Foi assaz badalada a orçamentação da construção do altar-palco no futuro Parque
Tejo na margem do Trancão, o custo das fundações e a construção de um altar-palco
no Parque Eduardo VII, em Lisboa, para receber o Papa e a próxima Jornada
Mundial da Juventude (JMJ).
Face
ao dito escândalo provocado pela enormidade da despesa prevista, em contradição
com a propalada sobriedade do Papa Francisco (o Vaticano remeteu a responsabilidade
para as entidades locais), foi anunciada, pela Câmara Municipal de Lisboa e
pela Fundação JMJ, um abatimento de 30% em relação aos custos previstos, com
destaque para os elogios do Presidente da República e para o agradecimento à
empresa construtora do altar-palco junto ao Trancão, que aceitou a redução, sem
exigir qualquer indemnização.
Estou
à vontade para falar sobre o tema, porquanto não contestei, explicitamente, o
montante das despesas previsto. É óbvio que me sensibilizou a enormidade da
despesa, face à pobreza e à crise energética e de bens essenciais, como me
pareceu grande uma despesa deste quilate em torno de um evento eclesial, no contexto
de uma Igreja que se diz serva e pobre. Porém, como as entidades responsáveis
acenavam com as vantagens advenientes do facto de tais equipamentos virem a
servir para eventos futuros e com um grande retorno económico, a única objeção que
deixei é a de que tais equipamentos não deveriam ficar estruturalmente presos a
símbolos religiosos, os quais deveriam ser amovíveis e apostos aquando dos
eventos em que tal se justificasse.
Não
partilho a ideia de um laicismo, secularismo ou aconfessionalidade de Estado,
que impeça a cooperação dos poderes públicos (governo e autarquias) com as
Igrejas, em regime de igual tratamento, adequado à representatividade e ao
volume de iniciativas. A amovibilidade que preconizei dos símbolos religiosos era
apenas funcional.
Não
percebo o acento posto no facto de as despesas da JMJ de Madrid terem ficado
por conta da Igreja e das empresas privadas, por duas razões. Em primeiro lugar,
o futuro Parque Tejo representa uma valorização daquela zona ribeirinha, o que
postula que o atinente ao ordenamento do território com interesse público e às
estruturas e infraestruturas necessárias seja da responsabilidade do Estado e
das autarquias interessadas. E, em segundo lugar, sabe-se que as empresas
portuguesas preconizam a filosofia de menos Estado para haver melhor Estado,
mas estão sempre à espera do Estado para lhes acudir nas suas insuficiências e
nos seus desmandos. Explícito foi o sempre elogiado Horta Osório, quando
garantiu que em 10 anos poderíamos duplicar a riqueza nacional, se o Estado
injetasse dinheiro público nas empresas privadas que tivessem projetos inovadores!
Aliás, muitas das nossas empresas usam todos os estratagemas pra fingirem ao fisco,
ainda que seja através da criação de fundações com vista a estudos ou a ações
de beneficência, ou pela fixação da sede em países estrangeiros.
Duvida-se
do retorno económico da JMJ. Em termos nominais, o Estado, os municípios e a Fundação
JMJ até podem ficar endividados. Porém, seria de fazer contas ao retorno
indireto, via comércio e turismo, em Lisboa e arredores. Ter-se-ia evitado a
gritaria, se a Fundação JMJ tivesse negociado com o Vaticano e com o Santuário
de Fátima a deslocação do evento para aquela cidade mariana, tornada altar do Mundo.
Em
Lisboa, tudo é caro, tudo é criticado e tudo acaba por se fazer. Foi o Centro Cultural
de Belém, foi a Ponte Vasco da Gama, foi a Expo 98, foi a Gare do Oriente. A
única exceção parece que é o novo aeroporto de Lisboa, cuja localização anda a
discutir-se, há 54 anos, com encargos de estudos que se fazem e caducam à
medida que passa o tempo, mas além dos quais se jogam interesses particulares, instalados
ou a instalar.
Foi
pena que as negociações não tivessem sido ponderadas a tempo e a comunicação ao
público tenha sido um tanto desgarrada e com todos a alijarem as responsabilidades
para outrem, esquecidos de que todas as instituições merecem respeito e têm de
dar-se ao respeito, independentemente de quem sejam as pessoas que as dirijam e
as sirvam. Ora, a JMJ foi um compromisso assumido, perante a Santa Sé, pelo
Patriarcado de Lisboa, pela Presidência da República, pelo Governo e pelo Município
de Lisboa. Todos os países o testemunharam. Espera-se que a gritaria não venha
a prejudicar o evento, útil para a Igreja Católica e, pelo retorno – direto e/ou
indireto –, para a sociedade e para a sua economia.
Porém,
não me convence a notícia da poupança de 30% nos custos do altar-palco para o
Parque Tejo, onde decorrerá a vigília e a missa de encerramento da JMJ.
Lembro-me
de que, se um cidadão quiser comprar uma casa projetada para quatro quartos e
lhe pedirem 400 mil euros, poderá não querer fechar o negócio. E, se lhe
propuserem um custo de apenas 280 mil euros para uma casa de dois quartos e com
redução do espaço exterior, o potencial contraente verá, efetivamente, uma redução
de custos em 30%, mas não ficará com um edifício equivalente. Se aceitar o
negócio, pagará menos, mas ficará mais pobre em património.
Será
o que acontece com a JMJ. O altar-palco junto ao Trancão terá um custo de 2,9
milhões de euros, em vez dos 4,24 milhões iniciais, mas a altura passará de
nove metros para quatro e a área passa de 5.000 metros quadrados para 3.250 metros
quadrados, perdendo visibilidade e acolhimento de muitos circunstantes litúrgicos.
Por outro lado, como se trata de terreno pouco sólido (é a transformação de um
aterro sanitário em parque urbano), as fundações têm de ser feitas na mesma e
custam 1,063 milhões de euros.
Nestes
termos, o custo do altar-palco do Trancão não traz uma poupança efetiva e pode comprometer
uma futura utilização em eventos. Dizem que não temos espetáculos para mais de
80 mil participantes, mas poderemos vir a ter. Conta-se que os críticos da obra
do Marquês do Pombal, quando viam rasgar-se as ruas que desembocam na Praça do Comércio,
apontavam a sua desmesurada largura, mas o governante respondia: “Há de vir tempo
em que elas serão estreitas!”
O
que pode trazer alguma redução de custos será o altar-palco a instalar no
Parque Eduardo VII, onde será celebrada a missa inaugural, sob a presidência do
Cardeal Patriarca de Lisboa, será recebido o Papa e a partir do qual se fará a
via-sacra.
O
custo passa de cerca de dois milhões de euros para 450 mil euros e, deixando de
ser encargo da Câmara Municipal de Lisboa, passa para a área da
responsabilidade da Fundação JMJ. Todavia, resta saber se a estrutura será
objeto de cortes e, se em vez de um altar-palco que empreste alguma dignidade
às celebrações, não ficaremos com uma simples miniatura.
Resta,
ainda, fazer uma referência ao local da celebração do Papa com os voluntários
no território do município de Oeiras. Consta que há um empresário de eventos
que se voluntariou para trabalhar pro bono
na preparação da JMJ. Porém, o equipamento a utilizar (propriedade do aludido empresário)
nesse número da JMJ será o mesmo do Nos Alive, que ocorrerá uns dias antes, mas
cujo aluguer custará sensivelmente o dobro do custo do espetáculo de julho, sem
haver necessidade de desmontagem e de remontagem.
Portanto,
quanto a redução de custos na JMJ, estamos conversados. Só espero que a JMJ
seja um grande evento para a Igreja Católica, para a imagem de Portugal, para a
economia e para eventos futuros. E faço votos por que a especulação imobiliária
não venha a transformar o que se diz vir a ser uma zona verde num campo de
edificado a preços astronómicos, levando a que a força do dinheiro se sobreponha
ao bem-estar das populações, que precisam de ar puro para respirar e de espaços
de lazer.
2023.02.14 – Louro de Carvalho
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