A
proposta de lei do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) foi aprovada na
generalidade, a 27 de outubro, com os votos favoráveis do Partido Socialista
(PS) e com a abstenção do Partido de Pessoas Animais e Natureza (PAN) e do
Livre (L), mas recebendo os votos contra dos restantes partidos: Partido Social
Democrata (PSD), Chega (C), Partido Comunista Português (PCP), Bloco de
Esquerda (BE) e Iniciativa Liberal (IL).
O
instrumento previsional da conta do Estado segue para a discussão na
especialidade, esperando-se a votação final para o dia 25 de novembro,
horizonte temporal em que serão afinados alguns itens mais problemáticos.
O primeiro-ministro quis assinalar a aprovação do OE2023 na
generalidade com a seguinte evocação: “Faz hoje precisamente um ano que da
votação na generalidade resultou uma crise. Felizmente um ano depois, desta
votação resulta um bom instrumento para enfrentarmos a crise que estamos a
viver.”
O chefe do Governo saiu do hemiciclo acompanhado por todo o
Governo. Conversou, durante vários minutos, com a secretária de Estado para a
Promoção da Saúde, Margarida Tavares. E encaminhava-se para a saída quanto,
interpelado à distância pela RTP, sobre o aumento de juros decidido pelo Banco
Central Europeu (BCE), optou por responder só com a frase acima transcrita.
Porém, António Costa, durante o debate, falou da emergência da
guerra, da inflação e da seca severa, sendo o objetivo do Governo enfrentar
estes desafios, “cuidando do presente com os olhos no futuro”, e não só
responder às emergências diárias. Mais disse que o Executivo está apostado na
ambição reformista definida para esta legislatura.
Depois, destacou os termos da ajuda às famílias, desde as medidas
de controlo do custo da energia à atualização do indexante dos apoios sociais
(IAS) e do salário mínimo acima da inflação, passando pelo congelamento dos
preços dos passes e do teto das rendas.
Ao mesmo tempo, relevou o financiamento à modernização das empresas
com o PT 2020 (Acordo
de Parceria adotado entre Portugal e a Comissão Europeia que reúne a atuação
dos cinco Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, com vista à coesão e
desenvolvimento económico, social e territorial de Portugal, entre 2014 e 2020), com o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e com o
PT 2030 (Acordo de Parceria entre Portugal e a Comissão Europeia,
fixando os grandes objetivos estratégicos para aplicação, entre 2021 e 2027, do
montante de 23 mil milhões de euros) e as medidas de
incentivos fiscais firmadas no acordo com os parceiros sociais, recentemente
assinado, que reduz o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) de
forma seletiva, o que, no seu entender, se traduz, no seu conjunto, “numa
descida de impostos sobre as empresas superior à descida transversal de dois
pontos percentuais na taxa de IRC”.
Ainda sobre as empresas, disse que o objetivo é aumentar a
competitividade em 2% e elevar o peso das exportações no produto interno bruto
(PIB) para 53%, em 2030.
Por outro lado, o primeiro-ministro frisou a vertente das “contas
certas”, que levam à redução do défice e da dívida (cujo serviço fica mais
oneroso com o aumento de juros em curso e com o expectável), o que dá ao OE2023
o cariz de prudência.
Do
lado da oposição vêm os mimos da praxe:
BE
fala de truque e de aldrabice e cola o OE2023 ao programa do governo de Passos
Coelho.
O Chega, apontando “ilusão”, “fraude” e “falsidade”, fala em
pobreza energética e questiona o Governo sobre o que estava a fazer para que,
em Portugal, as pessoas deixem de morrer de frio.
O PCP considera que este orçamento “não assegura a resposta aos
problemas económicos e sociais imediatos” e “agrava a injustiça fiscal”. Acusa
o Governo de “desconsideração” dos problemas do povo de, um lado, pela “desvalorização
real dos salários”, e, por outro lado, de oferta de “vantagens e privilégios” aos
grupos económicos. Entende que, “num momento em que a inflação torna cada vez
mais difícil a vida do povo”, são cada vez mais necessárias “medidas de
controlo e fixação de preços para travar o aumento do custo de vida, bem como o
aumento de salários e pensões”. E, sustentando que, no atinente a pensões e a reformas,
“o que está em curso é uma fraude”, evidencia “o contraste entre a maioria
absoluta do PS e os seis anos anteriores”.
Por seu turno, o deputado do Livre apontou culpas à esquerda e
pediu que se “use bem” o debate até à votação final. Lamentou a ausência do debate
das grandes opções do plano (GOP), que integram a proposta do OE2023 e que
também foram votadas. Trata-se da “vitória do curto prazo sobre o médio e longo
prazo”, como afirmou. E, sobre a divergência com Espanha em relação às
remunerações, fez o mea culpa, dizendo
que esse ónus não pode ser assacado à direita: “Fomos nós que deixámos escapar
esse objetivo.”
A deputada da IL criticou o facto de não haver resposta à inflação
pela atualização dos escalões do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
(IRS) e o de as medidas nesse sentido serem “insuficientes”. Propôs a redução do imposto
sobre o valor acrescentado (IVA) nos produtos alimentares, medida da maior
importância, a que junta a “efetiva redução do IVA de eletricidade e gás”. Quanto aos impostos diretos,
como o IRS, vai propor uma medida que “trará ganhos para os rendimentos mais
baixos e será neutro nos mais altos”, além de propor a criação de um “subsídio de habitação”
como o mesmo tratamento fiscal do subsídio de alimentação. E concluiu falando em enganos, que nota,
por exemplo, “na opacidade” em relação aos riscos que o país corre em temas
como a TAP e o Novo Banco.
O PSD assume que este é um orçamento “sem estratégia ou visão para
o país”, de “remendos”, de “empobrecimento”. Desmentindo que o PSD esteja
envolvido numa campanha internacional a favor da subida das taxas de juro,
questiona: “Quem nomeou o governador do Banco de Portugal? E como votou?”
Observa que “Portugal é hoje um país mais pobre e desigual”, não passando o
aumento de pensões de “ilusão monetária”. E diz que estamos perante mais um
orçamento em que “falta ambição de crescimento económico” e “mais um orçamento
de voracidade fiscal”, não havendo mais reformas “porque, simplesmente, o PS
não quer”.
Depois de o líder parlamentar do PS ter respondido aos remoques
das oposições, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
encerrou o debate em nome do Governo. “Estamos aqui para construir”, disse,
voltando a lembrar os efeitos da pandemia e da guerra na economia nacional. Lembrando
o seu aumento previsto para o próximo ano, frisou que, “em 2015, para alguns,
parecia impossível aumentar o salário mínimo, mas conseguimos”. Acentuou que
isso “teria sido impossível, se tivesse sido a direita a governar durante estes
tempos”. E puxou o lustro do curriculum
vitae do governo, agora com a taxa de desemprego na pandemia: “Em 2012, a
taxa de desemprego jovem ultrapassou os 41% levando milhares de jovens a
emigrar. Não é o que queremos.” Enfatizou a gratuitidade das creches, 100 mil
previstas para 2024, “uma medida transformadora” em prol da “igualdade” entre
crianças, mas também entre homens e mulheres e jovens que assim terão os custos
reduzidos. Garantiu que “este é um orçamento de concretização dos acordos e
compromissos assinados e com respostas concretas num momento em que a incerteza
reina”. E, enfatizando que o Executivo quer um “crescimento inclusivo”, a
ministra afirmou que o OE2023 assegura mais apoios sociais, além da manutenção
do poder de compra por parte dos pensionistas: “Ao contrário do que se passou
em 2015, hoje podemos afirmar que as pensões não têm qualquer corte.”
Obviamente, não iria dizer outra coisa!
Por fim, encerrou a sua intervenção, vincando que o governo continuará
com os portugueses na linha da estabilidade e da confiança, do compromisso e da
solidariedade.
É óbvio que o OE2023 é marcado pela insuficiência frente aos
desafios. A perspetiva das “contas certas”, justificada pela necessidade de
redução da dívida e do défice, leva a que os pensionistas não tenham o poder
que compra que almejam, bem como os funcionários da administração pública. No
entanto, o Governo entende que há folga orçamental para reforço dessas
rubricas.
Evidentemente, há que evitar que o país bata no fundo e tenha de
se enveredar pelo corte de salários, de subsídios e de outros apoios. Falar de
insuficiência e de que o Governo poderia ir um pouco mais longe é legítimo;
falar de trapaça e fraude é injusto. Querer aplicar um programa como o de 2012
a 2015 é masoquismo; mas atribuir o crescimento do Chega à governação de Passos
Coelho é descabido neste momento.
As crises são propícias aos populismos que funcionam como canto de
sereia e favorecem a tomada de medidas radicais. Porém, os populismos,
nomeadamente os do Chega, também resultam das falhas da democracia e da
insuficiência de políticas públicas em áreas sensíveis. E isto não se combate
com o défice democrático, com a suspensão da democracia ou com a ostracização
dos populistas, mas com políticas pertinentes e sustentáveis que abranjam todos
os setores de carência ou de depressão, nomeadamente a segurança pública, a educação,
a saúde, a proteção social e a moralização dos órgãos e dos departamentos do
Estado, bem como a assunção da ética por parte de todos os detentores de cargos
públicos.
E, se o governo negoceia rendimentos com patrões e com sindicatos,
porque não negoceia com os pensionistas? Por onde anda a APRe (associação de aposentados,
pensionistas e reformados)?
2022.10.27 –
Louro de Carvalho
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