O documento que altera o Código do Trabalho (CT),
introduzindo-lhe mais de 150 normas, que passam ao futuro como a Agenda de
Trabalho Digno (envolvendo
temas como o teletrabalho, a contratação, os despedimentos, as plataformas e as
famílias), deve entrar em vigor no primeiro dia útil de abril (dia 3). Porém,
isso depende da posição do Presidente da República sobre a matéria (promulgação,
veto político, submissão do texto ao Tribunal Constitucional).
Chegou, a 10 de fevereiro, ao fim o debate de dois anos sobre a Agenda de
Trabalho Digno (ATD), de que tanto tem falado o primeiro-ministro. Depois da apresentação,
pelos partidos, de mais de 300 propostas de alteração à proposta de lei do
Governo, de diversos avanços e recuos e de difíceis consensos, o documento
final, após a discussão e aprovação na especialidade, foi aprovado, em votação final
global, na Assembleia da República (AR), com os votos favoráveis do Partido Socialista
(PS), tendo recebido os votos contra do
Bloco de Esquerda (BE), da Iniciativa Liberal (IL) e do Partido Comunista Português
(PCP), bem como a abstenção do Partido
Social Democrata (PSD), do partido Chega, do Partido Pessoas, Animais e
Natureza (PAN) e do
Livre.
Nos termos do decreto da AR, é mais caro despedir, duplica, a partir das
100 horas anuais, o valor do trabalho suplementar, é proibido o outsourcing após rescisão de contrato e é ser
regulado o trabalho nas plataformas. Em matéria de teletrabalho e de família,
espera-se a isenção fiscal dos gastos com teletrabalho, o aumento da licença
parental do pai e o alargamento do direito a teletrabalho a progenitores com
filhos com deficiência ou com doença crónica ou oncológica.
O Artigo 12.º-A foi um dos mais controversos. É uma adenda ao Código do Trabalho que define as regras laborais no domínio das plataformas digitais
(como a Uber ou a Glovo). Definem-se seis caraterísticas
que podem levar um tribunal a determinar quem é considerado o patrão de um
motorista ou de um estafeta, verificando-se a ocorrência de duas ou de,
pelo menos, uma delas.
Ocorrem, quando a plataforma fixa
a retribuição do trabalho efetuado ou
os seus limites máximos e mínimos; exerce o poder de direção
e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de
apresentação do prestador, à sua conduta ante o utilizador do serviço ou à
prestação da atividade; controla e supervisiona a prestação da
atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade
prestada, nomeadamente por meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
restringe a autonomia do prestador quanto à organização do
trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos
de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização
de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha
dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; exerce poderes laborais sobre o prestador, nomeadamente o poder
disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através
de desativação da conta; e os equipamentos e instrumentos
de trabalho pertencem à plataforma ou são por explorados pelo prestador através
de contrato de locação.
O artigo em referência dá primazia a que o reconhecimento
da existência de contrato de trabalho ocorra com a própria plataforma,
ao invés do que sucede agora nos “Ubers”, em que o motorista presta serviços
através de intermediário. Cabe à plataforma demonstrar
que não deve ser o empregador nos casos em que pretenda contestar tal
presunção.
O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar, aquando da celebração do acordo de prestação de
teletrabalho, o valor da compensação devida ao trabalhador por despesas
adicionais. Todavia, o Governo define o valor até ao qual a compensação
que a empresa tem de pagar pelas despesas adicionais com teletrabalho fica
isenta de imposto. A compensação pelo acréscimo das despesas com teletrabalho é
considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não rendimento do
trabalhador até ao limite do valor definido em portaria dos membros do governo
que tutelam os assuntos fiscais e segurança social. Assim, o pagamento de despesas adicionais com teletrabalho fica
isento de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e de taxa
social única (TSU) até um montante máximo, tal como sucede com o subsídio de
alimentação, cujo teto diário é de 5,20 euros, se for pago por transferência
bancária, ou de 8,32 euros, se for pago em cartão de refeição.
Os trabalhadores com filhos portadores de deficiência,
de doença crónica ou de doença oncológica, independentemente da idade, têm
direito a exercer a atividade profissional em regime de teletrabalho,
sempre que seja compatível com a função e o empregador tenha recursos e meios.
Os cuidadores informais têm direito a requerer o regime de trabalho a tempo
parcial, ou seja, num período normal de trabalho diário igual a metade do
praticado a tempo completo em situação comparável, podendo usufruir
dessa regalia no “período máximo de quatro anos”, em regime de horário de
trabalho flexível e sem obrigação de “prestar trabalho suplementar”. E foi
criada a licença anual não remunerada de cinco dias consecutivos,
que tem de ser comunicada pelo trabalhador ao empregador com 10 dias de
antecedência, indicando as datas do seu gozo.
A licença parental obrigatória do pai é aumentada de 20 dias úteis para
28, “seguidos ou em períodos de no mínimo sete dias, nos 42 dias
seguintes ao nascimento”. Destes 28 dias, sete devem ser gozados, de modo
consecutivo, logo após o nascimento. Depois de usufruir dos 28 dias, “o
pai tem ainda direito a sete dias de licença, seguidos ou interpolados, desde
que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da
mãe”. E, se o recém-nascido for internado durante o período após o parto, a
licença obrigatória pode ser suspensa, “a pedido do pai, pelo tempo de
duração do internamento”.
Os direitos de quem quiser adotar ou ser família de acolhimento aumentam. O trabalhador deixa de ter limite de dispensas laborais para dar
resposta ao processo de adoção e acolhimento familiar. Assim, os candidatos
a adotante terão direito a dispensas de trabalho para realização de avaliação
ou para cumprimento das obrigações e de procedimentos previstos na lei para os
respetivos processos sem limite, mas continua a ser necessária a apresentação
de justificação ao empregador.
Além disto, podem “gozar até 30 dias da licença parental inicial no
período de transição e acompanhamento” e têm direito a licenças para
assistência ao filho.
Atribuem-se três dias consecutivos de luto pela perda de filho em fase
de gestação. Ambos os pais têm direito a esses dias, sem perda de
qualquer direito ou corte salarial. Os pais terão de apresentar ao empregador prova
da morte do filho durante a gestação (por declaração do hospital ou do centro
de saúde ou, ainda, por atestado médico). As faltas por falecimento de
cônjuge, de filho ou de enteado, passam de cinco dias consecutivos para
20. E, no caso do falecimento de outros parentes ou afins no 1.º
grau na linha reta, alarga-se a licença a até cinco dias consecutivos.
Reduz-se para quatro o número máximo de renovações dos
contratos de trabalho temporário, fixado atualmente em seis. Assim, “converte-se em contrato de trabalho por
tempo indeterminado, para cedência temporária, o contrato de trabalho
temporário que exceda o limite referido”.
Além do limite de quatro renovações, a empresa que cesse contrato com o
trabalhador temporário (por motivo que não lhe possa ser imputado) está impedida de recorrer ao outsourcing, para externalizar
serviços, para o mesmo posto ou para a mesma atividade profissional, sem que
tenha decorrido, pelo menos, um terço da duração do contrato, incluindo
renovações. A regra aplica-se ao empregador e a todas as empresas do mesmo
grupo. Além disso, o empregador deve comunicar à entidade com competência na área
da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com a antecedência mínima
de cinco dias úteis a contar da data do aviso prévio, o motivo da não renovação
de contrato de trabalho a termo, estando em causa trabalhadora grávida, puérpera
ou lactante ou trabalhador no gozo de licença parental, bem como no caso de
trabalhador cuidador.
Em caso de despedimento coletivo, o empregador deve comunicar, por escrito,
a intenção a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos. O trabalhador
tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição
base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. E “o
empregador é responsável pelo pagamento da totalidade da compensação, sem
prejuízo do direito do trabalho a acionar o fundo de garantia de compensação do
trabalho”, nos termos previstos na legislação.
O Estado incentiva a contratação coletiva, enquadrando-a no âmbito das suas
políticas específicas. As empresas que o façam serão
privilegiadas “no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos”,
incluindo fundos europeus, contratação pública e incentivos fiscais. O
objetivo é promover este tipo de contratação que garante a negociação entre
empregadores e representantes dos trabalhadores no que toca a condições
específicas do trabalho a aplicar à empresa ou ao setor.
O período experimental de 180 dias, para jovens à procura do
primeiro emprego e para desempregados de longa duração, é reduzido ou até excluído, se a duração do anterior contrato
de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou
superior a 90 dias. Nos casos de períodos experimentais iguais ou superiores a
120 dias, o empregador é obrigado a comunicar ao trabalhador a denúncia de
contrato com um aviso prévio de 30 dias. E o trabalho suplementar superior a
100 horas anuais é pago com os seguintes acréscimos: “50% pela primeira hora ou
fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil” e “100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal,
obrigatório ou complementar, ou em feriado”. Atualmente, o valor das
horas extra está fixado em 25%, 37,5% e 50%, respetivamente.
Nos estágios extracurriculares, o estagiário não pode receber um
valor inferior à remuneração mínima mensal garantida (RMMG), que é de 760 euros,
em 2023, contra os atuais 480 euros, o indexante de apoios sociais (IAS).
O estagiário tem, assim, um enquadramento na Segurança Social equiparado a um
contrato de trabalho por conta de outrem, sendo a entidade promotora do estágio
obrigada a contratar um seguro de acidentes de trabalho.
Está previsto o contrato de trabalho, não sujeito a forma escrita, para estudantes em período de férias escolares ou em interrupção
letiva. No entanto, o empregador deve comunicar a celebração do contrato
ao serviço competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico que satisfaça
todas as exigências de comunicação previstas noutras disposições legais,
assegurando aquele serviço a interconexão de dados com outros serviços que se
mostre necessária.
Em fim de contrato ou em despedimento, o trabalhador não pode abdicar dos créditos devidos pelo empregador: subsídio de férias e/ou natal; subsídio de formação; e horas
suplementares. As remissões abdicativas têm de ser consideradas no
cálculo das compensações por fim de contrato e são irrenunciáveis (que
sucedia por pressão dos empregadores). Os créditos de trabalhador não são suscetíveis
de extinção remissão abdicativa, salvo por acordo em tribunal.
As baixas por doença podem ser passadas pelo serviço digital do
Serviço Nacional de Saúde (o SNS24), “mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra”, que só
pode ser emitida se a situação de doença não ultrapassar os três dias consecutivos,
até duas vezes por ano.
***
Sabe a pouco – dirão. Porém, se a ATD passar do papel à prática, será uma lança
em África.
2023.02.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário