Assinalou-se,
a 20 de outubro, o Dia Mundial
de Combate ao Bullying, forma de violência correspondente a um padrão de comportamento intencional e agressivo recorrente
contra uma vítima, em situação de desequilíbrio real (ou percebido) de
poder e em que a vítima se sente vulnerável e impotente para se defender.
A data é um
alerta internacional para o problema com que muitos jovens
vivem. Nesta data são promovidas campanhas de prevenção e combate ao bullying, sobretudo nas escolas, e são
revelados relatórios de estudos sobre este problema.
Segundo
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma em cada três crianças
do mundo, entre os 13 e os 15 anos, é regularmente vítima de bullying na escola.
Consciencializar
a população mundial para esta forma de violência, apoiar e incentivar as
vítimas a denunciarem estas graves situações e encontrar formas de as prevenir,
são os desafios colocados face a um flagelo cujo combate não é tarefa de um
dia, nem de um grupo de pessoas, mas de todos os dias do ano e de todas as
pessoas.
Em Portugal,
o site da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), contém informação útil e ajuda para o problema. Por seu
turno, a Associação Plano i, sediada
no Porto com intuito de promover a inclusão, criou o Observatório Nacional do Bullying, para recolher informações sobre
situações de bullying em contexto
escolar, através de questionário, disponível no respetivo site, a preencher por quem é ou foi vítima ou testemunha desta
prática. Os dados servirão para o mapeamento e caraterização do fenómeno e para
o reforço da prevenção e do combate.
Porque
a família é uma das estruturas mais importantes na prevenção e no combate à
violência contra crianças e jovens, tal como a escola, os pais devem perguntar
diariamente aos filhos sobre o dia na escola e perceber, pelas respostas, se os
filhos andam tristes ou distantes, o que pode ser indicativo de problemas de bullying. É premente encorajar os filhos
a expressarem o que sentem, a dizerem “não”, quando estão desconfortáveis, e a
não reagirem com violência, para não gerarem ainda mais violência.
***
O termo inglês bullying contém o radical bully, que
significa valentão, a que se apõe o sufixo “-ing” a denotar continuidade, o
que ajuda a entender com maior precisão o significado do termo.
Tal prática é caraterizada por constantes agressões físicas, verbais e psicológicas (geralmente ocorrem
juntas), em que um indivíduo ou grupo humilha, apouca, expõe e agride outro
indivíduo. Só se chama bullying ao comportamento sistemático e constante, ao passo que episódios
isolados de agressão física ou verbal não entram nesta caraterização. Chama-se bullying tal comportamento em crianças e
adolescentes, pois, nos adultos, a prática similar é assédio moral.
O bullying assume diversas
modalidades: apelidos vexatórios e sistemáticos, perseguição à vítima,
humilhação da mesma diante de público, exposição pelas caraterísticas físicas
ou psicológicas, chegando a agressões físicas que podem provocar lesões
corporais.
O
comportamento é físico (por exemplo, empurrão e destruição de bens), verbal
(provocação, insulto e ameaça) ou relacional (difamação e exclusão do grupo).
Segundo a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o problema afeta, de forma desproporcional,
os membros da comunidade escolar que se encontram em situação de maior
vulnerabilidade social, nomeadamente as crianças e adolescentes cuja orientação
sexual, identidade ou expressão de género não coincide com as normas sociais ou
de género tradicionais.
Cleo Fante, especialista na matéria, afirmou, em artigo publicado na
revista Super Interessante, que, até
a década de 1970, a
sociedade não via o bullying como um
problema, mas como uma fase normal do desenvolvimento infantil,
mentalidade retrógrada de algumas pessoas que ainda o encaram como brincadeira
ou como comportamento social normal, em que uns são dominados por serem mais
fracos e outros são dominantes por serem mais fortes. Esse comportamento
negligente de famílias e até de profissionais da educação pode provocar na
vítima a sensação de
impotência e a crença de que o erro está nela, visto que não
consegue defender-se sozinha.
Quem pratica bullying procura
alvos fáceis, normalmente crianças menores e sem comportamento agressivo.
Porém, não podemos ficar-nos por simplesmente julgar e condenar tal comportamento
em menores, pois, geralmente, revela-se em indivíduos que passam por problemas emocionais e psicológicos,
muitas vezes, originados no ambiente familiar. Há que ir à raiz dos males!
O ambiente mais propício é a escola, por uma razão sociológica: a
escola constitui o ambiente em que as crianças e os adolescentes passam grande
parte do dia e convivem diariamente uns com os outros. E, como na sociedade
extraescolar, esse ambiente gera
a formação de grupos sociais e cria, entre os estudantes, situações
de hierarquia pela força ou pela aceitação que um indivíduo tem do grupo. Isso
não isenta outros ambientes do bullying,
como a vizinhança ou o condomínio.
Na comunidade escolar em que grupos dominantes se cristalizam como padrões de aceitação, quem não se
enquadre nesses padrões acaba excluído e pode ser vítima. Normalmente, os
padrões das relações sociais escolares, sobretudo em adolescentes, formam-se
com base nas caraterísticas físicas e no grau de popularidade e aceitação que
os indivíduos têm dentro do grupo.
As pessoas consideradas mais populares ou “descoladas” constituem-se em
referência para o comportamento
social, e quem não se enquadre no padrão é considerado estranho ao
grupo. Daí advém o comportamento humilhante e vexatório da parte dos que se julgam
normais ou populares contra os que têm por estranhos por não se enquadrarem nos
parâmetros estabelecidos.
Além da violência psicológica, pode-se chegar à violência física, em que
alguns agridem a vítima (criança ou adolescente menor e mais indefeso). Em
todos os casos, cabe aos profissionais da educação coibir qualquer prática
violenta que ocorra em ambiente escolar.
***
No Programa Escola Segura, desde
o ano letivo de 2013/2014 até 2021/2022, a Polícia de Segurança Pública (PSP) realizou
cerca de 27.000 ações de sensibilização grupais subordinadas à temática bullying e ciberbullying, abrangendo mais de 580.000 alunos. Só no ano letivo 2021/2022 foram
reportados 2.847 crimes. Foi registado um total de 2.183 vítimas, das quais 1.192 do género masculino e 1.000 do género feminino. A faixa
etária com maior preponderância de vítimas é a dos 12 aos 15 anos com 946
vítimas representando 43,3% do total. Destas vítimas, 582 são do género
masculino (61,5%) e 364 do género feminino (38,5%). Já no atinente aos
agressores, foram identificados 2.525 dos quais 1.848 do género masculino e 679
do género feminino. A faixa etária com maior preponderância de
suspeitos/agressores é a dos 12 aos 15 anos com 1.144 suspeitos/agressores,
representando 45,3% do total. Destes suspeitos/agressores, 869 são do género
masculino (76%) e 275 do género feminino (24%).
Os dados revelam o aumento do total de ocorrências, pós-período de
atividades não presenciais causado pela covid-19. Ainda assim, houve decréscimo
no número de ocorrências registadas em contexto escolar relativamente ao ano
letivo de 2018/2019, último antes da pandemia.
Segundo
refere o Público (20.10.2022), dados recolhidos
em Portugal no âmbito do Projeto Free
(estudo internacional sobre o bem-estar na escola, que envolve 13 países
europeus), junto de cerca de 1200 estudantes com idades entre os 14 e os 19
anos, permitem lançar um retrato exaustivo e factual sobre as suas experiências.
Um dos objetivos era averiguar as experiências de bullying e a saúde
mental dos/as jovens LGBTQ+, comparando-as com as dos/as congéneres não-LGBTQ+
(jovens dentro da dita norma). Os resultados são inequívocos: são os/as
não-heterossexuais, que têm uma identidade trans/não binária e que são percecionados/as
como tendo uma expressão de género não normativa (rapazes mais “femininos” e
raparigas mais “masculinas”) que sofrem mais bullying e que apresentam autoestima
mais baixa, índices mais elevados de depressão, ansiedade generalizada, risco
de suicídio e comportamentos autolesivos.
Tendo efeito
positivo no bem-estar destes/as jovens a menção explícita dos direitos das
crianças e jovens LGBTQ+ nos regulamentos escolares e a inclusão de conteúdos
relacionados com a diversidade sexual e de género nos currículos, investigou-se
em que medida a população escolar estava consciente da existência destas
medidas. Apenas uma minoria de estudantes referiu que a sua escola tinha
políticas antibullying mencionando a orientação sexual e a identidade de
género e que o currículo incluía questões LGBTQ+. Por sua vez, os/as estudantes
de minorias sexuais e de género que percecionavam as escolas como menos
inclusivas apresentavam também uma autoestima mais baixa e níveis mais elevados
de depressão.
As linhas
orientadoras e os planos nacionais de igualdade são importantes, mas a
realidade mostra que são insuficientes. São necessárias medidas específicas nas
escolas, que criem ambiente seguro e inclusivo, por exemplo: criação e
implementação de estratégias de sensibilização de pares que potenciem o seu
papel de aliados/as; promoção de estratégias de prevenção de comportamentos
abusivos e de capacitação para a adoção de estratégias assertivas em situações
em que estes ocorrem; reforço da formação e sensibilização de pessoal docente e
não docente para as temáticas da orientação sexual, identidade de género e
expressão de género; sinalização, junto das escolas, da prioridade de
contribuir para um clima escolar mais seguro e inclusivo para jovens LGBTQ+,
designadamente nos planos anuais de atividades; fomento e facilitação de
estruturas informais constituídas por jovens e apoiadas por docentes e pessoal
não docente, com o formato de clubes ou alianças; inclusão de temáticas LGBTQ+
nos currículos e nos manuais, para contrariar estereótipos redutores sobre
género e sobre sexualidade; alerta à comunidade escolar para a necessidade do respeito
pelas especificidades das vivências de pessoas jovens trans ou não binárias,
nomeadamente respeitando os pronomes e o nome social, articulando o uso seguro
de casas de banho e balneários e respeitando a identidade de género em todas as
atividades que envolvam divisão por género.
***
Há muito caminho
por fazer por andar, no respeito, na igualdade e na inclusão!
2022.10.20 – Louro de Carvalho
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