Nas suas duas últimas reuniões o Banco
Central Europeu (BCE) aumentou as taxas de juro em 125 pontos base no
total (50 pontos em julho e 75 em setembro), a maior subida da sua história,
tendo Christine Lagarde advertido, a 27 de setembro, que são de esperar novos aumentos nas próximas reuniões “para amortecer a
procura e prevenir o risco de uma persistente mudança ascendente nas
expectativas de inflação”.
A decisão de subir a taxa diretora
dos juros dependerá, segundo presidente do BCE, da reavaliação regular da
trajetória política da Zona Euro, à luz da informação recebida e da evolução
das perspetivas de inflação e seguindo “uma abordagem reunião a reunião”.
Lagarde espera que a atividade económica na Zona Euro “abrande
substancialmente nos próximos trimestres”, devido a vários fatores, a começar
pela inflação, que se mantém “demasiado
elevada”.
Dirigindo-se, em Bruxelas, à comissão
de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, a presidente do BCE
comentou que “a guerra de agressão injustificada da Rússia contra a Ucrânia
continua a lançar uma sombra sobre a Europa” e assumiu que “as perspetivas são cada vez mais sombrias”, advertindo
que “é expectável que a situação piore antes de melhorar”.
Referindo o crescimento de 0,8% da
economia da Zona Euro no segundo trimestre de 2022, sobretudo devido à forte
despesa dos consumidores em serviços, à medida que a economia foi reabrindo, frisou
que “as economias com grandes setores turísticos beneficiaram especialmente”, visto
que as pessoas viajaram mais durante o verão e “o mercado de trabalho ainda
robusto também continuou a apoiar a atividade económica”.
Não obstante, como alertou, o BCE
espera “que a atividade abrande substancialmente nos próximos trimestres” por “quatro
razões principais”: “a
inflação elevada” que, em agosto, atingiu os 9,1% no espaço da moeda única e
que está a “enfraquecer as despesas e a produção em toda a economia”, fenómeno
agravado “pelas perturbações no fornecimento de gás”; a perda de vapor da “forte procura de serviços, que veio com a reabertura da
economia; “o enfraquecimento da procura
global, também no contexto de uma política monetária mais
restritiva em muitas grandes economias”; e a continuidade da elevada incerteza, “o que se reflete na
queda da confiança das famílias e das empresas”.
A presidente do BCE frisou que “os preços mais elevados da energia e dos alimentos estão
a pesar especialmente nas famílias mais vulneráveis”, esperando-se que a
situação ainda piore.
Estes dados levaram a uma revisão em
baixa das últimas projeções para o crescimento económico para o resto do ano em
curso e ao longo de 2023. O BCE espera, pois, que a economia cresça 3,1% em
2022, 0,9% em 2023 e 1,9% em 2024.
Na mesma linha, as projeções da
inflação por parte do BCE foram revistas em “alta significativa”, esperando-se que
a inflação anual seja de 8,1% em
2022, 5,5% em 2023 e 2,3% em 2024, com o risco de estes valores poderem vir a
ser ainda mais elevados.
Na ótica de Christine Lagarde, “os
riscos para as perspetivas de inflação estão principalmente do lado
ascendente”, refletindo sobretudo “a possibilidade de novas perturbações
importantes no fornecimento de energia”;
e, embora estes fatores de risco sejam os mesmos para o
crescimento, o seu efeito seria o oposto, ou seja, “aumentariam a inflação, mas
reduziriam o crescimento”. Por isso, neste ambiente, o apoio orçamental
utilizado para proteger as famílias do
impacto de preços mais elevados deve “temporário e direcionado”,
pois assim limita-se “o risco de alimentar as pressões inflacionistas”,
facilita-se “a tarefa da política monetária para assegurar a estabilidade dos
preços” e contribui-se para “preservar a sustentabilidade da dívida”.
***
Perante a aquiescência,
pelo menos tácita, dos decisores e dos comentadores da nossa praça, o
Presidente da República, defendeu, no mesmo dia 27 de setembro, que o BCE
deve procurar um equilíbrio e “pensar muito bem” na subida de juros para evitar a estagnação económica.
Em
declarações aos jornalistas, em Napa Valley, na Califórnia, desenvolveu a
mensagem que deixou no dia 25 à noite sobre a atuação do BCE, vincando que
tem “uma espécie de reação na linha da orientação americana” à conjuntura de
subida de preços.
O chefe de Estado
considera a orientação americana muito clara: “nem que custe o crescimento da economia, vamos
privilegiar com subidas massivas de juros o controlo da inflação”. Porém, entende que a América do Norte tem
uma vantagem enorme, a de produzir “os dólares que quiser”.
Assim, na
ótica de Marcelo Rebelo de Sousa, se “os americanos podem permitir-se esse tipo
de realidade”, já “outros espaços económicos”, como a União Europeia (UE), “têm de pensar
nas consequências da estagnação”
ao fazer face à inflação.
Nestas circunstâncias,
o chefe de Estado português apelou a que se procure “um equilíbrio para se
evitar a estagnação com inflação, como houve nos anos 70”.
Percebe que “o BCE tenha sentido a necessidade de acorrer à subida do nível de preços”, mas considera que “a
mensagem tem de ser calibrada”, ou seja, após “um período em que a preocupação
era evitar a subida de juros, tem de se pensar muito bem na subida a
introduzir, porque essa subida se for muito, muito acentuada, em economias que
ainda não arrancaram, pode atrasar o arranque”.
Também compreende
que, “perante as medidas de alguns Estados, que injetaram nas ajudas sociais,
económicas às famílias, às empresas, às diversas instituições, injetaram o que
puderam ou que estão a poder e nalguns casos porventura mais do que admitiam
poder”, o BCE tenha a tentação de pôr travão e pedir moderação. Porém, salientou que “nós sabemos como há muito de psicológico nas declarações feitas” e relatou haver
recebido ecos que “um pouco preocupantes”.
Na sua intervenção,
qualificou as declarações de Christine Lagarde como “um travar às quatro rodas”
e “uma transição brusca para um discurso muito dramático, e depressivo, porventura”,
após uma fase marcada pela “vontade de criar confiança”. E, esperando que “isso
não
seja
excessivo”, afirmou: “Talvez tenha sido de repente uma mudança de 80 para oito,
bruscamente, sem transição e sem mitigação, como se diz agora. Vamos ver como é
que os mercados financeiros reagem, vamos ver como é que as economias reagem.”
O Presidente da
República revelou que, pelas conversas que teve no funeral de Isabel II, “os
líderes de grandes economias europeias, com uma exceção, estavam muito pessimistas”
e “apostavam ou temiam que o próximo ano fosse um ano mau do ponto de vista de
crescimento”.
Quanto a Portugal,
reiterou que há “números de crescimento
económico muito bons até agora no ano de 2022”, mas também “a
consciência de que não são repetíveis em 2023”. Nestes termos, “a questão é
saber onde ficamos em 2023” e – “aquilo a que nenhum sabe responder” – é onde “ficará
a inflação também
entre o final de 2022 e 2023”. Ao mesmo tempo, apontou “vários desafios em simultâneo,
comuns alguns deles com outros países”, sendo “o desafio mais imediato dos
efeitos económicos, financeiros e sociais da guerra” e “o mais sensível a
inflação”. Manifestou a esperança
de que não venha “a estagflação”, um quadro de inflação
elevada com estagnação ou recessão.
Embora fazendo uma
análise de pendor pessimista, referiu, pela positiva, que Portugal tem tido “um
ano de turismo excecional” e que “os números em termos de exportações têm sido
em volume excecionais”. E assinalou que “temos tido intenções de investimento muito apreciáveis,
que se espera que sejam concretizadas” por deslocação de investimentos do Leste europeu, por razões geopolíticas compreensíveis, pela procura de uma economia com segurança física
e económica, e pela
estabilidade política, vista como central em termos globais.
Segundo o Presidente
da República, “este equilíbrio, que já foi a dor de cabeça dos anos 70, entre
controlar o nível de preços, que
atingem famílias e empresas”, e “evitar que a economia de repente caia muito e deixe de crescer de forma
repentina ou mais acentuada, é o grande desafio para os reguladores, para os
governantes, para todos”.
Enfim, o Presidente
da República teme que o “discurso muito dramático” da presidente do BCE sobre a
evolução económica na Zona Euro tenha sido efeitos negativos nos mercados e nas
economias. E, em termos gerais, considerou que “o mundo não está fácil, não
está geopoliticamente fácil, não está economicamente fácil”. “O final do ano anterior foi muito bom e o primeiro trimestre foi muito
bom. O segundo trimestre estabilizou, mas os números do ano que vem poderão ser bem mais complicados”, advertiu, numa mensagem que tem repetido
nas últimas semanas.
***
Entretanto,
Henrique Raposo, em artigo de 29 de setembro no Expresso online, considera “populista” este discurso contra o BCE,
inscrevendo-o na linha do que diz de Marcelo, o qual, alegadamente “não sabe o que está a fazer, não sabe o que está a dizer” e que “não
ouve ninguém, não conhece os dossiês, não os estuda”. Assim, agora, para o
colunista, “na questão do BCE e dos juros”, a impreparação de Marcelo “é um problema
para Portugal”, pois “um institucionalista não fala assim de uma instituição”.
Mais aponta que as declarações de Marcelo sobre
Lagarde e sobre o BCE “revelam um perigo sério para Portugal”, porque “atrairá
atenções negativas dos mercados”.
Dá a impressão que Raposo tem saudades de Cavaco Silva
que, na anterior crise, dizia que não podíamos “enervar os mercados”. Tínhamos
de nos limitar a assistir à crise a sofrê-la!
Costumo fazer a minhas críticas a Marcelo pelo excesso
de declarações públicas – inconstantes, contraditórias, parciais, fora das suas
funções e, algumas até, ridículas. Porém, nesta matéria, as vozes críticas ao
BCE deviam ser mais e mais duras. Não se definem políticas monetárias com folha
Excel, mas pensando nas pessoas. Só é pena que Marcelo não possa ou não queira
apresentar as suas preocupações nos areópagos da UE ou da Zona Euro e fundamentando-as
mais e melhor.
2022.10.01
– Louro de Carvalho
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