A 16 de fevereiro de 2023, o Conselho de Ministros aprovou as medidas de concretização do desígnio de “um parque
habitacional capaz de garantir habitação digna a toda a população” pelo
equilíbrio entre a reforma estrutural, assente na promoção de novas respostas
de habitação pública e na qualificação das existentes, e a resposta conjuntural
que permita respostas imediatas “para fazer face à urgência de assegurar acesso
a uma habitação digna e adequada aos rendimentos e dimensão dos diferentes
agregados familiares”.
Tais medidas
configuram o Plano de Intervenção de resposta ao desígnio “Mais Habitação”, com
respostas imediatas de complemento à política pública estrutural de reforço do
parque público habitacional; cumprem os objetivos estratégicos de aumento da
oferta de terrenos para habitação, de simplificação dos processos de
licenciamento de construção, de aquisição e de utilização de habitação, bem
como de aumento e de melhoria da oferta de arrendamento, de combate à
especulação e de proteção às famílias.
Reveem-se os
regimes jurídicos do procedimento especial aplicáveis ao despejo, à injunção em
matéria de arrendamento e ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio, para salvaguardar
a tutela do direito à habitação e a justa ponderação de interesses no confronto
com o direito de propriedade, bem como para assegurar a interoperabilidade com
outros serviços do Estado.
Altera-se o
regime de controlo prévio das operações de loteamento e das operações
urbanísticas, com o objetivo de promover a sua simplificação, agilização e
uniformização, promover uma maior celeridade dos processos e criar um regime
sancionatório.
Cria-se um
apoio financeiro do Estado, em forma de bonificação temporária de juros, aos
mutuários de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação
própria permanente, quando o indexante do contrato crédito for igual ou
superior a 3%.
O diploma em
causa visa responder à realidade sentida pelas famílias, devido à rápida
variação do indexante de referência, com incidência num dos principais encargos
do orçamento familiar, o crédito para a aquisição ou construção de habitação
própria permanente.
Na
conferência de imprensa subsequente à sessão do Conselho de Ministros, o
primeiro-ministro, na presença
dos ministros das Finanças e da Habitação, afirmou que o governo aprovou um
conjunto de “medidas que procuram responder, de forma completa, a todas as dimensões
do problema da habitação”, as quais “serão colocadas em discussão pública
durante cerca de um mês para que possam ser aprovadas em definitivo, umas pelo
Governo, outras através de proposta de lei à Assembleia da República”. Frisou
que “a habitação é uma preocupação central e transversal da sociedade
portuguesa, porque diz respeito a todas as famílias e não apenas às mais
carenciadas”, mas também “aos jovens e às famílias da classe média”. E
acrescentou que, pelo programa ora aprovado, “procuramos agir em todas as dimensões
do problema”.
Neste
sentido, apontou cinco eixos de problemas e de soluções:
- Aumentar a oferta de imóveis para habitação. Mesmo
sem alteração de plano de ordenamento do território ou sem licença de
utilização, terrenos classificados ou imóveis licenciados para comércio ou
serviços podem ser usados para a construção de (ou reconvertidos para)
habitação. E o Estado disponibilizará terrenos ou edifícios para cooperativas
ou o setor privado fazerem habitações a custos acessíveis, mencionando “dois
concursos dedicados à construção modelar que encurta significativamente os
prazos de construção e aumenta a eficiência energética”.
- Simplificar os processos de licenciamento. Sobressaem dois
tipos de medidas: uma, “muito inovadora, pela qual os projetos de
arquitetura e de especialidades deixam de estar sujeitos a licenciamento
municipal, passando a haver um termo de responsabilidade dos projetistas,
ficando o licenciamento municipal limitado às exigências urbanísticas; e outra,
pela qual se fixa “efetiva penalização financeira das entidades públicas,
quando não respeitem os prazos previstos na lei para a emissão de pareceres ou
tomada de decisão, passando a correr juros de mora a benefício do promotor”,
deduzindo o Estado, “no Orçamento do ano seguinte, ao causador da demora”.
- Maior mercado de arrendamento. Destaca-se a necessidade de
reforçar a confiança dos senhorios para colocarem no mercado casas devolutas
através de duas medidas, a primeira das quais é que o Estado se propõe arrendar
todas as casas disponíveis durante cinco anos, desde que possa
subarrendar. Além disso, introduz-se uma alteração, relativamente a
contratos existentes ou que sejam estabelecidos entre senhorios e inquilinos,
para que, em todos os pedidos de despejo que deem entrada no Balcão Nacional de
Arrendamento, após três meses de incumprimento, o Estado passe a substituir-se
ao inquilino no pagamento e ao senhorio na cobrança da dívida, verificando se
há causa socialmente atendível e resolvendo-a, ou despejando-o.
Para
aumentar a oferta pública de habitações para arrendamento acessível,
estabelece-se “um princípio de isenção de imposto de mais-valias a quem venda
ao Estado, incluindo municípios, qualquer tipo de habitação”, incentivando quem
tem casas que não pretende usar a vendê-las, para que se possa aumentar o
número de habitação a colocar em arrendamento acessível. E, para alargar o
mercado de arrendamento, cria-se “uma linha de crédito de 150 milhões de euros
para financiar as obras coercivas por parte dos municípios, que a lei permite,
mas [que] os municípios raramente fazem por dificuldade financeira”.
Cria-se
um “forte incentivo para que regressem ao mercado de habitação frações que estão
dedicadas ao alojamento local”, através de várias medidas. Assim, as
atuais licenças serão reavaliadas em 2030, e, posteriormente, haverá
reavaliações periódicas; serão proibidas as emissões de novas licenças, com
exceção do alojamento rural nos concelhos do interior, onde não há pressão
urbanística e que podem contribuir para a dinamização económica do território;
os proprietários que transfiram fogos do alojamento local para arrendamento
habitacional, até final de 2024, terão uma taxa zero no imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares (IRS) até 2030; e será criada uma
contribuição extraordinária aos alojamentos locais para financiar políticas de
habitação.
Reforçam-se
os incentivos fiscais para o arrendamento acessível, sem pagamento do imposto
municipal de transmissão de imóveis (IMT) na aquisição de casas para
arrendamento acessível. Quem realize obras de reabilitação nestas casas pagará o
imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à taxa de 6%, e terá total isenção de
IRS sobre os rendimentos prediais.
Melhoram-se
os incentivos fiscais para todo o arrendamento, baixando a taxa de 28% para
25%.
Reforçam-se
os incentivos à estabilidade nos contratos de arrendamento: se o contrato for
entre cinco e 10 anos, a taxa de 23% passará para 15%; se for entre 10 e 20
anos, a taxa de 14% baixará para 10%; e, se for mais de 20 anos, baixará de 10%
para 5%.
- Combater a especulação imobiliária. Neste âmbito, foram destacadas
duas medidas: o fim da concessão de novos Vistos Gold, “sendo renovados os
existentes, se se tratar de investimentos imobiliários, apenas para habitação
própria e permanente ou se for colocado duradouramente no mercado de
arrendamento”; e, para regular as rendas no mercado, a limitação, pelo Estado, do
crescimento das rendas em novos contratos, devendo estas “resultar da soma da
renda praticada com as atualizações anuais e do valor da subida da inflação fixada
pelo Banco Central Europeu”.
- Apoiar as famílias, quer no contrato de arrendamento,
quer no crédito à habitação. Para as ajudar a reduzir o endividamento, “permite-se
a isenção do imposto de mais-valias da venda de uma casa para amortização do
crédito à habitação do próprio ou de um seu descendente”. Para tanto, determina-se
que todas as instituições financeiras que praticam crédito imobiliário têm de
oferecer crédito a taxa fixa; cria-se um apoio para créditos até 200 mil euros
de famílias tributadas até ao 6.º escalão do IRS, bonificando o Estado o juro
em 50% do valor acima do valor máximo a que foi sujeita a família no teste de
stresse, aquando da contratação do crédito; e, nos valores dos contratos de
arrendamento em vigor, atribui-se aos agregados familiares com rendimentos até
ao 6.º escalão de IRS, inclusive, com uma taxa de esforço superior a 35% e com uma
renda de casa nos limites fixados pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação
Urbana (IHRU) para o respetivo concelho, um subsídio do Estado até ao limite de 200 euros mensais para as rendas.
Por fim, o primeiro-ministro, tecendo
considerações à “nova geração de políticas de habitação”, lembrou que, em 2016, se definiu
como prioritário o lançamento de uma nova geração de políticas de habitação. E
disse: “Começámos pelas fundações – pela elaboração de uma estratégia nacional
e a aprovação de uma lei de bases – e construímos uma política como o País não
tinha desde o início do século.” Tal estratégia “deu lugar a 230 estratégias locais
de habitação de municípios”. As medidas do programa Porta 65, de arrendamento
jovem, apoiam 16.500 famílias e, com as novas regras, este número alargará. E,
no âmbito do PRR, definiram-se 2.700 milhões de euros para aumentar a oferta
pública de habitação: estão concluídos 1.200 fogos, 11.900 estão em fase de
projeto ou de obra. E há “o calendário para 26 mil novas casas de oferta
pública de habitação”.
***
Depois
da crassa penúria em habitação pública e da onda especulativa grassante, o
pacote “Mais Habitação” é uma lança em África. Porém, as primeiras contestações
já vieram a lume, mesmo antes de se ler o programa, que vai estar em discussão
pública. Com efeito, há poderosos interesses instalados. Proprietários,
construtores e senhorios dificilmente quererão abdicar dos seus cómodos, nem
sequer aceitando custos de oportunidade, e não aceitam a intervenção do Estado
na economia, embora queiram que o Estado os ajude. Ao invés, custa-lhes a
contribuir para o bem comum. Por outro lado, num contexto de Estado fraco,
assaz capturado pelos interesses instalados, não é fácil um governo descredibilizado
pelos “casos e casinhos”, anular ou travar a especulação imobiliária. E as
autarquias estão demasiado próximas dos grupos económicas – bastante longe dos cidadãos
– para assumirem cabalmente as suas responsabilidades.
Veremos
os que resulta da discussão pública do documento. Porém, se é certo que nem
todos poderão viver à grande e à francesa, pelo menos, todos têm direito ao
mínimo de dignidade, que postula a habitação condigna – um direito constitucional.
E o que se está a passar afronta a pobreza crescente e a situação de uma classe
média cada vez mais esbulhada da sua situação de conforto. Todos os encargos
sobem, com exceção do rendimento! Parece o reino do diabo.
2023.02.17 – Louro de Carvalho
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