Iniciaram-se, no dia 15 de outubro (sábado), em Amarante e no Porto, as
comemorações do centenário do nascimento de Agustina Bessa-Luís (Maria Agustina Ferreira Teixeira
Bessa), que se
prolongarão até 15 de outubro de 2023. É um conjunto de iniciativas para
valorizar e promover o legado artístico e cultural da escritora nortenha, bem
como os seus vínculos territoriais.
É a Câmara
de Amarante quem lidera o consórcio das comemorações do nascimento da escritora
(ficcionista, dramaturga e biógrafa), que integra os municípios de Baião,
Esposende, Peso da Régua, Porto, Póvoa de Varzim e Vila do Conde. Estas sete
autarquias promovem um conjunto de iniciativas, num ano de ação predefinido. No
entanto, parte dos eixos fundamentais das comemorações percorrerá outros
espaços territoriais, do Norte e do Sul. Lisboa, Sintra, Coimbra já
manifestaram a intenção e a vontade de dinamizar atividades relacionadas com
Agustina.
O consórcio das
comemorações integra ainda as universidades do Porto (UP), de Trás-os-Montes (UTAD)
e do Minho (UMinho), a Fundação de Serralves, a RTP, a Direção Regional de
Cultura do Norte, a
Entidade Regional de Turismo do Porto, a Associação de Turismo do Porto
e Norte de Portugal e a
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N).
A
programação, apresentada a 21 de junho, em Amarante, ficou marcada pela antestreia do filme A Sibila, adaptação ao cinema da obra mais
conhecida da escritora, uma longa-metragem de Eduardo Brito, com produção de
Paulo Branco. A oferta cultural inclui roteiros, literários e turísticos,
intitulados “Os lugares de Agustina”,
pelos municípios envolvidos.
Previa-se
a possibilidade de visitar uma exposição
bibliográfica itinerante, a começar na Fundação de Serralves. O
programa envolve ainda um projeto direcionado para a educação de leituras encenadas e
outro de residências artísticas.
Outra das linhas da programação será pegar em ideias-chave da escrita de
Agustina e promover o diálogo com obras visuais. As universidades incluídas na
parceria promovem a criação de novas
teses, bolsas de estudo e investigações sobre a autora e sobre
toda a sua obra literária.
Sobre o papel da UP) nas comemorações, Fátima Vieira, vice-reitora da UP para a
Cultura e Museus, vincou a responsabilidade de coordenação de residências
artísticas em todo o Norte, incluindo as universidades. Tais residências – de teatro, de artes
visuais, entre outras – serão organizadas nas várias escolas e
instituições de ensino superior do Norte, pois, durante a sua vida e até se
fixar no Porto, Agustina residiu em vários concelhos e geografias do Norte de
Portugal. Por isso, a UP pretende dinamizar o
conhecimento da “geografia Agustiniana” presente nas suas
obras. E a docente da Faculdade de Letras da UP explicitou: “A Agustina
escreveu sempre sobre os sítios e a partir dos sítios onde viveu. Daí que este
consórcio que foi agora formado inclua sete municípios.” E acrescentou que a UP
dará continuidade ao podcast em parceria com o
Círculo de Amigos de Agustina, “Agustina à boca de cena”,
gravado pela equipa técnica da Casa Comum e que já conta com vários
episódios. Com efeito, pretende-se mobilizar estudantes para sessões de leitura e desafiar os
artistas e os performers para “tentarem
atualizar para o nosso tempo a mensagem” que passava na
sua escrita.
Fontainhas
Fernandes, comissário das comemorações do centenário da escritora, disse, a 12
de outubro, à agência Lusa que os
principais eixos do programa, que arrancaram, a 15 do mesmo mês, em Amarante e
no Porto, se centram, em especial, no roteiro dedicado aos lugares de Agustina,
que nasceu em Amarante, viveu no Porto e tem uma forte ligação ao Douro e ao
Minho.
Para Fontainhas
Fernandes, que foi reitor da UTAD e preside à Comissão Nacional de Acesso ao
Ensino Superior (CNAES), “o objetivo é mostrar os lugares de Agustina e fazer
um tratamento quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista turístico”,
pois “Agustina é maior do que os seus lugares, mas a forma como ela revela o
território não deixa de ser uma marca.”
Na sessão
solene de abertura das comemorações, realizada às 12 horas do dia 15 de outubro,
em Amarante, com a presença do Presidente da República, foi inaugurada a exposição
“Feminino, uma história ficcionada”, que tem por base as palavras de Agustina “A
mulher é uma criadora por natureza. A mulher é.”, no livro Dicionário Imperfeito e que está patente até 28 de maio de 2023.
A escritora,
que nasceu a 15 de outubro de 1922, em Vila Meã (Amarante) e morreu de doença
prolongada, a 3 de junho de 2019, em sua casa, no Porto, colocou, muitas vezes,
a mulher no centro da teia dramática. Nela está exposto, um desenho inédito de
Maria Antónia Siza Vieira.
Estreou-se
como brilhante ficcionista em 1949, ao publicar a novela Mundo
Fechado, mas seria o romance A
Sibila, publicado em 1954, que constituiu um enorme sucesso e lhe trouxe
imediato reconhecimento geral. E é com A Sibila que atinge a maturidade
do processo criativo. É conhecido o interesse da romancista pela vida e obra de
um dos expoentes da escola romântica, Camilo Castelo Branco, cuja herança
se faz sentir a nível temático (inúmeras obras se relacionam com a sociedade de
Entre Douro e Minho) e a nível da técnica narrativa (explorou a vida de
Camilo).
Rosário
Machado, diretora do Departamento de Cultura de Amarante, considera: “Viajar no
universo de Agustina é sentir a mulher, nas suas coerências e incoerências,
como se, à flor da pele, nos olhássemos ao espelho. Não são conceitos de
feminismo, são estados de alma do Humano nos quais, nas suas diferenças, nos
vamos revendo. Nesta exposição pretende-se uma reação interpelativa, que cada
um sinta e descubra.”
No dia 15,
também em Amarante, foram inauguradas as exposições “a super-menina: espassos,
letras e livros” e “O rosto do pensamento”. E, às 22 horas, teve lugar o
concerto da Orquestra do Norte com direção de Martim Sousa Tavares, no
Cineteatro Raimundo Magalhães.
Criação de Os Espacialistas, a exposição “a
super-menina: espassos, letras e livros” é dedicada à “super-menina” que foi Agustina
Bessa-Luís, e ficará patente até 12 de fevereiro de 2023. E Os Espacialistas – projeto laboratorial
de investigação teórica e prática das ligações entre Arte, Arquitetura e
Educação – transformam o claustro do Convento de São Gonçalo no corpo de uma
criança e no seu espaço de recreio. Cada uma das alas é “uma página de
caderneta escrita por uma narrativa fotográfica especialista” e “100 palavras
espacializadas de Gonçalo M. Tavares”.
Na
Biblioteca Albano Sardoeiro – Polo de Vila Meã, Agostinho Santos expõe “O rosto
do pensamento”, com curadoria de Aida Guerra, um conjunto de 18 desenhos
inéditos sobre o universo e personagens agustinianas, que ficará até 24 de
janeiro 2023. Ainda em Amarante, mas no dia 16, a Filandorra – Teatro do
Nordeste estreia Memória de Giz, que
tem por base o livro infantojuvenil de Agustina Bessa-Luís (1983), às 17 horas,
no Cineteatro Raimundo Magalhães.
Na cidade do
Porto, onde a escritora viveu, a abertura das cerimónias ocorreu, às 18 horas,
em Serralves, também com a presença do Presidente da República. Nela foi inaugurada
“Uma Exposição Escrita: Agustina Bessa-Luís e a Coleção de Serralves”, que evoca
o nome de um filme de Manoel de Oliveira, o realizador com quem a escritora manteve
uma colaboração regular: Um Filme Falado
(2003), e que visa promover, segundo os seus curadores António Preto e Ricardo
Nicolau, “um diálogo entre textos de Agustina e obras da Coleção de Serralves”.
Na verdade, como referiram, “a exposição provoca reverberações e sinapses
inesperadas entre palavras e imagens, ampliando sentidos e possíveis
interpretações de umas e de outras. Para ler, tanto quanto para ver, a
exposição apresenta-se como um livro em três dimensões”.
O ponto de
partida da mostra foram os livros Aforismos
(1988), Contemplação Carinhosa da
Angústia (2000), Dicionário
Imperfeito (publicado em 2008 e que reúne excertos de textos organizados
por ordem alfabética) e Ensaios e Artigos
(1951-2007), que abrangem uma grande diversidade de assuntos, temas e
personalidades. Estes temas são as entradas desta “exposição-dicionário”, cada
um originando um diálogo com obras da Coleção de Serralves, de artistas
nacionais e estrangeiros, contemporâneos ou não de Agustina.
Ligada por
vínculos biográficos, familiares, afetivos e literários a vários concelhos da
Região Norte, Agustina é autora de uma obra considerada de valor ímpar na
língua e cultura portuguesas.
No início da
década de 1950, o romance A Sibila
(1954) fez de Agustina uma das principais escritoras na ficção portuguesa. Títulos
como Vale Abraão (1991), As Terras do Risco (1994) e A Corte do Norte (1987) foram adaptados
ao cinema por Manoel de Oliveira e por João Botelho.
Colaborou em
várias publicações periódicas e foi diretora do diário O Primeiro de Janeiro (1986-1987), no Porto, e do Teatro Nacional
D. Maria II, em Lisboa (1990-1993). Foi membro do Conselho Diretivo da Comunitá Europea degli Scrittori (Roma)
(1961-1962), da Alta
Autoridade para a Comunicação Social, da Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres (Paris),
da Academia Brasileira de
Letras e da Academia
das Ciências de Lisboa (Classe de Letras). Obteve vários prémios e distinções,
incluindo, em 2005, o título de Doutora Honoris Causa pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
Segundo
Fontainhas Fernandes, traçar um roteiro literário de Agustina é “tanto
percorrer o seu mapa geográfico da biografia e afetos, como os territórios aos
quais dedicou a sua escrita e o seu interesse”. “A minha obra é portuguesa,
constituída por sentimento e gente portugueses até à medula”, disse um dia
Agustina, que dizia só ter uma vocação: “escrever”.
Foi, até
agora, a meu ver, a escritora portuguesa com maior fôlego no quadro da grande literatura.
Foi,
como proclamou o Presidente da República na sua alocução, “uma mulher sem medo, de uma
coragem ilimitada”, enfim, “uma mulher política, no sentido de viver o que é ser-se
político, na dimensão mais profunda do termo”.
2022.10.15 – Louro de Carvalho
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