É o primeiro desafio que o cardeal José
Tolentino Mendonça elegeu no Dicastério para a Cultura e Educação (DCE), para o
qual foi nomeado Prefeito por Francisco no passado dia 26 de setembro.
Trata-se
da criação de “uma identidade” que nasça, não da mera junção de duas
instituições anteriores – Pontifício Conselho para a Cultura e Congregação para
a Educação Católica –, mas “da vontade de construir uma realidade operacional
nova, coesa e inspiradora”, como aponta em entrevista publicada no jornal digital
Vida Nueva, a 30 de setembro.
O novo
dicastério organismo, de que o cardeal português é o primeiro Prefeito, nasceu
com a publicação da constituição apostólica Praedicate
Evangelium, a 19 de março deste ano e que entrou em vigor a 5 de junho.
Na entrevista, o cardeal recorda ter
recebido um telefonema do Papa a pedir a sua ajuda para este
trabalho, tendo destacado: “Quem conhece o Papa Francisco sabe que ele fala com
a simplicidade e os modos daquele pescador da Galileia chamado Pedro. Não faz
discursos longos. Ligou-me e perguntou se eu poderia ajudá-lo no trabalho. Há
sabedoria neste modo de proceder, pois descreve as várias missões como uma
colaboração na missão maior, que é a da própria Igreja.”
O
purpurado fala da literatura como uma “escola de encarnação” vital para o
cristianismo, que a “teologia contemporânea ouviu”: “A originalidade da palavra
literária está no facto de não optar por se expressar através de categorias
abstratas e isentas ou fixar-se no mundo das ideias: ela veicula a riqueza, a
polifonia e o drama da experiência.”
O poeta
cardeal sustenta que o trabalho artístico (incluindo o dos escritores) tem,
todo ele, um “significado espiritual” e que hoje os artistas são “cartógrafos
atentos do visível” com um papel importante neste mundo secularizado, o de nos
ensinar “a escutar o mistério, a considerar a sua potência”. Efetivamente, num
mundo assim, “tornam-se, mesmo inconscientemente, mistagogos, professores
informais ou inspirados nos caminhos interiores”.
Com esta
nomeação, Tolentino Mendonça deixa o cargo de arquivista e bibliotecário da
Santa Sé, que assumiu em 2018, quando foi nomeado arcebispo pelo Papa
Francisco, o qual nomeou, no mesmo dia, o sucessor: o bispo Angelo Vincenzo
Zani, Secretário da anterior Congregação para a Educação
Católica.
Do anterior cargo que desempenhou no Vaticano, o purpurado português
diz ter sido “um enorme
privilégio trabalhar em instituições (…), que nos aproximam de forma tão
direta, intensa e objetiva da historicidade do cristianismo e da busca humana
do conhecimento”, pois um arquivista e bibliotecário da Santa Sé “é uma espécie
de embaixador do Papa, não perante um país, mas perante a humanidade”.
D.
José Tolentino, para quem a biblioteca “não é apenas uma coleção do passado que
deve ser protegida”, mas participante na “construção do presente e do futuro”,
recorda a mensagem que o Papa deixou quando os visitou pela primeira vez: “A
dimensão da memória faz, sem dúvida, parte da estrutura da vossa missão, mas
também faz da biblioteca um bom lugar para ir para até ao futuro.” Por outro
lado, evoca o estímulo que a vida universitária lhe conferia, inserindo-o num
espirito de “abertura e investigação”, dando espaço e conferindo importância
“às perguntas”.
O
prefeito do novo dicastério considera que, na missão que foi agora confiada na
Cúria Romana, continua a manter uma relação com o ambiente universitário, mas
reconhece que a Cúria lhe dá novas dimensões. Na verdade, como realça, a constituição
apostólica Praedicate Evangelium
explica muito claramente como inserir a atividade da Cúria no serviço
missionário de Pedro, no contexto da conversão missionária da Igreja à vida
recíproca de comunhão que é a sinodalidade”.
***
Na sua missão
à frente do DCE de que é prefeito, Dom José Tolentino Mendonça é secundado por Monsenhor Giovanni
Cesare Pagazzi, que Francisco nomeou secretário no referido dia 26 de setembro
e que é professor ordinário de Eclesiologia e Comunidade Familiar no Pontifício
Instituto Teológico “João Paolo II” para as Ciências do Matrimónio e da Família,
em Roma.
Em nota publicada na página oficial da Presidência da
República, Marcelo Rebelo de Sousa, em visita oficial aos Estados Unidos (costa
Oeste), manifestou o seu “mais profundo regozijo pela nomeação” e expressou “o
reconhecimento do Homem com um exemplar percurso de Fé e vulto maior da cultura
contemporânea, promovendo sempre o diálogo com a densidade espiritual,
intelectual e humana por todos testemunhado.”
O Presidente da República realça, no novo responsável
do DCE, o seu permanente “facilitador de encontros”, como o próprio cardeal
Tolentino se definiu. Por isso, “o Chefe do Estado, em seu próprio nome e em
nome de todos os portugueses, deseja as maiores venturas para o exercício de
tão relevantes funções”.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, afirmou que
a nomeação do cardeal português é “o reconhecimento de uma grande personalidade
da cultura portuguesa”. Segundo a agência Lusa,
citada pela Rádio Renascença, o
ministro acrescentou: “É mesmo uma grande satisfação do ponto de vista pessoal
e um reconhecimento da sua singularidade, não apenas em Portugal, mas no
contexto da Igreja Católica. É uma decisão que nos deixa a todos, portugueses,
muito contentes.”
Também a Quetzal, editora de Tolentino Mendonça,
divulgou um comunicado no qual “assinala o seu regozijo pela nomeação de José́
Tolentino Mendonça para estas importantes funções” e adianta que, em Novembro,
publicará o seu novo livro, Metamorfose Necessária. Reler São
Paulo, “um ensaio sobre o apóstolo e o seu contributo para os tempos
presentes”. Fruto de um trabalho de investigação de vários anos, o livro
apresenta “de forma luminosa” a figura de São Paulo, cujos “textos são um clássico,
não só́ da religião, mas também da civilização ocidental”.
A constituição Praedicate
Evangelium estabelece que o CDE “trabalha para o desenvolvimento dos
valores humanos nas pessoas dentro do horizonte da antropologia cristã,
contribuindo para a plena realização do seguimento de Jesus Cristo”.
O Dicastério tem duas secções, correspondente aos dois
organismos da Cúria que herda: a da Cultura, que se dedica “à promoção da
cultura, à animação pastoral e à valorização do património cultural”; e a de
Educação, “que desenvolve os princípios fundamentais da educação com referência
às escolas, institutos superiores de estudos e pesquisas católicos e
eclesiásticos e é competente para os apelos hierárquicos em tais matérias”.
Como responsável máximo por estas áreas, o purpurado terá
sob a sua coordenação, no campo da Educação, a rede escolar católica do mundo
inteiro, com 1360 universidades católicas e 487 universidades e faculdades
eclesiásticas com 11 milhões de alunos e outras 217 mil escolas com 62 milhões
de crianças. E, na área da Cultura, coordenará o diálogo da Igreja universal
com o mundo da cultura – não só a literatura ou as artes e o património, como
também o desporto, a ciência e a Inteligência Artificial. Ao mesmo tempo, a Praedicate
Evangelium refere que,
sob a alçada do DCE, estão também a Academia Pontifícia de Belas Artes e Letras
dos Virtuosos do Panteão, a Academia Pontifícia Romana de Arqueologia, a Academia
Pontifícia de Teologia, a Academia Pontifícia de São Tomás, a Academia
Pontifícia Mariana Internacional, a Academia Pontifícia Cultorum Martyrum e a Academia Pontifícia de
Latinidade.
Nascido no Machico (Madeira) em 1965, presbítero desde
1990, arcebispo titular de Suava, desde 2018 e nomeado cardeal em outubro de
2019, Tolentino Mendonça é reconhecido sobretudo pelo seu trabalho de exegeta
bíblico, em cuja especialidade se doutorou, e de poeta. A sua tese de
doutoramento foi publicada com o título A Construção de Jesus
(Paulinas), enquanto a sua poesia está reunida numa antologia sob o
título A Noite Abre Meus Olhos (Assírio e Alvim).
Foi capelão da Universidade Católica Portuguesa (UCP),
diretor da Faculdade de Teologia e vice-reitor da UCP, capelão da Capela do
Rato, em Lisboa, reitor do Colégio Pontifício Português, em Roma, e diretor do
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
Em 2018, o Papa convidou-o, por sugestão do cardeal
Gianfranco Ravasi, a quem sucede e com cujo perfil intelectual e académico se
assemelha, para orientar o retiro quaresmal da Cúria Romana.
Tolentino Mendonça foi vencedor, em 2020, do Prémio
Europeu Helena Vaz da Silva, do Centro Nacional de Cultural e da rede Europa
Nostra, que pretende promover a divulgação do património cultural. E, nesse
ano, o Presidente da República nomeou-o presidente da Comissão Organizadora das
Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Não sendo o primeiro português a dirigir dicastérios
da Cúria Romana nos nossos tempos (e muitos serviram também como seus membros) –
são de recordar o cardeal José Saraiva Martins, que foi Prefeito da Congregação
para as Causas dos Santos, e o cardeal Dom Manel Monteiro de Castro, que foi Penitenciário-mor
do Supremo Tribunal da Penitenciaria Apostólica – o cardeal José Tolentino Mendonça contribuirá para um vigor novo na
Cúria Romana e para a conquista de uma reforçada credibilidade por parte da
Santa Sé, na linha reformista do Papa Francisco, na dupla dimensão da
fidelidade ao Evangelho e à leitura assídua e atenta dos Sinais dos Tempos.
2022.10.01 – Louro de Carvalho
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