O Partido Comunista Chinês (PCC) aprovou, no encerramento
do seu 20.º Congresso, a 22 de outubro, uma emenda à sua carta magna, que eleva
o estatuto do secretário-geral da organização, Xi Jinping, como líder
indiscutível da China. E não lhe faltaram razões para o efeito.
Efetivamente,
na abertura oficial da sessão magna do partido, a 16 de outubro (o 20.º
Congresso do Partido Comunista Chinês estendeu-se por seis dias), com um
discurso de 1,45 horas, metade da duração do que em 2017, perante cerca
de 2.300 delegados reunidos no Grande Palácio do Povo, na Praça Tiananmen, em
Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping,
pediu “unidade” em torno da sua liderança e elogiou a ascensão da China como
potência mundial.
Na apresentação
do relatório da sua liderança, Xi Jinping defendeu a política severa de combate
à covid-19, que é de tal sorte que os convidados desta cerimónia de abertura,
incluindo jornalistas, tiveram de passar dois dias em quarentena no hotel para
poderem nela participar. E o chefe Estado, reiterando que, para ele, a
saúde vem antes da economia, pelo que não é permitido nenhum relaxamento sobre
isso, afirmou que “a política de saúde priorizou vidas chinesas e humanas acima
de tudo”.
Depois, assegurando
que a sua campanha anticorrupção eliminou graves perigos no PCC e no Exército,
frisou que “a corrupção é um cancro, pior do que tudo”, e reapontou “a falta de
convicção política firme de certos executivos” quando chegou, ao poder há 10
anos.
Xi Jinping,
no poder desde março de 2013, posiciona-se, mais uma vez, como o salvador do
partido, mas sem abordar diretamente a questão que todos se colocam sobre
a sua continuidade à frente do aparelho de Estado, exceto se houver uma mudança
dramática, devendo tomar posse, a 23 de outubro, um dia após o encerramento do
congresso, e assumir as rédeas do país por mais cinco anos, o que o torna o
líder mais poderoso desde o fundador do regime, Mao Tsé-Tung.
Mao,
considerado o fundador da República Popular da China, chegou ao poder
comandando a Longa Marcha, formou uma frente unida com o Kuomintang (KMT) ou Partido Nacionalista Chinês,
durante a Guerra Sino-Japonesa, para repelir uma invasão japonesa e, posteriormente, conduziu o PCC até
à vitória contra o generalíssimo Chiang Hai-shek, do KMT, na Guerra Civil Chinesa. Mao,
que se intitulava “O Grande Timoneiro”, restabeleceu o controlo central sobre
os territórios fraturados da China, com exceção de Taiwan, e suprimiu, com
sucesso, os opositores da nova ordem. Promulgou uma reforma agrária
radical, usando a violência e o terror para derrubar latifundiários antes de
tomar as suas grandes propriedades e dividir as terras em comunas
populares. O triunfo definitivo do PCC aconteceu depois de décadas de
turbulência, que incluiu uma invasão brutal pelo Japão (Segunda Guerra Sino-Japonesa)
e prolongada guerra civil. O PCC atingiu, finalmente, um grau de
estabilidade na China, apesar de o seu período no governo ser marcado pela
crise de eventos como o Grande Salto
em Frente e a Revolução Cultural,
com o seu esforços para fechar a China ao comércio de mercado e erradicar a
cultura tradicional chinesa, o que tem sido amplamente rejeitado pelos sucessores.
Não obstante, os partidários continuam a sustentar que foi ele o responsável
por uma série de mudanças positivas que ocorreram na China durante o seu
governo de quase três décadas (1949-1976).
Voltando ao
20.º Congresso, é de referir que Xi Jinping, no seu discurso, evitou a
referência direta à Ucrânia e à Rússia. Porém, evocou “um mundo complexo” e, enfatizando
que o evento acontece num ‘momento crítico’, disse que devemos preparar-nos
para enfrentar “estes severos” tempos, mas deixou claro que a China se opõe à ‘mentalidade
da Guerra Fria’ na política global e defendeu o fortalecimento do poder militar
chinês.
Xi Jinping deixou
críticas à interferência de “forças externas” em Taiwan, ilha que o regime
considera parte do seu território e disse que “nunca renunciará ao uso da
força” para a reunificar, o que suscitou muitos aplausos dos presentes. A este
respeito, declarou: “Devemos fazer todo o possível para alcançar a reunificação
pacífica, mas não podemos garantir que nunca recorreremos à força e mantemos
todas as opções em aberto.”
O presidente
chinês elogiou o estabelecimento de uma administração liderada por patriotas em
Hong Kong e garantiu que o país, um dos maiores poluidores do planeta,
“participará ativamente” na luta contra o aquecimento global, “fortalecendo o
uso limpo e eficiente do carvão”. Porém, esclareceu que a China não quer ver-se
confrontada com novos cortes de energia.
***
Como ficou dito, o PCC aprovou, no encerramento do congresso, que
definiu a agenda de moldura do futuro político deste país asiático nos próximos
cinco anos, uma emenda na sua carta magna que eleva o estatuto de Xi Jinping
como líder indiscutível da China.
O texto da emenda não foi divulgado de imediato, mas, antes da
aprovação, um locutor referiu os motivos subjacentes a essa deliberação, mencionando
repetidamente Xi Jinping
e os seus “feitos” na modernização das Forças Armadas e da
economia e no reforço da autoridade do Partido.
Por sua vez, o reforçado secretário-geral do PCC, nos seus breves
comentários finais, apontou que a revisão “estabelece requisitos claros para
manter e fortalecer a liderança geral do Partido”.
Este reforço do estatuto de Xi Jinping acrescenta-se ao que lhe foi outorgado no congresso anterior, em 2017, em que o PCC já elevara o estatuto de
Xi ao consagrar as suas ideias – conhecidas como “Pensamento de Xi Jinping” – na
sua carta magna.
Agora, esta elevação do seu pensamento ideológico torna, segundo alguns observadores, qualquer crítica às diretrizes de Xi num ataque direto ao Partido e sinaliza amplo apoio ao líder chinês entre da parte da elite política do país.
Os mais de 2000 delegados ao congresso, segundo a imprensa estatal também elegeram formalmente o novo Comité Central (o parlamento do PCC), composto por 205 membros. E a análise consensual atribuiu um terceiro mandato a Xi Jinping como secretário-geral do PCC, mas os observadores estão atentos às entradas e saídas da cúpula do poder na China.
Um terceiro mandato de Xi quebra um limite não oficial de dois
mandatos, que foi instituído para tentar evitar os excessos do poder absoluto
que marcaram o reinado de Mao. Mas o relatório de trabalho apresentado por Xi na
sessão de abertura do congresso mostrou a sua determinação em permanecer no
rumo atual, perante os desafios internos e externos.
***
Entretanto,
o Congresso introduziu alterações significativas no elenco das figuras de proa.
Li Keqiang, primeiro-ministro e principal defensor das reformas económicas,
está entre quatro dos sete membros do Comité Permanente do Politburo do PCC que
são afastados. O seu
nome não constava na lista do novo Comité Central, que foi aprovada na sessão
de encerramento do 20.º Congresso do PCC, que definiu a liderança e a agenda política
do país para os próximos cinco anos. Apenas membros do Comité Central podem
servir no Comité Permanente do Politburo, a cúpula do poder na China. Os outros
membros afastados são o secretário do PCC no município de Xangai, Han Zheng,
chefe do órgão consultivo do Partido, Wang Yang, e Li Zhanshu, antigo aliado de
Xi e presidente da Assembleia Nacional Popular, o órgão máximo legislativo da China.
Por outro lado, ex-presidente chinês, Hu Jintao, segundo
jornalistas da agência France Presse,
foi levado para fora do Grande Palácio do Povo, na cerimónia de encerramento do
20.º Congresso do PCC. A retirada forçada e incomum de Hu Jintao foi omitida
nas redes sociais, de controlo estatal, e não foi imediatamente explicada
ou noticiada pela imprensa do Estado.
O ex-presidente surpreendeu na abertura do congresso, ao
aparecer envelhecido, com o cabelo agora completamente branco.
Hu Jintao, de 79 anos, Presidente da China entre 2003 e 2013,
foi pressionado pela equipa de segurança a levantar-se do assento ao lado do
secretário-geral do Partido, Xi Jinping, na primeira fila do Grande Palácio do
Povo. A princípio relutante, parecia argumentar, antes de ser agarrado pelo
braço por um funcionário, que o conduziu até à saída. Hu Jintao manteve uma
breve conversa final com Xi Jinping e com o primeiro-ministro, ao qual deu um
toque amigável no ombro.
Posteriormente, ficou a saber-se que a razão oficial da sua
retirada da mesa da sessão fora uma indisposição física, mas, ao que parece, a
verdadeira razão prende-se com a sua discordância relativamente a um eventual
uso da violência contra a ilha de Taiwan.
***
Enfim, com novo reforço de poder, Xi Jinping, de 69 anos, tem
carta-branca para decidir ad libitum sobre
matérias cruciais, como o regime político, o grau e modalidades de reformas
económicas, a relação belicosa ou amistosa com Taiwan e a geoestratégia,
incluindo a aprovação ou reprovação da guerra russo-ocidental, o ritmo do
combate às alterações climáticas e as relações comerciais com países terceiros.
E as críticas às suas diretrizes serão consideradas ofensas ao PCC e ao Estado
Chinês. Tudo bons pressupostos para a adequada caça às bruxas!
Nada de excessivo (?!) para quem tem feito de um partido
cujas conquistas, “nos últimos cem anos, são de glória incomparável” (palavras
de Xi), um grande jardim a florescer, dando ao líder a “total confiança de que
seremos capazes de criar novos e maiores milagres”.
2022.10.22
– Louro de Carvalho
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