O uso intensivo dos recursos da natureza e a poluição
dos solos, dos oceanos e do ar, que geram as alterações climáticas, a que assistimos
– aliás de que somos agentes e protagonistas – de que resultam, entre outras situações,
o aumento global da temperatura, estão a causar a subida sistemática da água
dos mares e oceanos e podem originar uma nova geoestratégia política.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os níveis médios globais do mar
aumentaram mais rapidamente desde 1900 do que em qualquer século anterior, nos
últimos 3000 anos, e o oceano como um todo aqueceu
mais rápido, no último século, do que em qualquer outro momento nos últimos
11.000 anos. Por consequência, daqui a um ou dois séculos, as grandes
metrópoles da atualidade poderão ser muito diferentes, caso não se diminuam,
sobretudo, os níveis de poluição da atmosfera.
Ainda que a
temperatura global aumente só dois graus Celsius (2ºC) até 2100, o impacto em algumas megacidades
costeiras será bastante significativo. O nível da água do mar pode subir
tanto que algumas zonas de cidades como Nova Iorque, Xangai e
Bombaim, ficarão submersas, afetando a vida de, pelo menos, 130 milhões de
pessoas (não ficando imunes cidades costeiras de Portugal). E, se a temperatura
aumentar 4ºC, como apontam as trajetórias atuais, a subida do mar afetará
entre 470 a 760 milhões de pessoas, que terão de procurar outro
sítio para viver.
O alerta é da ONU, que avisa que, se nada for feito, o mar
vai inundar dezenas de cidades e até países inteiros, pois subirá entre um e 1,60 metros, até 2100. A subida do nível do mar põe em risco a vida de milhões
de pessoas, em todo o planeta: um risco direto nas regiões costeiras e nos
arquipélagos, um perigo, também, para todos os outros, reitera o
secretário-geral da ONU, António Guterres.
Segundo um estudo publicado na revista Science,
em 2022, mesmo se conseguirmos limitar o aumento da temperatura global a 1.5°C,
corremos o risco de provocar múltiplos “pontos de não retorno climáticos” no
Ártico, o que agravará o cenário climático para todo o planeta.
Por outro lado, a investigação, “Hamburg Climate
Futures Outlook”, do departamento de “Clima, Alterações Climáticas e Sociedade”
(CLICCS, na sigla original) da Universidade de Hamburgo, Alemanha, analisou,
além de questões físicas ligadas ao clima, a política climática, os protestos e
a crise devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, tendo concluído que a
mudança social é essencial para cumprir os objetivos do Acordo de Paris.
Limitar o aquecimento global a 1,5ºC é
improvável, indica o seu relatório, que valoriza as mudanças
sociais, para cumprir os objetivos de redução de emissões de gases com
efeito de estufa.
O Acordo de Paris, assinado em 2015 por quase todos os países
do Mundo, estabelece, como meta para o controlo do aumento da temperatura, os
2ºC em relação à época pré-industrial e insta a que, se possível, o aumento não
ultrapasse os 1,5ºC. E o objetivo tem sido mantido nas reuniões mundiais sobre
o clima.
Para a “Hamburg Climate Futures Outlook”, as metas alcançadas até agora não são suficientes,
sendo necessária nova abordagem sobre a adaptação às mudanças climáticas. “Na verdade, quando se trata de proteção
climática, algumas coisas já foram postas em marcha. Mas, se analisarmos o
desenvolvimento dos processos sociais em pormenor, manter o aquecimento global
abaixo dos 1,5 graus ainda não é plausível”, diz Anita Engels, do CLICCS, citada
no documento.
O estudo diz, nomeadamente, que os padrões de consumo e as respostas empresariais não estão a contribuir para as medidas de proteção climática, que são urgentemente
necessárias.
Contudo, paralelamente, fatores como a política
climática da ONU, as
legislações, os protestos climáticos e o desinvestimento em combustíveis
fósseis estão a apoiar os esforços para atingir os objetivos climáticos.
São dinâmicas positivas, mas não suficientes para manter a temperatura no
limite dos 1,5ºC. “A profunda descarbonização necessária está simplesmente
a progredir demasiado lentamente", diz Anita Engels.
Os investigadores também analisaram
processos físicos que são muitas vezes discutidos como
pontos de rutura, como a perda de gelo no Oceano Glacial Ártico, o derretimento das calotas polares ou as alterações climáticas regionais,
considerando que terão pouca influência sobre a temperatura global até 2050. E
mais importante, embora de forma moderada, será o descongelamento das zonas com
solo sempre gelado (permafrost), o enfraquecimento das correntes superficiais e
profundas do Oceano Atlântico ou a perda de floresta na Amazónia.
“O facto é que estes temidos
pontos de viragem poderiam mudar drasticamente as condições de vida na Terra,
mas são largamente irrelevantes para alcançar os objetivos de temperatura do
Acordo de Paris”, diz Jochem Marotzke, do Instituto Max Planck de Meteorologia,
de Hamburgo.
O estudo, que analisou também a pandemia de covid-19 e
a invasão russa da Ucrânia, concluiu que os programas de reconstrução económica
reforçaram a dependência dos combustíveis fósseis, o que significa que as
mudanças necessárias são agora menos plausíveis do que se supunha antes.
Porém, continua a não ser claro se os esforços para
salvaguardar o fornecimento de energia à Europa e as tentativas da comunidade
internacional para se tornar independente do gás russo irão minar ou acelerar a
eliminação gradual dos combustíveis fósseis a longo prazo.
De acordo com o estudo, a melhor esperança para moldar um
futuro climático positivo reside na capacidade da sociedade de fazer mudanças
fundamentais, sendo importantes para isso as iniciativas transnacionais e
não-governamentais e a continuação da pressão sobre os políticos.
A variação
do nível do mar está associada à eustasia (do Grego stásis,
posição + eu, bem, em relação a) e à isostasia (stásis, com o adjetivo isós, igual). A primeira é relativa ao
volume das bacias oceânicas, enquanto a segunda se relaciona com os movimentos
tectónicos.
A variação eustática resulta de fator que faça variar,
significativamente, o volume de água presente no oceano. Uma das suas causas é a variação da
quantidade de água presente nos oceanos, devido às alterações climáticas
abruptas que ocorrem desde o início do Quaternário (período da
escala de tempo geológico em que vivemos), em que se dá a fusão de calotas
polares e/ou o aprisionamento de água em massas de gelo. A oscilação do volume
da água do mar depende também da expansão e contração térmica, mercê da
variação significativa da sua temperatura. Este processo, designado
de “estereoeustasia” (stásis, com o
adjetivo stereós), pode causar
regressão ou transgressão, consoante a temperatura da água. Outra das causas é
a mudança do volume das bacias oceânicas, como a ocorrida com o alargamento do
Oceano Atlântico, devido à divergência das placas tectónicas, fazendo com que a
eustasia e isostasia estejam interligadas.
Os movimentos isostáticos, como referido acima, estão
diretamente ligados à tectónica de placas, provocando, assim, a subida e
descida dos continentes e, por consequência, o recuo e o avanço do nível da
água do mar, respetivamente. Uma das principais causas da isostasia é a glacio-isostasia,
que se dá quando há formação de inlandsis, isto é, grandes
mantos de gelo que cobrem área igual ou superior a 50.000 km². Este
fenómeno foi observado no pico máximo da Glaciação de Würm há, aproximadamente, 18.000 anos,
onde o mar recuou cerca de 120 metros devido à formação de inlandsis que chegavam
aos 3 km de espessura, em alguns locais da Escandinávia, por
exemplo. O peso destes mantos de gelo originou uma subsidência (descida) dessa
região, fazendo com que os Países Baixos emergissem (subissem).
Atualmente, com o degelo desses inlandsis acontece o contrário, ou seja, a Escandinávia está a
emergir e, por consequência, ali, o nível do mar está, momentaneamente, a
descer (prova disso são as praias fósseis visíveis em
alguns locais desta região), e os Países Baixos a subsidir, estando o nível do mar a subir.
Uma outra causa poderá ser a sedimento-isostasia em que a deposição excessiva
de sedimentos poderá ter os mesmos efeitos que a deposição do gelo.
***
O Ártico está a aquecer. E, como
avisa Tomé Ribeiro Gomes, bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) sob o impacto da competição entre
grandes potências e do aquecimento global, o mapa geopolítico do Ártico está em
transformação, com imprevisíveis consequências.
Apesar disso, está longe das nossas mentes, talvez por
a nossa conceção da geografia terrestre estar condicionada pelo planisfério de
Mercator, cartógrafo flamengo do século XVI, que projetou o globo de forma
plana, mas com várias distorções. Uma delas é a omissão da posição central do Oceano
Glacial Ártico relativamente à América do Norte e à Eurásia. Além de ser a
menor das cinco bacias oceânicas por área (4,3% da superfície terrestre), a
bacia do Ártico é bordejada pela Rússia, EUA (Alasca), Canadá, Dinamarca
(Gronelândia), Islândia e Noruega. A Finlândia e a Suécia não têm costa no
Ártico, mas têm territórios a norte da linha do Círculo Polar Ártico.
Ora, se forem aceites os pedidos de adesão da Finlândia
e da Suécia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), sete dos Oito
do Ártico pertencerão a essa Aliança Atlântica, ficando de fora apenas a Federação
Russa, quando cresce a animosidade entre este país e a NATO.
Durante a Guerra Fria, o Ártico era visto por ambos os
lados como zona de fronteira, onde era essencial ter forte presença militar,
incluindo bases aéreas e navais, sistemas de vigilância militar, armas
nucleares e, no caso da União Soviética, frotas de submarinos com capacidade
nuclear. Porém, após a dissolução da União Soviética, em 1991, abriu-se espaço
para a cooperação internacional na região, sistema cujo alicerce é o Conselho
do Ártico, fórum intergovernamental onde os Oito do Ártico, outros Estados com
estatuto de observador e representantes de comunidades indígenas se reúnem,
tendo celebrado acordos importantes nas áreas de busca e e de salvamento, bem
como na resposta a desastres ambientais e na cooperação científica.
Esta e outras plataformas de diálogo estão em risco,
devido à invasão da Ucrânia. A última reunião do Conselho do Ártico, em que a
Rússia assumiu a liderança rotativa, aconteceu em 2021. O calendário normal
apontaria para uma reunião em maio deste ano, mas os restantes sete membros
permanentes não estão dispostos a reunir com representantes da Rússia.
Ao mesmo tempo, a calota ártica, a formidável barreira
geográfica, está a ser erodida pelo aquecimento global. As medições de banquisa
(camada congelada na superfície da água do mar, sazonal ou permanente)
existente em setembro, feitas pela NASA, mostram a redução média de 12,6% por
década. Com a extensão de banquisa a diminuir de ano para ano, torna-se mais
fácil movimentar meios navais através do oceano Ártico, sobretudo no verão. Por
conseguinte, aumenta a vulnerabilidade estratégica dos Estados costeiros, bem
como os incentivos à exploração de recursos acessíveis, nomeadamente os
depósitos minerais do Ártico (cobalto e níquel), e à utilização de rotas
marítimas mais navegáveis. Deixarão de ser precisos os navios quebra-gelo, de
custos proibitivos, e serão usados navios normais. Tudo isto será mais fácil
para a Rússia.
***
Enfim, as alterações climáticas também podem originar nova
geoestratégia política e provocar a desglobalização. Basta que os países se
lembrem, cada um, de zelar pelos seus interesses, com os próprios meios, dizendo
adeus ao multilateralismo e à cooperação dialogante.
2023.02.25 – Louro de
Carvalho
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