 50 Mt (militoneladas)
de TNT, o equivalente a 50 milhões de toneladas de TNT. Mas a Tsar Bomba foi
inicialmente desenvolvida com um poder de 100 Mt de TNT e teve o poder
energético diminuído por temor das forças russas.
O site Nukemap, do
portal Nuclear Secrecy, simula a explosão causada por uma arma nuclear em
qualquer lugar do Mundo. Com ele, pode-se simular quantas pessoas seriam mortas
e feridas com a explosão da Tsar Bomb numa região, o raio do impacto e os efeitos.
As consequências da arma nuclear (explosão e radiação) são,
basicamente, as de um explosivo convencional, mas com produção de energia muito
maior, alcançando níveis de temperatura muito maiores. A isto soma-se a emissão
de radiação de alta energia.
Na explosão nuclear há, primeiro, a libertação imediata de
radiação, seguida pela bola de fogo que se desenvolve de imediato, emitindo
radiação térmica (luz e calor). E logo ocorre o pulso de altíssima pressão (onda
de choque), que se propaga às regiões adjacentes à explosão.
Os efeitos da explosão nuclear também dependem da potência e
do tipo da arma, se uma ou mais armas são utilizadas, se a explosão ocorre no
ar, no solo, abaixo do solo, abaixo do mar, em camadas densas da atmosfera
(troposfera, por exemplo), em camadas de atmosfera rarefeita (estratosfera), do
tipo do terreno e das condições do tempo.
A energia libertada por arma nuclear é a da explosão (cerca
de 50% da energia); a da radiação térmica (cerca de 35% da energia); a da
radiação ionizante imediata (cerca de 10% da energia); e a da radiação residual
(cerca de 5% da energia).
Quando uma explosão nuclear atinge uma cidade, as
consequências são catastróficas. Os danos dependerão da distância do hipocentro,
ou seja, o ponto de explosão da bomba.
No hipocentro, tudo será instantaneamente vaporizado pelas
altas temperaturas (atingem mais de 300 milhões de graus Celsius).
Distanciando-se do hipocentro, a maioria das fatalidades e dos danos resulta de
queimaduras, objetos arremessados, devido à onda de choque e à exposição aguda
à radiação. Danos em regiões mais distantes provêm de calor, de radiação e de incêndios
causados pela onda de calor. Forma-se uma chuva de elementos radioativos, que se
mantém por dias e até por semanas em regiões bem distantes do hipocentro. As
partículas radioativas afetam a água e são inaladas ou ingeridas por pessoas em
distâncias distantes do epicentro da explosão.
***
É de ver no que os decisores meterão o mundo, se optarem pela
espiral nuclear. Tenham tento!
2023.02.20
– Louro de Carvalho
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