Assinalou-se,
a 21 de fevereiro, o Dia Internacional da Língua Materna, cujo tema escolhido para 2023, “Educação multilíngue – uma
necessidade para transformar a educação”, responde à necessidade de otimizar o
processo educativo. Com efeito,
a Língua Materna faz parte da nossa estrutura. Aprendemo-la já na infância e
vamos, em cada dia, entendendo o seu funcionamento. É por meio dela que
pensamos, sentimos, nos comunicamos, criamos e vivemos. E é ela o sinónimo da
nossa identidade cultural.
Por outro
lado, como em muitos países se impôs uma ou várias línguas oficiais, que não
substituem as diversas línguas maternas (de cada povo ou região), é desejável a
educação multilingue,
a qual, baseada na Língua Materna, facilita o acesso e a inclusão na
aprendizagem de grupos populacionais que falam línguas não dominantes, línguas
de grupos minoritários e línguas indígenas. Por exemplo, enquanto, em Portugal,
temos o Português e o Mirandês, atualmente no
Brasil, são faladas mais de 250 línguas, consolidando-se,
assim, como o oitavo país com o maior número de línguas em uso. A maioria delas
(aproximadamente 180) vem de comunidades indígenas.
Além disso,
como certifica a publicação Etnologue,
existem aproximadamente sete mil línguas faladas no mundo. Porém, um terço
destes idiomas corre o risco de extinção. Entre nós, está isso a acontecer com
o Mirandês. Ora, a língua, constitui e significa a identidade de um povo, mas,
ao mesmo tempo, transmite a herança cultural e aumenta a nossa diversidade
criativa. Por isso, a perda das línguas empobrece a realidade.
Por isso, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura a (UNESCO) insta à celebração, do dia 21 de fevereiro
como Dia Internacional da Língua Materna, com o objetivo de promover a
conscientização da diversidade linguística e cultural e o
multilinguismo.
Na verdade, o
Dia Internacional da Língua Materna
foi criado na 30.ª Conferência Geral da UNESCO, por iniciativa do Bangladesh, a
17 de novembro de 1999, e reconhecido, posteriormente, pela Organização das
Nações Unidas (ONU), através da Resolução 56/262 da Assembleia Geral, a 15 de
fevereiro de 2002.
A efeméride,
que visa promover, além da diversidade cultural linguística e do multilinguismo, e a recuperação das línguas
ameaçadas, configura uma estratégia para fomentar o respeito e a solidariedade
entre as diferentes nações. Todavia, faz parte
de uma iniciativa mais ampla, a de “para promover a preservação e proteção de
todas as línguas usadas pelos povos do mundo”, conforme foi estabelecido pela
Assembleia Geral da ONU em 16 de maio de 2007 na resolução 61/266 da
ONU, que também estabeleceu 2008 como o Ano Internacional das Línguas.
Não se deve pensar
nas línguas apenas como meio de comunicação, mas também que elas carregam valores e conceções de mundo.
Através deste dia, vinca-se a importância da diversidade cultural e
linguística, bem como a necessidade de sensibilizar para a tolerância, para o
respeito e para a preservação do património cultural e linguístico dos vários
povos do mundo. Com efeito, a diversidade cultural é tão importante como a diversidade
biológica na natureza. As duas estão intimamente ligadas. Assim, por exemplo, algumas
línguas de povos indígenas são portadoras de conhecimentos sobre biodiversidade
e sobre a gestão de ecossistemas.
As línguas
são os instrumentos mais poderosos para preservar e desenvolver o nosso património
tangível e intangível. Todos os movimentos para promover a disseminação das
línguas maternas servirão, não só para encorajar a diversidade linguística e a
educação multilingue, mas também para desenvolver uma consciência mais plena
das tradições linguísticas e culturais em todo o Mundo e para inspirar a
solidariedade baseada na compreensão, na tolerância e no diálogo.
***
As ações
desenvolvidas para disseminar os idiomas maternos podem propagar as tradições
culturais através do Mundo. São importantes, para ajudar na preservação das
línguas, algumas iniciativas, tais como projetos escolares, com o tema
norteador do multiculturalismo, e programas de intercâmbio, com âmbitos da
cultura, arte tecnologia e ciência, por exemplo. Os desafios da convivência num
universo terráqueo cada vez mais multicultural dependem, em grande medida, das
competências interculturais, o que implica a disponibilidade para assumir
diversas atitudes e os comportamentos necessários para o relacionamento
adequado com quem é diferente de nós: a tolerância, o respeito, a empatia, a
compreensão, a hospitalidade, a humildade e a flexibilidade.
A isto acrescente-se a vantagem de estabelecer e articular parcerias, de trocar experiências, de aprofundar
conhecimentos e de sensibilizar os responsáveis e a população em geral para a
problemática da migração (com relevo para a imigração), criando e fazendo
funcionar serviços em diversas frentes e fazer encaminhamentos para
atendimentos individuais e em grupo.
Importa
intervir – e provocar interação – com populações de refugiados e de imigrantes
que tenham sido expostos a situações extremas, por meio de atendimentos institucionais
e de voluntários, em serviços do Estado e de organizações não-governamentais
(ONG), tentando mesmo o entendimento na sua Língua Materna. Muitos refugiados e
imigrantes apresentam uma sintomatologia estreitamente ligada à codificação
cultural. Não deixa, por isso, de ser relevante favorecer a expressão das
experiências vividas e dos afetos na Língua Materna, pois, ao ser atendido exclusivamente
em língua diferente da sua, a pessoa fragilizada pode sentir em relação a quem
a atende, visto que expressa o seu sofrimento por meio de representações e
significações pertencentes à sua cultura.
***
A comemoração do Dia Internacional
da Língua Materna foi iniciativa do Bangladesh, que a UNESCO acabou por
acolher e assumir. O 21 de fevereiro é o aniversário do dia em que o povo
de Bangladesh (então Paquistão Oriental) lutou pelo reconhecimento do Bangla,
a sua língua. Também é comemorado em Weat Bengal, Índia.
A declaração da
UNESCO foi feita em homenagem ao Movimento
da Língua, feito pelos Bangladeshianos (então Paquistaneses orientais).
Quando
o Paquistão foi criado, em 1947, tinha duas partes geograficamente
separadas: Paquistão Oriental (o atual Bangladesh)
e Paquistão Ocidental (o atual Paquistão). As duas partes eram muito diferentes
entre si na cultura, no idioma, etc.. E eram separadas pela Índia.
Em 1948, o governo
do Paquistão declarou o Urdu como a única língua nacional do Paquistão, embora
o Bengali ou Bangla fosse falado pela maioria das pessoas que combinavam o
Paquistão Oriental e o Paquistão Ocidental. O povo do Paquistão Oriental protestou,
já que a maioria da população era do Paquistão Oriental e a sua língua materna
era o Bangla. Exigia que o Bangla fosse, pelo menos, uma das línguas
nacionais, além do Urdu. A demanda foi levantada, primeiro, por
Dhirendranath Datta, do Paquistão Oriental, a 23 de fevereiro de 1948, na
Assembleia Constituinte do Paquistão.
Para travar e
anular o protesto, o governo proibiu os comícios e quaisquer reuniões
públicas. Porém, os estudantes da Universidade de Dhaka, com o apoio do público
em geral, organizaram grandes comícios e reuniões. Em 21 de fevereiro
de 1952, a polícia abriu fogo contra os comícios. Salam, Barkat, Rafiq, Jabbar
e Shafiur morreram e centenas de outros ficaram feridos. Este é um incidente
raro na história, em que as pessoas sacrificaram as suas vidas pela Língua Materna.
Desde então,
os Bangladeshianos comemoravam o dia como um dos seus dias trágicos. Agora,
comemoram-nos como Dia Internacional da Língua
Materna, sobretudo visitando o Shaheed Minar, um monumento construído em
memória dos mártires e a suas réplicas, para expressarem a sua profunda
tristeza e o respeito e a gratidão para com eles. É um dos feriados nacionais
no Bangladesh.
A resolução da
UNESCO foi sugerida por Rafiqul Islam e Abdus Salam, bengalis que vivem em
Vancouver, Canadá. Escreveram uma carta a Kofi Annan, a 9 de janeiro de 1998,
pedindo-lhe que desse um passo para salvar as línguas Mo mundo da extinção,
pela declaração de um Dia Internacional
da Língua Materna. Rafiq propôs a data para 21 de fevereiro, para comemorar
os assassinatos de 1952, em Dhaka, durante o Movimento da Língua.
A proposta de
Rafiqul Islam foi apresentada no parlamento de Bangladesh e no devido tempo (a
pedido da primeira-ministra Sheikh Hasina) uma proposta formal foi apresentada
à UNESCO pelo governo de Bangladesh.
O processo de
acompanhamento da proposta por meio do sistema regulatório da UNESCO foi conduzido
por Syed Muazzem Ali, embaixador de Bangladesh na França e Representante Permanente
da UNESCO, e Tozammel Tony Huq, seu antecessor, que era então conselheiro
especial do secretário-geral da UNESCO, Frederico Mayor. Finalmente, a 17
de novembro de 1999, a 30.ª Assembleia Geral da UNESCO decidiu, por unanimidade,
que “21 de fevereiro seja proclamado Dia
Internacional da Língua Materna em todo o Mundo, para comemorar os mártires que
sacrificaram as suas vidas, neste mesmo dia, em 1952”.
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Assim, a
luta, a história e a necessidade da prática se aliaram em prol da Língua
Materna. É obra!
2023.02.22 – Louro de Carvalho
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