Sobrevoa o mar dos Açores, a pedido da Guarda Nacional
Republicana (GNR), o Beechcraft C-12 da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e
Costeira (Frontex), facto não pacífico a surpreender
a Marinha e Força Aérea que vigiam a área, estando em causa a soberania
nacional.
A GNR não explica porquê
ou que ameaças prevê para outubro e novembro, período para o qual pediu à Frontex a aeronave para patrulhamento do
mar dos Açores, terminando a sua competência nas 12 milhas. Porém, um Beechcraft C-12
opera desde 16 de outubro e o facto gerou mal-estar nas Forças Armadas
(FA), pois a Marinha e Força Aérea têm meios de vigilância para
lá das 12 milhas e não receberam qualquer pedido de apoio da GNR.
Interpelada sobre a formulação deste inédito pedido, a GNR
assinala que visa garantir a vigilância da fronteira externa da União Europeia
(UE), designadamente da Região Autónoma dos Açores, “atendendo às competências
que cabem à Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR, vertidas na Lei Orgânica
da Guarda”. A este respeito, fonte oficial do comando-geral lembra que “a UCC é
a unidade especializada responsável pelo cumprimento da missão da Guarda em
toda a extensão da costa e no mar territorial, com competências específicas de
vigilância, patrulhamento e interceção terrestre ou marítima em toda a costa e
mar territorial do continente e das Regiões Autónomas” (vd artigo 40.º, n.º 1,
da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro). E refere que este patrulhamento decorre
entre outubro e novembro, sendo financeiramente suportado pela Frontex, no âmbito do EUROSUR (Sistema
Europeu de Vigilância das Fronteiras) Fusion Services, potenciando a vigilância
das fronteiras externas da UE e aumentando a probabilidade de deteção
antecipada de ocorrências de criminalidade transfronteiriça.
A responsabilidade de patrulhamento e
de
operações na maior extensão do mar das regiões autónomas é da Marinha e da
Força Aérea, pois a jurisdição da GNR termina nas 12 milhas. Porém, a Força
Aérea não recebeu qualquer pedido da GNR para a missão em causa,
salientando que, “de acordo com a lei e no âmbito das capacidades de vigilância
e patrulhamento marítimo e terrestre”, executa missões para “assegurar, no
espaço estratégico de interesse nacional, a vigilância e o controlo das
fronteiras marítimas, das atividades de contrabando aduaneiro, de tráfico de
estupefacientes e de imigração ilegal, entre outras” e que, nesse âmbito “só no
ano de 2022, já realizou 150 missões, totalizando 780 horas de voo, empenhando
aeronaves C-295M e P-3C CUP+”. Também a Marinha refere não
ter recebido pedido de colaboração da GNR para patrulhamento marítimo e não tem
qualquer articulação com aquela força militar no processo.
Estranho
força militar de Defesa e força militar de Segurança não terem qualquer articulação!
Na
ilha de S. Miguel, em cuja capital, Ponta Delgada, o avião está estacionado, Paulo
Botelho Moniz, deputado do PSD eleito pelos Açores, disse
que lhe chegaram “mensagens de toda a ilha relatando alguma apreensão com os
voos junto à costa”. E, para o deputado, o episódio revela a total incapacidade
do Estado em prover, por meios próprios, ao exercício da nossa soberania.
O deputado lembra que os Açores são a única zona do país sem
o Sistema de Vigilância de Costa da GNR (SIVICC), “mesmo após os estudos
efetuados e os milhões de euros em fundos comunitários disponíveis”, o que
representa “a sublimação de um governo incapaz e que ainda não conseguiu
implementar e colocar ao serviço este sistema essencial à segurança do país,
das populações dos Açores e à defesa e proteção das fronteiras mais externas da
Europa”. E conclui que esta situação “é um sinal da falência em
matérias de Segurança e Defesa de um governo, que não se articula, o Ministério
da Administração Interna que tutela a GNR de costas voltadas com o ministério
da Defesa Nacional, assumindo e passando uma imagem de debilidade de meios,
fraqueza e incapacidade operacional própria, exposta perante os parceiros
europeus”.
Assertivo na crítica é o Almirante Melo Gomes, ex-Chefe de
Estado-Maior da Armada: “As fronteiras externas da UE nos Açores,
são, em primeiro lugar, as nossas. Como tal, da nossa responsabilidade
soberana. O princípio da subsidiariedade deve ser a regra e a Frontex não se deve sobrepor à ação
prioritária dos Estados. Adicionalmente, parece-me que não caberá à UCC
formular pedidos de apoio externo em questões que se prendem com a soberania de
Portugal.” E, observando que “são afetos à UCC recursos que muita
falta fazem à Marinha, que tem vindo a sofrer reduções inaceitáveis nas verbas
de operação e manutenção”, diz que a situação é “mais uma entropia à gestão
adequada do nosso mar!”
Outros oficiais da Força Aérea e da Armada na reserva,
escudados no anonimato, consideram: “A Frontex
não deve vigiar os nossos espaços marítimos, pois isso é reconhecer que temos
incapacidades, o que, em último caso, fragiliza a nossa soberania.” Ora, tal
reconhecimento terá consequências graves em diversos processos em curso, como o
pedido da extensão da plataforma continental, pois estamos a priori a admitir não termos capacidade de a proteger.
Outro refere que a entrega da vigilância à UE faz de nós um
Estado dependente e significa “um cavalo de Troia cá dentro”, o que “é
fortemente lesivo para os interesses nacionais”.
A relação da GNR, comandada por um general do Exército, Rui
Clero, com a Marinha, agora liderada pelo Almirante Gouveia e Melo, tem um
histórico conflituoso e de descoordenação entre Segurança e Defesa. Ainda há
dois anos, a aquisição da megalancha “Bojador” pela GNR deixou a Marinha
em estado de sítio e o ministro da Defesa a ter de marcar posição.
***
A Frontex (“Fronteiras externas”), é a agência da UE sediada
em Varsóvia, na Polónia, encarregue do controlo das fronteiras externas
do Espaço Schengen (ES) e da repatriação de imigrantes irregulares para os
países de origem, em coordenação com as similares dos Estados-membros (EM). Criada,
em 2004, como Agência Europeia de Gestão
da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas, é a principal
responsável pela coordenação dos esforços de controlo das fronteiras do ES. Em
resposta à crise migratória de 2015-2016, a Comissão
Europeia propôs, a 15 de dezembro de 2015, a prorrogação do mandato da Frontex, transformando-a numa Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e
Costeira de pleno direito. A 18 de dezembro, o Conselho
Europeu apoiou a proposta e, após votação do Parlamento Europeu (PE),
foi lançada oficialmente a Guarda
Europeia de Fronteiras e Costeira a 6 de outubro de 2016, na fronteira da
Bulgária com a Turquia. Para o cumprimento das tarefas, o orçamento aumentou
dos 143 milhões de euros, em 2015, para 543 milhões de euros, em 2021, e
os funcionários serão 10.000 até 2027.
Segundo a
Comissão Europeia, esta reúne uma Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e
Costeira construída a partir da Frontex
e das autoridades dos EM responsáveis pela gestão das fronteiras, sendo a
gestão quotidiana das regiões das fronteiras externas da responsabilidade dos EM.
Pretende-se que a agência apoie os Estados que necessitem de assistência e coordene
a gestão geral das fronteiras externas da Europa. A segurança e o patrulhamento
das fronteiras externas da UE, na prática, o Espaço Schengen, incluindo os
Países Associados de Schengen, bem como os Estados da UE que ainda não aderiram
ao ES, mas estão obrigados a fazê-lo, é responsabilidade partilhada pela agência
e pelas autoridades nacionais.
A agência
coordena a cooperação operacional entre os EM na gestão das fronteiras
externas, apoia-os no treino dos guardas nacionais de fronteiras, incluindo a
definição de normas de treino comuns, realiza análises de risco, acompanha a
evolução da investigação relevante no controlo e vigilância das fronteiras
externas, apoia os EM em circunstâncias que exijam assistência operacional e
técnica reforçada nas fronteiras externas e faculta-lhes o apoio necessário na
organização de operações conjuntas de repatriação de imigrantes.
Tem ligação
com outros parceiros comunitários responsáveis pela segurança das fronteiras
externas e pela cooperação no domínio aduaneiro e dos controlos fitossanitários
e veterinários.
O pessoal do
seu Corpo Europeu Permanente foi duplicado entre 2015 e 2020. E prevê-se uma
reserva de guardas europeus de fronteira e de equipamento técnico. A agência
pode adquirir os seus veículos. Os EM onde o equipamento esteja registado
(equipamento de maior dimensão, como navios patrulha, aeronaves, etc.) são
obrigados a colocá-lo à disposição da agência sempre que necessário. Tal
permitirá à agência implementá-lo rapidamente nas operações fronteiriças. São
disponibilizadas à agência, para eliminar a escassez de pessoal e de equipamento
para as operações, uma reserva de guardas de fronteira e de equipamento
técnico.
Lançado em
2021, o Corpo Permanente da Frontex é
o primeiro serviço uniformizado da UE. Está previsto, em 2027, o Corpo alcançar
os 10.000 guardas (da agência e dos EM), que apoiam e trabalham sob o comando
das autoridades nacionais do país em que operam.
As suas tarefas
são: controlo da fronteira e patrulhamento, verificação da identidade e dos
documentos e registo dos imigrantes.
O centro de
monitorização e de análise de risco efetua análises de risco e monitoriza os
fluxos para e dentro da UE. Tal análise inclui a criminalidade transfronteiriça
e o terrorismo, o tratamento dos dados pessoais de pessoas suspeitas de
envolvimento em atos de terrorismo e a cooperação com outras agências da UE e com
organizações internacionais na prevenção do terrorismo. É estabelecida a
avaliação obrigatória da vulnerabilidade das capacidades dos EM para enfrentar
os desafios atuais ou futuros nas fronteiras externas. A Agência pode lançar
operações conjuntas, incluindo a utilização de drones, quando necessário. E divulga regularmente relatórios de
eventos conexos com o controlo das fronteiras, os atravessamentos ilegais e as
diferentes formas de crime transfronteiriço. A tarefa geral de avaliar os
riscos foi definida no regulamento da Frontex,
segundo o qual esta realiza análises de risco para fornecer à Comunidade e aos
EM informações que permitam adotar medidas apropriadas para assumir ou fazer
face a ameaças e a riscos identificados, melhorando a gestão integrada das fronteiras
externas, sem se criar conflito entre as forças de vigilância e de segurança
nacionais.
***
Face à indefinição, na Lei e no estatuto da Frontex, sobre quando a Frontex deve intervir por eventuais insuficiências
nossas, as decisões devem ser concertadas entre o ministério da Defesa e o da
Administração Interna e dadas as explicações, sem drama, ao Parlamento. Não se
trata de “não caso”, como alega o Governo, mas de exercício do poder soberano e
de respeito institucional.
2022.10.25
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário