O Banco
Central Europeu (BCE) decidiu aumentar, novamente, a 2 de fevereiro, as taxas de
juro diretoras em 50 pontos-base, como já se antecipava, sobretudo da parte dos
mercados. E não se fica por aqui, pois, embora sem compromisso, prevê nova
subida em 16 de março. Nestes termos, a taxa central (de refinanciamento) subiu
para 3%, ou seja, subiu 0,5%. É o valor mais alto dos últimos 15 anos, desde o
tempo da grande crise financeira que eclodiu no final de 2008.
Recorde-se
que a taxa diretora de refinanciamento é o preço normal aos bancos comerciais
quando estes pedem emprestado dinheiro aos bancos centrais, numa base diária,
para terem fundos para fazerem os seus negócios, como vender crédito às
famílias e empresas.
A entidade
sediada em Frankfurt começou esta subida muito rápida e musculada das taxas de
juro em julho de 2022, para tentar arrefecer a economia e baixar a inflação,
que disparou para números nunca vistos (desde que existe o euro), com a guerra
e a crise energética.
A taxa de
juro central, que durante mais de seis anos esteve nos 0%, começou a subir em
julho (aumento da taxa para 0,5%). Em setembro, o BCE tornou-se ainda mais
agressivo, avançando com um agravamento de 0,75%. E, em novembro repetiu a dose
com mais 0,75%.
Nas vésperas
de Natal, continuou o aperto monetário, mas abrandou um pouco: aumentou a taxa
em meio ponto percentual para 2,5%. Desta feita, repetiu a mesma dose e a taxa principal
da zona euro está, como referido, nos 3%, e prevê-se a subida de mais 0,5% (50
pontos-base) em março.
Assim, os
juros para financiamento do setor bancário estão, agora, em 3% e a remuneração
dos quatro biliões de euros depositados na facilidade permanente pelos bancos
passou para 2,5%.
A reunião do Conselho do BCE contou, pela primeira vez, como participante
de pleno direito, com o governador do banco central da Croácia, que entrou no Eurossistema
em janeiro deste ano. Os governadores dos bancos centrais nacionais do sistema
do euro são, agora, 20.
A equipa de Christine Lagarde optou por não imitar as subidas mínimas de 25
pontos-base decididas, a 1 de fevereiro, pela Reserva Federal norte-americana e,
em janeiro, pelo Banco do Canadá e pelo Banco Central da Coreia do Sul. O
governador canadiano falou da necessidade de se ficar por “um aumento modesto”
e foi mais longe, anunciando que o ciclo de subida dos juros entrava numa “pausa
condicional”.
Em
comunicado, o Conselho do BCE, onde tem assento a presidente Christine Lagarde
e os governadores dos bancos centrais nacionais dos 20 países do euro, como o
português Mário Centeno, refere que mais subidas haverá até se considerar que a
inflação está dominada e ancorada no objetivo de 2%. Presentemente, a inflação
da Zona Euro está num nível totalmente incompatível com este programa: foi de
9,2% em dezembro; e a primeira estimativa para janeiro revela que até abrandou
para 8,5%. Contudo, este valor é mais de quatro vezes superior ao objetivo
normativo do BCE. Assim, esta
autoridade monetária liderada, mesmo contra a posição dos governos da Zona Euro
e o sentir no fórum de Davos 2023, dever prosseguir a trajetória de subida das
taxas de juro a um ritmo constante e mantê‑las‑á em níveis suficientemente
restritivos, para assegurar um retorno atempado da inflação ao seu objetivo de
2%, a médio prazo.
Para isso,
como referido, o BCE decidiu agora “por um aumento de 50 pontos base [meio
ponto percentual, 0,5%] das três taxas de juro diretoras do BCE, as quais espera
continuar a aumentar”. E, “atendendo às pressões sobre a inflação subjacente, o
conselho do BCE tenciona aumentar as taxas de juro em mais 50 pontos base na
próxima reunião dedicada à política monetária, em março”, momento em que avaliará “a trajetória subsequente da
política monetária”, mas avisa que “manter as taxas de juro em níveis
restritivos reduzirá, com o tempo, a inflação, ao refrear a procura, e
protegerá também contra o risco de uma persistente deslocação, em sentido ascendente,
das expectativas de inflação”. A via é, pois, de subida, embora se ressalve que
as futuras decisões sobre as taxas de juro diretoras dependerão dos
dados e terão abordagem reunião a reunião.
Mesmo com a inflação a ficar abaixo de 9%, em janeiro, e com a perspetiva
de crescimento fraco, abaixo de 1%, em 2023, o BCE não cede à pressão de
abrandar o custo do dinheiro. Ao invés, reafirma a determinação no ciclo de
aperto monetário até março, nada adiantando em relação ao mês de maio e
seguintes.
A resistência a imitar norte-americanos ou canadianos é forte no BCE. Em
Washington, a equipa de Jerome Powell, decidiu, recentemente, por unanimidade,
optar pelo aumento mínimo. Ao contrário, em Frankfurt, o Conselho do BCE está
longe de qualquer unanimismo. Assim, na reunião de dezembro, um grande número
de conselheiros pretendia uma subida de 75 pontos-base, repetindo o aperto
decidido nas reuniões anteriores, de setembro e de outubro. Porém, Philip Lane,
o economista-chefe, com algumas concessões na estratégia de comunicação, obteve
a maioria de votos para abrandar a subida para meio ponto percentual.
Tal como nos Estados Unidos, o processo de desinflação (redução da
inflação) já está em marcha na Zona Euro, mas com atraso. O pico do surto
inflacionista poderá ter sido atingido em outubro de 2022, com a variação de
preços no consumidor em 10,6%. Em janeiro, caiu 8,5%, tendo descido, em Portugal,para 8,6%.
Na componente energética, a que mais pesa, a inflação diminuiu de 44%, em
março de 2022 (no mês a seguir à invasão russa da Ucrânia); para menos de 35%,
em novembro; e para 26%, em dezembro. E, em janeiro de 2023, abrandou ainda
mais, estimando-se que tenha ficado em 17%.
Todavia, a trajetória de desinflação não é homogénea na Zona Euro. Ao invés
da tendência global, a inflação acelerou, em janeiro, em cinco economias:
Áustria, Estónia, Espanha, França e Letónia.
Além do mais, a inflação excluindo as componentes mais voláteis, regista um
percurso inverso ao da inflação global. Os economistas chamam-lhe inflação
subjacente, e o BCE dá particular atenção ao seu comportamento. E a curva
destes preços vem aumentando. Em janeiro de 2022, estava em 2,3%; em julho,
tinha passado a barreira dos 4%; e, em dezembro, subiu para 5,2%. As estimativas
avançadas recentemente apontam para 5,2%, em janeiro, mostrando que esta
inflação não acelerou, mas continua elevada.
É de anotar que há riscos de regressar uma nova alta de preços na energia,
a partir do verão, e forte pressão sobre as cotações das matérias-primas, em
virtude da reabertura da China (que poderá crescer mais de 5%, ou seja, 2%
acima do registado em 2022). Se isso acontecer, ficarão reforçados os
argumentos a favor de várias subidas suplementares significativas dos juros.
Os analistas financeiros não preveem que o BCE abrande o ritmo de aumento
das taxas, apontando para novas subidas robustas nas próximas reuniões a 16 de
março e 4 de maio. A perspetiva é que a taxa principal chegue a 4% e a taxa de
remuneração dos depósitos a 3,5% no começo do verão, o que pode ser insuficiente
para conter a inflação, mormente se as incertezas sobre a inflação subjacente,
os futuros dos preços da energia e a flutuação da curva de inflação em vários
países da Zona Euro exigirem ao BCE mais dureza no aperto. Então, a taxa de
remuneração poderá chegar a 4,5% ou 5%, no segundo semestre deste ano.
O BCE pretende iniciar, este ano, uma redução significativa do seu balanço,
que fechou com ativos e passivos no valor de 7.956 mil milhões de euros, em
dezembro de 2022. No final de janeiro de 2023, o balanço emagreceu 62 mil
milhões de euros, caindo para 7894 mil milhões.
A dieta incidiu sobretudo no valor dos empréstimos do BCE ao setor
bancário, através da linha de financiamento de prazo alargado conhecida pelo
acrónimo TLTRO (em Português, operações de
refinanciamento de prazo alargado direcionadas). Entre dezembro de 2022 e o
final de janeiro, esta linha de financiamento baixou 63,5 mil milhões de euros.
O objetivo, a partir de março, é dar
um corte na carteira de títulos de dívida pública e privada que o BCE detém, em
virtude dos programas de aquisição desde 2014 e 2015. No final de dezembro, a
carteira somava 4937 mil milhões de euros, que subiram para 4945 mil milhões, a
31 de janeiro. O corte será feito pela redução do plano de reinvestimentos
dos valores da carteira de títulos comprados no âmbito do programa alargado de compras de ativos (APP), de Mario Draghi.
Entre março e junho, o BCE pretende
não reinvestir, em média, mais de15 mil milhões de euros por mês e quer
devolver a dívida aos países. Porém, introduziu a novidade ‘verde’ em relação à
carteira que tem de títulos de empresas: quanto às aquisições do Eurossistema
de obrigações de empresas, os reinvestimentos remanescentes privilegiarão os
emitentes com melhor desempenho climático. Esta abordagem apoiará a
descarbonização gradual das posições do Eurossistema em obrigações do setor
empresarial, em consonância com as metas do Acordo de Paris.
Quanto ao programa de Christine Lagarde
em resposta à pandemia (pandemic
emergency purchase programme – PEPP), o
BCE mantém a orientação: reinvestir os pagamentos de capital dos títulos
vincendos adquiridos no contexto do programa até, pelo menos, ao final de 2024.
De qualquer modo, a descontinuação gradual da carteira do PEPP será gerida por
forma a evitar interferências com a orientação de política monetária apropriada.
O nível de taxa de remuneração dos depósitos do setor bancário na
“facilidade permanente de depósito” no BCE não é de somenos. Tendo sido
negativa entre junho de 2014 e 26 de julho de 2022, penalizando esse tipo de
depósitos, a remuneração subiu para 2,5% depois da decisão de 2 de fevereiro. No
mais recente registo do valor dos depósitos naquela rubrica do passivo do BCE,
o montante atingiu 4,1 biliões de euros em 27 de janeiro. Desde o final de
dezembro, entraram para esse tipo de depósito cerca de 313 mil milhões de
euros. Com a taxa a subir, os depósitos geram um aumento dos juros anuais pagos
pelo BCE ao setor bancário.
Se o encaixe em juros remuneratórios é benéfico, esses pagamentos a fazer
ao setor bancário deteriorarão os resultados dos bancos centrais nacionais do
Eurossistema. No fim de contas, será o aumento dos défices públicos e da dívida
pública e, com menos lucros registados pelos bancos centrais, menos dividendos
serão distribuídos pelos governos.
Entretanto, o crédito à habitação sobrecarrega desmedidamente as famílias,
pondo-as em risco de incumprimento, e os outros tipos de crédito disparam E o
aumento de juros dos devedores não se reflete, nem de longe, no aumento dos
juros dos depósitos. Enfim, aposta-se na salvação da banca e, eventualmente, na
dos governos, mas assiste-se ao empobrecimento dos cidadãos e das famílias e à
fragilização das empresas.
2023.02.02 – Louro de Carvalho
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