A dúvida persiste e a recente conclusão do Departamento de Energia dos
Estados Unidos da América (EUA) quanto à origem do novo coronavírus, o SARS
CoV-2, divide as restantes autoridades norte-americanas, nomeadamente os
serviços secretos, que caraterizam a descoberta como de baixo grau de confiança.
A questão prende-se com a desconfiança EUA-China.
Agora, o Departamento de Energia acredita que uma fuga acidental de um
laboratório na China terá causado a pandemia. Porém, de acordo com The Wall Street Journal, as conclusões a
que chegou o Departamento de Energia não têm base sólida, tendo muitas
autoridades e agências mantido a ideia anterior, de que a pandemia terá
começado num mercado de alimentos e animais vivos em Wuhan. E o jornal The New York Times vinca que
algumas teses do Departamento de Energia provêm de estudos da rede de
laboratórios nacionais, que conduzem pesquisas biológicas, em vez de recorrerem
a redes de espionagem ou de interceção de telecomunicações.
Os serviços de informação já tinham alertado para a dificuldade – ou mesmo
impossibilidade – de se concluir, com certeza, o que espoletou a pandemia que
matou quase sete milhões de pessoas, devido à oposição de Pequim a novos
estudos. E, agora, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA,
recusou-se a confirmar a informação sobre as conclusões do Departamento de
Energia, asseverando que não há “respostas definitivas”. Apenas adiantou que
Joe Biden deu ordem para que os laboratórios do país se envolvessem nas
investigações e mobilizassem “todas as ferramentas” de que o Governo dispõe. E,
sendo encontradas novas informações, o Executivo norte-americano comunicará as
descobertas ao Congresso e à população.
A 8 e 9 de março, os líderes das secretas norte-americanas responderão perante
o Congresso sobre os dados das ameaças globais. Segundo o The New York Times, Avril D. Haines, diretora dos serviços de
informação, e outros altos funcionários das secretas serão questionados sobre a
investigação em curso referente às origens do coronavírus. A questão tem
dividido os dois lados do espectro político nos EUA. Muitos democratas duvidam
da possibilidade de fuga de um laboratório chinês e procuram “causas naturais”
para a explicar. Ao invés, grande parte dos republicanos crê que o vírus pode ter
tido origem num dos laboratórios científicos em Wuhan. E um subcomité do
Congresso, criado quando os republicanos assumiram a Câmara dos Representantes,
em janeiro, tornou a teoria da fuga o foco central do seu trabalho.
As autoridades de Pequim rejeitam as alegações de libertação de material
biológico de laboratório em Wuhan, aduzindo que não têm base científica e que
foram motivadas politicamente.
No início do seu mandato, Joe Biden pediu aos serviços de informação que
investigassem as origens da pandemia, depois de terem criticado o comunicado
da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em março de 2021, que chegava
à conclusão de que era “extremamente improvável” que o coronavírus tivesse sido
libertado, acidentalmente, de um laboratório. Contudo, os EUA alegam que a
China nomeou metade dos cientistas que redigiram o documento, tendo exercido grande
pressão sobre eles. E os serviços de informação reconheceram que não há razão
para acreditar que o coronavírus tenha sido criado para constituir uma arma
biológica, mas defendem que o surto ter-se-á gerado num mercado em Wuhan ou em
fuga laboratorial.
***
O enviado especial da OMS para a covid-19, David
Nabarro, admitia, a 30 de março, antes de a OMS publicar o relatório, que era
“manifestamente difícil” encontrar a origem do vírus, mas que se trabalhava com
várias hipóteses. “Encontrar a origem de um vírus, quando se tenta explicar de
onde vem uma doença, é manifestamente difícil”, dizia Nabarro à BBC Radio 4,
pois não se sabe a origem precisa do VIH [o vírus que provoca a Sida], nem a do
Ébola e vai demorar muito a descobrir a origem da covid-19. Porfiando que a
organização trabalhava com várias hipóteses – aliás como assegurara o
diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus –, dizia que esse trabalho
levava tempo. E o relatório veio a sustentar que a teoria mais provável da
origem da pandemia terá sido a transmissão do vírus de morcegos para humanos
por meio de outro animal, enquanto a hipótese de fuga do vírus de um
laboratório era “extremamente improvável”.
Assim, a possibilidade de um vírus ter escapado de um laboratório chinês,
parecia posta de parte, segundo a Associated
Press (AP), que acedera à versão
preliminar do relatório.
Uma equipa internacional de cientistas da OMS fora encarregada de rastrear
a origem da covid-19 na China, onde chegou, em janeiro de 2021, e de onde se
comprometeu a explorar “todas as vias”
para o nascimento do vírus que parou o mundo, mas sem apontar culpados diretos.
As conclusões eram conhecidas, mas a AP, que recebera a versão quase final
do relatório, não identificava a fonte (um
diplomata) por a revelação das conclusões não estar ainda autorizada.
Os cientistas identificaram quatro possíveis cenários e o primeiro era a transmissão do vírus através
de um segundo animal. O vírus originara-se em morcegos, que o passaram a outra
espécie, que o fez chegar aos humanos. Essa hipótese era mais provável do que a
passagem de morcegos para um produto alimentar e só depois aos humanos. Porém,
lia-se na descrição da AP, “a distância evolutiva entre esses vírus
de morcego e o SARS-CoV-2 é estimada em várias décadas”, o que sugere a
hipótese “um elemento em falta”. Além dos morcegos, também são tidos como
possíveis portadores da doença pangolins, visons e gatos – todos vulneráveis à
covid-19.
Peter Embarek, um dos líderes da perícia da OMS na China, mais precisamente
em Wuhan, onde o vírus terá começado, afirmava que o relatório estava feito,
verificado e traduzido. E Jamie Metzl, membro do Comité de Conselheiros
Internacionais da OMS, evocava “a
destruição de amostras médicas e a censura imposta a quem tenha informação”,
por parte do regime chinês, como indícios de que a fuga acidental de um
laboratório era a tese mais credível, o que a informação revelada pela AP vem contrariar. A AP dizia não
haver conclusões definitivas, até porque existem relatos credíveis de
outros casos, noutros pontos do país, antes desses.
Liang Wannian, ex-membro da direção da Comissão
Nacional de Saúde chinesa, principal perito chinês da missão da OMS, excluiu a
possibilidade de fuga laboratorial ter originado a pandemia, contrariando o diretor-geral
da organização, Tedros Ghebreyesus.
Depois de a OMS ter anunciado, para breve, a
publicaçáo do relatório da missão enviada à China, Liang Wannian deu uma
entrevista ao jornal oficial chinês Global
Times, a desviar o foco da tese da origem laboratorial. “A equipa de
especialistas concordou, por unanimidade, que é
extremamente improvável que o vírus tenha sido libertado do laboratório,
portanto, as missões futuras de rastreamento da origem do vírus não estarão
focadas nesta área, a menos que haja novas provas”, disse Liang, recusando que
o atraso na entrega do relatório se tenha devido a divisões entre os peritos,
que afirmaram, em janeiro, que a hipótese de origem laboratorial era mais
improvável do que outras, como a da transmissão do vírus de animal para
humanos.
Peter Ben Embarek, líder da missão internacional,
disse à revista Science que a missão
não tinha meios para auditoria laboratorial completa para avaliar a hipótese de
fuga de laboratório, enquanto Tedros Ghebreyesus disse, no mês anterior, que
todas as hipóteses ainda estavam em aberto.
A hipótese de o vírus ter escapado do Instituto de
Virologia de Wuhan foi publicamente levantada pela administração dos EUA, no
final do mandato de Donald Trump. Resultado de meses de negociações com Pequim,
a missão apresentou pareceres iniciais que foram saudados na China, mas
criticados em muitos outros países pelas limitações a que foi sujeita no
terreno.
Na entrevista ao referido jornal oficial chinês, Liang
recusou haver “conflitos” entre os membros da equipa na elaboração do
relatório, apenas “discussões normais
sobre assuntos científicos”, defendendo que os peritos tiveram acesso a
toda a informação que quiseram, mas que, por limitações legais, não puderam
levar os dados para fora do país.
A 22 de fevereiro 2021, corria a notícia de que os especialistas da OMS que
visitaram a China para estudar a origem da pandemia recomendariam um
rastreamento mais profundo dos contactos do primeiro paciente conhecido. De
acordo com a televisão norte-americana CNN,
os especialistas queriam saber mais sobre a cadeia de fornecimento de quase uma
dúzia de comerciantes no mercado de Huanan, na cidade de Wuhan, que se acreditava
ter desempenhado papel fundamental na propagação da doença, no final de 2019.
Segundo fontes citadas pela CNN, as
recomendações do painel da OMS seguiriam vários pontos-chave da investigação. Os
especialistas solicitariam mais detalhes sobre o histórico de contacto do
paciente tratado a 8 de dezembro de 2019, em Wuhan – o primeiro caso confirmado
pelos cientistas chineses. Era um funcionário de escritório, na casa dos 40 anos,
que não fez viagens e sem histórico de contactos com outros infetados. O paciente
esteve com a equipa da OMS e, no final da reunião, indicou que os pais
visitaram um mercado de produtos frescos em Wuhan, não o mercado de Huanan.
Peter Daszak, membro da equipa, observou que os cientistas chineses
garantiram que os pais do paciente testaram negativo para a doença, mas não terão
rastreado os contactos deles no mercado.
Cientistas independentes disseram à CNN
que os especialistas chineses deveriam ter realizado uma investigação mais
aprofundada sobre as origens do vírus há vários meses.
Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional do presidente dos EUA,
disse que a China não forneceu “dados importantes suficientes” sobre a origem e
subsequente disseminação do vírus. “Eles estão prestes a publicar um relatório
sobre as origens da pandemia em Wuhan, sobre o qual temos dúvidas, porque não
acreditamos que a China tenha disponibilizado dados suficientes sobre as
origens, sobre como a pandemia começou, na China, e depois em todo o mundo”,
disse à CBS News. E rematou: “Não
estou em posição de dizer como o
covid-19 veio a este mundo. Estou apenas em posição de pedir à OMS que faça o
seu trabalho.”
Jamie Metzl, ex-elemento da Administração Clinton (trabalhou no Conselho
Nacional de Segurança e no Departamento de Estado), considerou, a 19 de março
de 2021, a “pista do laboratório” (fuga resultante de acidente) a “mais
credível”. Explicou-o em carta aberta com dezenas de peritos. E disse que “a reação
da China reforça suspeitas de fuga do laboratório de Wuhan”. Por isso, a Casa
Branca esclarecia que a origem do surto, por contacto com animais infetados ou
por descuido laboratorial, continuava por determinar.
Metzl fala em politiquices. “Se tivéssemos uma pandemia com origem, por
exemplo, em África, não ficava pedra sobre pedra. […] Neste caso, a China é o
obstáculo principal à investigação. É essencial perceber como o vírus surgiu.
Senão, como se prevenirá algo parecido no futuro?”
***
Resta saber se esta conclusão do Departamento de Energia dos EUA será
política ou faseada em amostras significativas e validadas cientificamente e em
investigação forense. Aguardemos.
2023.02.27 – Louro de Carvalho
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