Os peritos internacionais que subscreveram a Declaração de Barcelona sobre
Políticas do Tempo, assinada por
mais de 70 instituições internacionais, em outubro de 2021 e que tinha por
objetivo, entre outros, o de promover o debate sobre a mudança da hora, propõem o fim da mudança da hora na União
Europeia (UE) e o alinhamento dos fusos horários dos diferentes países,
aproximando-os o máximo possível da hora solar e tornando-os permanentes.
Os subscritores
da predita Declaração de Barcelona sustentam que as mudanças na hora legal “não
têm efeitos significativos na poupança energética”, ao passo que a manutenção
da mesma hora “melhora a saúde, a economia, a segurança e o meio ambiente”.
Estes
especialistas, citados pela agência noticiosa Efe, defendem, numa primeira fase,
que todos os países da UE acabem com a mudança da hora na primavera (para a
hora de verão, UTC+1, em que os relógios são adiantados 60 minutos) e continuem
com a hora de inverno (UTC+0), não tendo de fazer alterações os países cujo
fuso horário recomendado é a sua hora padrão atual. (UTC, sigla em Inglês para
Tempo Universal Coordenado, é a hora padrão a partir da qual se calculam os
fusos horários no mundo. E, numa segundo fase, os países cujo fuso horário
recomendado não corresponde à sua hora padrão, como Portugal, Espanha, Bélgica,
França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo e Países Baixos, atrasariam, uma última vez,
os relógios no outono (UTC-1), para poderem adotar o fuso horário recomendado
como a sua nova hora padrão.
O atual
regime de mudança da hora na UE é regulado por uma diretiva que determina que
todos os anos os relógios sejam adiantados e atrasados, respetivamente, uma
hora no último domingo de março e no último domingo de outubro, marcando o início
e o fim da hora de verão.
O grupo de
peritos que propõe o fim da mudança da hora na UE inclui representantes de organizações
que defendem “fusos horários saudáveis”, como a International Alliance for
Natural Time (Aliança Internacional para uma Hora Natural), a European
Biological Rhythms Society (Sociedade Europeia de Ritmos Biológicos) e a
European Medical Association (Associação Médica Europeia), bem como especialistas
em cronobiologia (de crónos, tempo + logos, estudo +ia, sufixo indicador de ciência ou arte: ramo da biologia que
estuda os efeitos dos chamados relógios biológicos).
Porém, a mudança da hora é vista pela
positiva por muitos, que viram, a 30 de outubro, esta medida como sinónimo de
mais uma hora de sono. Para outros nem tanto, uma vez que significa que os dias
passarão a ser mais curtos, ficando de noite mais cedo.
Portugal –
que entrou, a 27 de março na hora de verão (UTC+1) e, de 29 para 30 de outubro,
na hora de inverno (UTC+0), atrasando os relógios 60 minutos às duas horas, mas
em que a Região Autónoma dos Açores tem sempre menos uma hora do que o Continente
e a Região Autónoma da Madeira – defende o atual regime, com hora de verão e
com hora de inverno.
Na
sequência de um inquérito de 2018 que ditou que a esmagadora maioria dos
europeus prefere o fim da mudança da hora, em março de 2019, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, sob proposta da
Comissão Europeia, o fim da mudança da hora nos Estados-Membros da UE,
defendendo a entrada em vigor da medida em 2021. Contudo, a adoção da medida no
espaço comunitário dependia de uma tomada de posição, que está por tomar, do
Conselho da UE, instância de decisão onde estão representados os
Estados-Membros, e também dos próprios parlamentos nacionais.
Na altura, o Conselho da UE entendeu
que, para a concretização da medida, faltava uma avaliação de impacto e remeteu
o assunto para a Comissão Europeia, mas o surgimento de temas como o Brexit, a
pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia tem relegado o
tema para fora das agendas dos líderes europeus.
É de anotar que
a referida consulta pública de 2018 obteve 4,6 milhões de respostas de vários
Estados-Membros, sendo que Portugal contribuiu somente com 0,7%. A maioria dos
votos (84%) dos países que participaram foi, como ficou dito acima, a favor de
se pôr fim à mudança de hora.
***
Na sequência
de consulta pública organizada pela Comissão Europeia em 2018, o Observatório
Astronómico de Lisboa (OAL), então com competência na manutenção da hora legal
em Portugal, emitiu um parecer, remetido ao Governo, que apontava a manutenção
da hora de verão e da hora de inverno, avaliando fatores como a poupança
energética e a perturbação no sono.
O parecer
sustentava que a poupança de energia “é positiva mas diminuta” e as
perturbações do sono “mínimas” com o horário de verão. Porém, indicava que a transição
para a hora de inverno “poderia ser melhor”, se ocorresse em finais de setembro,
como sucedeu até 1995 na Europa, e não no fim de outubro, “permitindo uma maior
aproximação à hora solar durante o ano”.
Segundo o
documento, manter apenas a hora de inverno significava ter “o sol a nascer
perto das 5 horas na altura do verão, ou seja, uma madrugada de sol
desaproveitada seguida de um final de tarde com menos uma hora de sol, fatores
que não são positivos nas atividades da população”. Por outro lado, mantendo a
hora de verão todo o ano, “o sol nasceria entre as 8 e as 9 horas durante
quatro meses do ano, no inverno, com impactos negativos”, nomeadamente nas
deslocações para o trabalho e para a escola, que teriam pouca luz. Assim, a
pouca luz vem no fim do dia!
Por
seu turno, o Professor Vital Moreira, a 25 de outubro, no blogue Causa Nossa, declarou reiterar o seu
apoio à proposta – novamente sufragada pelo dito grupo de peritos a 24 de outubro
deste ano – de “acabar
com a mudança cíclica da hora em toda a União”, bem como “à ideia de cada país
adotar como hora permanente aquela que for mais consentânea com o seu natural
fuso horário, ou seja, com a hora solar” (que, na generalidade dos casos, é a “hora
de inverno”).
Considera “indiscutíveis
os inconvenientes da mudança semestral da hora”, como a necessidade de mudar
manualmente, duas vezes por ano, todos os relógios e programadores não ligados
à Internet, não havendo hoje motivo de vulto para o desvio da hora solar,
no verão, que é, no caso português, a do fuso horário de Greenwich, onde se encontra
o Reino Unido e a Irlanda e se deveria situar também a Espanha (todavia
alinhada, com a hora da Europa central, pelo que Vigo tem a mesma hora de
Varsóvia...).
Aliás, Vital
Moreira, citando o comentário de um leitor seu, observa que o mesmo se aplica à
França, pois, até 1940, a Espanha, a
França e o Benelux tinham a hora inglesa, mas a invasão hitleriana e o filogermanismo
de Francisco Franco “obrigaram a que a França, o Benelux e a Espanha mudassem
todos para a hora alemã”. Por seu turno, outro leitor considera que “não
se podem pôr no mesmo pé a França e a Espanha, visto que o território francês
fica maioritariamente na metade leste do fuso horário de Greenwich, enquanto a
segunda fica maioritariamente na metade oeste, o que torna mais artificial a
sua hora”. Porém, o académico sublinha que “mais importante do que a escolha do
fuso horário de cada país é a mudança cíclica da hora”.
Também,
Gustavo Rojas, especialista em astronomia do NUCLIO – Núcleo Interativo de
Astronomia e Inovação em Educação, defende que a mudança de hora duas vezes por
ano implica as áreas da saúde, da economia e da ciência em simultâneo.
Por isso, como verifica, “não existe um consenso entre os estudiosos,
porque há muitos fatores a ter em conta”.
Considerando a sua área de estudos, revela
que, do ângulo da astronomia, a maior condicionante para esta mudança é “o
aumento e a diminuição da luz natural”, sendo esta a sua “preocupação” face à
alteração das rotinas. Todavia, adianta que o fator da iluminação não terá tanto
poder como outrora, devido à iluminação artificial: “A questão da iluminação
natural pode já não ter tanto peso hoje em dia, em comparação ao século XX,
quando implementaram esta mudança. Agora já não dependemos exclusivamente da
luz natural para iluminar as casas e as ruas, por exemplo.”
Assim, o astrónomo questiona: “Até que ponto esta hora a mais de luz
permite às pessoas aproveitarem melhor os dias? Depois de mais de 100
anos, será que os argumentos para mudar a hora ainda continuam
relevantes?”. E vinca as implicações desta situação na saúde e
bem-estar da população, podendo causar perturbações no sono e desregular o
corpo humano, pois, “dividir os nossos ritmos duas vezes por ano interfere
muito no nosso ritmo circadiano, que é associado ao período de luz e regula o
nosso sono.” (Ritmo circadiano – circa,
cerca de +diem, dia – é o da variação
nas funções biológicas dos seres vivos em cerca de 24 horas.)
***
A primeira vez que se alterou a hora
foi na Primeira Guerra Mundial, em 1916, para se pouparem recursos indispensáveis,
como o carvão, e potencializar as horas de luz solar. Enfrentando agora a Europa
as consequências da Guerra da Ucrânia – nomeadamente a crise energética – é
inevitável manter esta decisão. No entanto, é de ponderar se esta opção fará
sentido no futuro. A discussão mantém-se há muitos anos, questionando-se o
porquê de adiar ou a atrasar os relógios uma hora. Com efeito, se se ganham
horas de luz ao final da tarde, também estas se perdem durante a manhã.
***
Eu, que já vivi com mudança da hora e
sem ela (não tivemos hora de inverno entre 1992 e 1996), com pouca diferença,
só espero que decidam e que o façam por motivos de peso!
2022.10.30 – Louro de Carvalho
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