São os tribunais, é o Presente da República (PR), é o Governo,
são os deputados no Parlamento, é a banca, é a segurança social! Tudo goza com
a nossa cara.
Em março passado, um Tribunal Criminal condenou
Ricardo Salgado a pena mais leve (seis anos de prisão efetiva), explicando o
juiz que teve em conta fatores como “a inserção familiar e social” do
ex-banqueiro, “a ausência de passado criminal” e a “idade do arguido e o seu
estado de saúde”. Porém, só refere a doença de Alzheimer uma vez e para dar o
diagnóstico do neurologista como “provado”. E, ao invés do que pretendia a defesa,
não se pronunciou sobre se isso seria suficiente para suspender a pena, tendo
em conta que a lei prevê que “se a anomalia psíquica sobrevinda ao agente
depois da prática do crime não o tornar criminalmente perigoso, (…) a execução
da pena de prisão a que tiver sido condenado suspende-se”.
O tribunal deu como provado que o
arguido tem vindo a sentir “dificuldades e lapsos de memória e, ainda, desgaste
emocional, físico e psicológico” e “dificuldades de audição”, mas isso só o
salvou de pena mais pesada. Cada um dos três crimes de abuso de confiança valeriam
quatro anos de prisão, mas “a conjugação destes fatores enfraquece as
necessidades de prevenção especial, devendo o seu grau deve situar-se num plano
abaixo do da prevenção geral positiva”.
Por cada um dos três crimes de abuso de
confiança, o coletivo de juízes aplicou a pena de prisão de quatro anos, que
depois, em cúmulo jurídico, ficou em seis anos de pena de prisão efetiva.
O tribunal, que condenou o arguido por
se apropriar de 10,7 milhões de euros que pertenciam ao Grupo Espírito Santo (GES)
não deu como provado que havia uma gestão centralizada na pessoa do presidente
executivo do banco, o principal ativo daquele universo empresarial. Diz que ele
tinha um “papel determinante” nos destinos no GES, mas que não estava só: É
certo que o arguido tinha um papel determinante nos destinos no grupo, mas a
estrutura de governança deste Grupo contemplava diversas estruturas colegiais
Conselho Geral, Conselhos de Administração e Comissões Executivas que impediam
a concentração das decisões numa só pessoa.”
Havia uma “estrutura piramidal”, em que
Ricardo Salgado tinha tanto poder como os outros ramos da família Espírito
Santo: “Os vários ramos da família tinham poderes equivalentes, impedindo que
um dos ramos se sobrepusesse aos restantes”. “Assim como a dispersão do
Universo Espírito Santo por centenas de empresas financeiras e não financeiras
constituía a existência de uma quantidade de informação que dificilmente
poderia ser absorvida por uma só pessoa.”
A posição do tribunal não abarca o que
foi transmitido por José Maria Ricciardi, primo e ex-colega no Banco Espírito
Santo (BES), de que os membros do Conselho Superior do GES “eram espetadores
daquilo que o arguido ia dizer nas reuniões”. “Qualquer decisão da área
financeira e não financeira tinha de ter o acordo do arguido”. Assim, a decisão
tomada pelo coletivo, que condena Salgado apesar de não ver nele o “dono disto
tudo” no GES, segue-se a uma decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, em que, condenando-o em processo saído
da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), considerou que Salgado “traçava
as linhas estratégicas do grupo”.
Em 10 de outubro, o TCRS condenou o ex-presidente do BES à coima de 950 mil euros, baixando
em 50 mil euros o valor aplicado pela CMVM no caso do prospeto do aumento de
capital de maio de 2014, aliás como condenou outros responsáveis
No caso de Ricardo Salgado, a juíza salientou a sua
posição de liderança e visão porventura única que tinha de todo o universo
Espírito Santo e lembrou as várias decisões do TCRS transitadas em julgado nas
quais foi condenado, nomeadamente, por gestão ruinosa. E frisou que o arguido não tomou qualquer diligência
para o pagamento voluntário das coimas aplicadas, estando inclusive em curso um processo de execução. E afirmou que a questão de saúde invocada
pelos mandatários não se colocava à data dos factos, pelo que não
releva a responsabilidade da sua atuação.
Além da coima única de 950.000 euros pela prática
dolosa de quatro contraordenações, Salgado viu-lhe ser aplicada a
pena acessória de inibição do exercício de funções em instituições financeiras
por um período de quatro anos.
Em causa estão a qualidade da informação do prospeto do aumento
de capital do BES de maio de 2014 e as operações ocorridas até junho (período
aberto a investidores interessados) que a CMVM considera deverem ter originado
adendas ao documento, processo que as defesas disseram ao TCRS ter
sido “altamente escrutinado” pelos supervisores, que nunca fizeram qualquer
reparo.
Porém, também esta juíza diz que não ficou provado que Salgado fosse o “dono
disto tudo”.
É certo que a denominação “dono disto tudo” não é rigorosa, mas significa
um enorme poder de influência interna e externa. No entanto, os tribunais
consideram que o arguido traçava as linhas estratégicas no grupo. Porém, havia outros
órgãos colegiais com poder de decisão e de controlo. Obviamente, tinha de
haver, caso contrário, o banco e o grupo não podiam funcionar.
Qualquer observador sabe que a multiplicidade de órgãos e de estruturas
numa organização nem sempre significa a diminuição ou mesmo a anulação de poder
unipessoal – tal a rede de dependências que se estabelece! E as estruturas são,
muitas vezes, instrumentos de fachada. Até a ditadura salazarista-caetanista dispunha
de Constituição, Presidente da República, Assembleia Nacional, Tribunais e
eleições… E quem mandava? Por isso, os tribunais absolvam, condenem e reduzam
penas, mas poupem-nos a certos comentários simplistas e contraditórios.
***
Estes dias fizeram-me lembrar o Presidente Cavaco Silva, quando nos ensinou
a fazer contas de subtrair. Estava a Grécia na iminência de sair da Zona Euro e
o PR tranquilizava os Portugueses ensinando que eram 19 países e que, saindo um,
ainda ficavam 18. Por mim, na ocasião, fiquei muito feliz com o ensinamento. Já
não fiquei tão feliz quando o XIX Governo Constitucional se preparava para
fazer o “assalto” às pensões de reforma e de aposentação e o Presidente da
República (PR) se queixava, falando da sua reforma e da da sua consorte, que
quase nem davam para pagar as contas e sujeitou à fiscalização prévia do
Tribunal Constitucional a “lei” que implicava cortes nas pensões em pagamento.
Lamentável face à pobreza de tanta gente!
Nestes dias, o chefe de Estado, prolixo em comentários, como é usual, numa primeira
impressão, diz que as medidas tomadas pelo Governo são boas, para dizer, a
seguir, que tem dúvidas; outras vezes, faz o inverso: num primeiro momento, vê
as coisas pelo lado mais escuro do espelho, para considerar, a seguir, que as
opções são realistas. O mal de quem tende a falar de tudo!
Agora, face à informação da Comissão Independente (que investiga os casos
de abuso sexual de menores por parte de clérigos) de que tinham sido reportados
424 casos, dos quais só 17 não estavam prescritos (pelo que foram remetidos
para o Ministério Público) e 30 se encontram em estudo, Marcelo Rebelo de Sousa
disse que não ficou surpreendido por serem poucos os casos reportados,
comparativamente com o que se passa noutros países. Porém, face às críticas de vários
partidos que lhe apontam falta de respeito pelas vítimas, declarou que eram
poucos os reportados, pois sabia que eram muitos mais, pois tem acompanhado o
processo desde o início e elogiou o trabalho da Comissão, que espera ver
traduzido na Justiça.
Ora, não julgando as intenções e até sendo injustas as críticas de desrespeito
pelas vítimas, tudo seria evitável, se o PR se tivesse limitado a remeter o
tema para a Comissão. Aliás, nem tinha de acompanhar a Comissão (porque independente),
nem são traduzíveis na Justiça casos prescritos.
O Governo bem podia, na questão dos apoios às famílias, não ter ocultado
com uma das mãos o que mostrava com a outra: por exemplo, no atinente a pensões
(Veja-se o caso que relato mais adiante) e a descidas do imposto sobre o valor acrescentado
(IVA) na eletricidade).
O Parlamento bem podia dispensar-se de nos sobrecarregar com leis de
impedimentos e incompatibilidades e, depois, todos os apontados estarem a
exercer os cargos em situação legal! E podia livrar-nos do espetáculo de uma
deputada que pretendia tirar da ata a declaração de um deputado de partido
adverso. Quase circenses os nossos representantes!
A banca (sobretudo a pública, de clientes com menores recursos, alguns bem
pobres) bem podia renunciar às comissões de manutenção de conta, de taxa por
levantamento e por depósito de numerário ao balcão, bem como do pagamento de
taxa de transferência. Estranho modo de servir!
Da índole obtusa e fechada da Segurança Social só trago a lume um facto. O
Governo resolveu ajudar a 8 de outubro (10 porque o dia 8 era domingo) premiar
a pobreza das pensões com o montante de meia pensão. Entretanto, na conta bancária
de uma pensionista octogenária, cuja pensão de reforma não chega a 405 euros,
caiu, não pensão e meia, mas uma importância bastante inferior. Perante o
facto, um irmão da pensionista, que já não administra as suas contas, pôs-se em
contacto telefónico a relatar o sucedido e a questionar a razão da diferença,
considerável para quem é pobre. E, apesar de afirmar a impossibilidade física de
a pessoa se encontrar presente a seu lado, foi respondido que não podiam
prestar informação, a não ser à própria.
Fico sem saber se isso é “panca” burocrática, se é desculpa eventualmente
apoiada na lei que regulamenta a proteção de dados, se outra qualquer razão.
Penso, contudo, que estas informações deveriam ser públicas ou prestadas a quem
as solicita com razoabilidade.
Os poderes deveriam poupar-nos a estes incómodos anedóticos, burocráticos e
económicos…
2022.10.12 – Louro de Carvalho
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