O Governo apresenta, a 10 de outubro, ao Parlamento o Orçamento do Estado
para 2023 (OE 23), porém, muitas das suas linhas gerais, incluindo o cenário
macroeconómico em que se apoia foram antecipadas no acordo de rendimentos e
competitividade negociado com os parceiros sociais, embora nem todas as medidas
tenham aplicação em 2023.
Gizado em clima de incerteza criado pela guerra e em novo ciclo de taxas de
juro, traz significativa atualização dos escalões do imposto sobre o rendimento
das pessoas singulares (IRS) e outras novidades para as famílias, bem como a
atualização das pensões e algum aumento salarial para os funcionários públicos.
Reduz o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) para as empresas
que subam salários, reforcem a capitalização ou apostem na investigação e
desenvolvimento, bem como as pequenas e médias empresas (PME).
Os escalões de IRS que definem o imposto que as famílias entregarão ao
fisco são atualizados em 5,1%, para assegurar a neutralidade fiscal das
atualizações remuneratórias. Assim, quem tem tiver aumentos de vencimento
daquela ordem não será penalizado no IRS.
Está prevista a aproximação e, sempre que possível, a eliminação da
diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para o
sistema de retenção que assegure que a valorização salarial se traduz em ganho
líquido mensal para o trabalhador.
Também o Executivo propõe a reformulação das regras de
funcionamento do “mínimo de existência” para conferir maior progressividade ao
IRS, passando da lógica de liquidação final para a de abatimento a montante,
beneficiando os rendimentos até 1.000 euros por mês e eliminando a distorção
atual de tributação a 100% dos rendimentos imediatamente acima da atual RMMG (Remuneração
Mínima Mensal Garantida), que sobe para 760 euros, em 2023.
No IRS Jovem, aumenta o benefício, a extensão do Programa Regressar (terminava no próximo
ano) e a criação do incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a
desempregados de longa duração. E o subsídio de alimentação fica
isento de imposto até aos 5,20 euros por dia.
O aumento das pensões é conhecido desde que o primeiro-ministro apresentou
o pacote de apoios às famílias contra a inflação, que gerou polémica, por não
respeitar a fórmula legal para a atualização das pensões. O incremento será de 4,43% para as pensões até 886 euros, de 4,07%
para as pensões entre 866 e 2.659 euros e de 3,53% para as restantes pensões
sujeitas a atualização. Se fosse aplicada a fórmula legal, os aumentos
oscilariam entre os 7% e 8%. O Governo justificou a diferença com a necessidade
de preservar a sustentabilidade da Segurança Social.
Em recente encontro com os sindicatos, a ministra da Presidência propôs a subida global média de 5,1% (de 2% a 8%) dos rendimentos dos
trabalhadores da função pública, incluindo aumentos salariais e
progressão na carreira. O salário mínimo na Função Pública tem o aumento mais
expressivo no próximo ano, crescendo 8% para os 761,58 euros. Os vencimentos brutos até 2.600 euros mensais aumentam 52,11 euros.
Acima dos 2.600 euros, a atualização mínima será de 2%. Esta estrutura de
aumentos, de 738 milhões no OE 23, que será replicada nos anos seguintes,
resulta em subida média de 3,6% no salário dos funcionários no próximo ano.
É revista a Tabela Remuneratória Única, distinguindo-se
as diferentes carreiras, nalguns
casos já em 2023. É o caso dos assistentes técnicos, que recebem o adicional de
52,11 euros a partir de janeiro. Os técnicos superiores recebem mais 52 euros.
A progressão é mais rápida (três níveis) para mais de 30 anos de serviço e para
os assistentes operacionais com mais de 15 anos (dois níveis). Tudo dá o custo de 1.200 milhões de euros em 2023, passível de
alterações em concertação com os sindicatos da administração pública. Uma
das questões em cima da mesa é o subsídio de alimentação, atualizado em 2017
para 4,77 euros, que subirá para 5,20 euros.
Está sem efeito a redução transversal do IRC, defendida pelo ministro da
Economia. Em vez disso, o OE 23 traz nova redução seletiva. O caminho vem traçado
no acordo de rendimentos. A redução abrangerá empresas com contratação
coletiva dinâmica, valorização de salários e diminuição da disparidade salarial.
E o Governo propôs uma majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações
e contribuições sociais), no IRC.
A diminuição seletiva abrangerá as empresas que
invistam em Investigação e Desenvolvimento, reforçando
as condições do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento
Empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto. E será premiado o
reinvestimento de lucros retidos, com a criação do Incentivo à Capitalização de
Empresas (ICE).
As PME com lucro tributável até 50 mil euros acedem à
taxa reduzida de IRC de 17%. Aplica-se
também a empresas em atividade nos territórios do Interior. E, na vigência do
acordo, a taxa reduzida aplica-se, por dois anos, a empresas que resultam de
fusão de PME.
Outra boa nova para as empresas com frota automóvel é a redução em 2,5 pontos percentuais das taxas de tributação autónoma aplicáveis
aos veículos híbridos plug-in. E há
uma diminuição das taxas para veículos ligeiros movidos a Gás Natural Veicular
(GNV).
Todavia, podem algumas destas medidas não avançar em 2023 (o acordo é
plurianual).
O acordo de rendimentos inclui medidas de simplificação administrativa que
podem constar ou não do OE 23. São exemplos a criação do regime geral de
taxas ou a eliminação e simplificação de processos burocráticos no
âmbito da Reforma dos Licenciamentos.
Na Segurança Social, sobressai a eliminação da obrigação de
comunicação mensal das declarações retributivas pelas entidades
empregadoras, havendo necessidade de comunicação só em caso de alterações.
Idem, para as comunicações trimestrais dos trabalhadores independentes.
Resta algum apoio à prestação do crédito à habitação e à supressão da
comissão de amortização.
O cenário macroeconómico que serve de base ao OE 23
foi conhecido a 7 de outubro, quando o
Governo apresentou aos partidos as linhas gerais do documento. Ao invés do que os
economistas temem em relação à Zona Euro, o primeiro-ministro afasta a
hipótese de recessão em Portugal e 2023. Disse-o no debate sobre
política geral no Parlamento e, no final da cerimónia do 5 de outubro, afirmou
que a nossa economia registará um “crescimento económico moderado”, “acima da
média europeia”. Depois, previu que haverá “desaceleração significativa da
inflação”. O Governo está a trabalhar com uma previsão de crescimento de
6,5% este ano, que abrandará para 1,3% em 2023. E, no cenário macroeconómico
que integra a proposta do OE 23, aponta para a redução da dívida pública (cujo
serviço já está mais caro) de 115%, neste ano, e para 110,8%, no próximo
– valores anteriores ao tempo da troika.
O défice será de 1,9% em 2022, caindo para 0,9% em 2023. E a inflação será de
7,4%, no final deste ano, desacelerando para 4%, em 2023.
Por seu turno, o Conselho de Finanças Públicas (CFP)
atualizou a sua projeção, antecipando forte travagem da economia de 6,7%, neste ano, para 1,2%, no
próximo. A taxa de inflação média deverá situar-se nos 7,7%, neste ano e
em 5,1%, em 2023 – valor acima do previsto, por exemplo, para o aumento das
pensões, mas idêntico à atualização dos escalões de IRS.
Ao contrário do primeiro-ministro, o CFP não afasta o cenário de recessão,
sendo o cenário atual “um cenário prudente face à informação que dispomos”.
O Boletim Económico de outono do Banco de Portugal (BdP) não traz
previsões para 2023, mas frisa que os efeitos negativos da agressão militar na
Ucrânia “serão mais notórios em 2023” e antecipa “uma desaceleração
significativa face a 2022”. Ao mesmo tempo, prevê, para 2022, a taxa de inflação
de 7,8%, a do crescimento do consumo privado em 5,5%, a do investimento em 0,8%
e a do desemprego em 5,8%.
***
Enquanto o Presidente da República, ignorando aposição do CFP e os avisos
do BdP (a pedir moderação salarial e cautela no apoio às empresas), veio a
terreiro clamar que as provisões do Governo são realistas, os partidos com
representação parlamentar, que se reuniram com o ministro das Finanças e com a
ministra dos Assuntos Parlamentares, teceram críticas ao OE 23. O Partido
Social Democrata (PSD) criticou a “voracidade e asfixia fiscal”, por
não “devolver às famílias e às empresas” o acréscimo de receita fiscal nos
cofres do Estado, e acha “ilusório” o crescimento de
1,3%, por advir da comparação com uma fase de pandemia e da recuperação no
consumo privado que terá “retração significativa”. A Iniciativa Liberal (IL)
considera demasiado otimistas as previsões do cenário
macroeconómico em causa, havendo que perceber os riscos orçamentais do
crescimento económico baseado no do consumo das famílias, que
desacelerará. E, para o Chega, a previsão de 4% para a
inflação “merece as maiores reservas” e é mau não haver descida no
imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
À esquerda, o PCP acusa o Governo de obsessão pelas contas certas, pelo défice,
em vez de promover a valorização de rendimentos e dos serviços públicos e o investimento
na produção nacional”, pois é essencial proceder à recuperação e
valorização dos salários e das pensões, ao controlo e à fixação de preços de
bens essenciais, à tributação dos lucros dos grupos económicos e reforço de
serviços públicos, designadamente na saúde e educação. O Livre
censura o hábito de, em períodos crise, tentar fazer brilharete com a vida das
pessoas e tentar superar a meta do défice e ir para défice menor. E
o PAN considera “excessivamente otimistas” as projeções do Governo
de crescimento para 2023 e critica a linha conservadora que segue na política
fiscal.
Obviamente não se esperavam aplausos da oposição, mas
esperava-se mais em tempo de crise.
Não aumentam os impostos diretos (há alguma redução),
mas o aumento nominal de salário, díspar do aumento real (o salário real
diminuiu), está aquém da necessidade das famílias e do aumento dos custos de
produção. A timidez e a falta de ousadia, aliadas à obsessão do défice e da
dívida, dão orçamento com base na folha de Excel moderada por alguma cortesia
orçamental.
2022.10.07 –
Louro de Carvalho
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