Pela evidência do papel central da ciência no combate à crise ecológica e
climática, demonstrada por elas, duas instituições internacionais – a Plataforma Intergovernamental Ciência-Política sobre
Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES) e o Painel Intergovernamental
sobre Alterações Climáticas (IPCC) – venceram ex-aequo, a 13 de outubro, o Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2022, de um milhão de euros.
A IPBES é um órgão intergovernamental independente,
estabelecido pelos Estados Membros em 2012, na cidade do Panamá, cuja missão é fortalecer
as bases de conhecimento para uma melhor política, através da ciência, para a
conservação e uso sustentável da biodiversidade, para o bem-estar humano a
longo prazo e para o desenvolvimento sustentável.
Trabalha em quatro áreas complementares:
avaliação – sobre temas (como “polinizadores, polinização e produção de
alimentos”), questões metodológicas (cenários e modelagem”) e ao nível
regional e global (como “avaliação global da biodiversidade e serviços ecossistémicos”);
suporte a políticas (identificação de ferramentas e metodologias relevantes para
políticas, facilitando o seu uso e catalisando o seu desenvolvimento
posterior); capacitação e conhecimento; e comunicação e divulgação.
Apesar de ter sede no Campus da ONU em Bona, na
Alemanha, a IPBES não é agência da ONU.
No seu relatório mais recente, publicado em abril, dá
conta de que, pelo menos, um milhão (entre oito milhões) de espécies da fauna e
da flora estão ameaçadas e 680 espécies de vertebrados foram já levadas à
extinção pelo homem.
Do seu lado,
o IPCC (do Inglês Intergovernmental
Panel on Climate Change), que em 2007 recebeu o Prémio
Nobel da Paz com Al Gore, é uma organização científico-política criada
em 1988, no âmbito das Organização das Nações Unidas (ONU) pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica
Mundial (OMM). O seu objetivo é sintetizar e divulgar o conhecimento mais
avançado das mudanças climáticas que afetam o mundo, especificamente,
o aquecimento global, apontando as causas, os efeitos e os riscos para a
humanidade e para o meio ambiente, e sugerindo formas de combater os
problemas. Não fazendo pesquisa própria, reúne e resume o conhecimento
produzido por cientistas de alto nível independentes e ligados a organizações e
governos.
Num relatório, divulgado em fevereiro deste ano, o IPCC
confirma que já se ultrapassaram algumas fronteiras sem retorno e que perto de
metade da população da Terra se encontra numa situação “muito vulnerável”
devido à exposição a calor extremo, inundações, secas, incêndios ou outros
eventos extremos devido à crise climática.
O júri, presidido por Angela Merkel, ex-chanceler
alemã, salienta que “a evidência baseada na ciência”, que estas duas entidades
intergovernamentais independentes produzem e comunicam, “tem sido fundamental,
não só para o avanço de muitas ações políticas e públicas, mas também para a
necessidade de colocar um ‘caráter de urgência’ na forma como, em termos de
agenda política, é abordada a questão do combate à crise ecológica e à crise
climática”.
A entrega do prémio “à comunidade de cientistas que
abordam duas das crises globais mais complexas que a humanidade terá de enfrentar
neste século XXI” põe, como refere o geógrafo Miguel Bastos Araújo, vice-presidente
do júri e Prémio Pessoa 2018, o foco “no esforço de mobilização e síntese de
conhecimento científico sobre a crise climática e a biodiversidade de forma a
proporcionar aos decisores políticos a melhor informação disponível”.
O geógrafo lembra que o júri teve em conta “a
iniciativa do IPBES e do IPCC que deu origem a um estudo publicado em 2021, no
âmbito de preparação da COP26, e que vincula a crise climática e de biodiversidade
uma à outra”. E realça que “não será possível responder à crise climática sem
uma resposta corajosa à crise de biodiversidade” e não se conseguirá “proteger
a biodiversidade planetária, tal e qual a conhecemos, se deixarmos o clima
derrapar para além dos limites de segurança planetária”. Efetivamente, como
aponta, a atmosfera possui menos de 2% do carbono planetário, 7% está armazenado
sob forma de combustíveis fósseis, os restantes 91% estão armazenados no mar e
na terra e uma parte deles “depende de processos dependentes do funcionamento
dos ecossistemas e da biodiversidade”.
Para Anne Larigauderie, Secretária Executiva do IPBES,
o prémio representa “uma poderosa declaração que confirma que a perda global de
espécies, a destruição de ecossistemas e a degradação dos benefícios da
natureza para as pessoas, em conjunto, representa uma crise não só de magnitude
semelhante à das alterações climáticas, mas também uma crise que deve ser
abordada, pelo menos, com o mesmo caráter de urgência”. Por isso, a mensagem
principal dos cientistas da plataforma é: “Ou combatemos e resolvemos as crises
da biodiversidade e do clima, juntas, ou falharemos em ambas as frentes.”
Por seu turno, Hoesung Lee, presidente do IPCC,
enfatiza que “a ciência é o instrumento mais importante que temos para combater
as alterações climáticas, uma ameaça clara e iminente ao bem-estar e meios de
subsistência humanos, e ao bem-estar do planeta e de todas as suas espécies”.
Honrado com a distinção, o professor de economia coreano, sublinha que, para os
cientistas do IPCC, “este prémio é um reconhecimento e um incentivo, e também
uma forma de pressionar os decisores políticos para uma ação climática mais
decisiva e eficaz".
O trabalho da IPBES e do IPCC vive do resultado do
trabalho voluntário de milhares de cientistas de todo o mundo e inclui o
contributo de comunidades indígenas. Os representantes das duas instituições
presentes na atribuição do prémio – escolhidas de entre 116 nomeações de 41
nacionalidades, dos 5 continentes – disseram estar muito honrados com a
distinção.
Este é o terceiro ano em que a Fundação Calouste
Gulbenkian (FCG) atribui este galardão que visa “promover o desenvolvimento
sustentável, o bem-estar e a qualidade de vida de grupos vulneráveis da
população, em equilíbrio com a proteção ambiental e a prosperidade económica”.
A primeira distinguida foi a jovem ativista sueca Greta Thunberg, em 2020, que
sempre chamou a atenção para o que diz a ciência. O premiado em 2021 foi Pacto
Global de Autarcas para o Clima e Energia (Global Covenant of Mayors for
Climate & Energy).
***
Anne Larigauderie, a ecóloga francesa que preside à IPBES, acredita “que a
ciência permite tomar melhores decisões políticas para a biodiversidade” e
enaltece o trabalho voluntário dos cientistas, que o fazem porque são apaixonados pelo seu trabalho.
Sobre a divisão do prémio,
considera que reforça
a ideia da ligação entre a biodiversidade e as alterações climáticas, que não
devem ser vistas em separado. Tanto assim é que “as pessoas se preocupam cada
vez mais com a crise que afeta a natureza, observam-na nos campos em redor dos
locais onde vivem e apercebem-se de que o mundo vivo está cada vez mais pobre”.
Do relatório da IPBES, sublinha o facto de concluir que
“o mundo está a viver uma degradação de ecossistemas a uma taxa e escala sem
precedentes na história humana”, de descrever o que está a acontecer e de apontar
as razões e o que pode ser feito para alterar isto.
Observa que as causas
principais da perda de espécies na natureza – todas derivadas da atividade
humana – são: a
destruição de habitats naturais, como
a desflorestação; a sobre-exploração de recursos naturais, nomeadamente nos
oceanos com a sobrepesca; as alterações climáticas associadas à atividade
humana; a poluição, como o uso de pesticidas ou fertilizantes na agricultura; e
a invasão de espécies exóticas, que criam grandes problemas nos ecossistemas.
Tudo isto – que deve ser tido em conta nas decisões
políticas – afeta a segurança alimentar, a saúde e a qualidade de vida, bem
como os valores não materiais da natureza, associados à cultura de algumas
populações ou que dão um sentido de pertença, de lugar ao qual as pessoas estão
ligadas física ou espiritualmente.
Frisa que os relatórios do IPBES e do IPCC pretendem informar os
decisores políticos, mas também o público em geral, fazendo chegar a informação
científica aos media, bem como aos cidadãos e consumidores de forma a terem em
atenção a importância de proteger os polinizadores, de conservar os solos, de
plantar uma maior variedade de culturas ou de alterar a dieta alimentar e
reduzir o desperdício (que são tarefas de todos). E, sobretudo, entende que “ainda
podemos mudar o curso das coisas”, pois “a natureza ainda pode ser conservada,
restaurada e usada de forma sustentável” e “a biodiversidade pode recuperar
rapidamente quando, por exemplo, se protegem stocks de determinadas espécies de
peixes.
Questionada sobre as expectativas
para a próxima Conferência das Nações Unidas (COP 15) sobre biodiversidade, que
realizará em Montreal, de 7 a 19 de dezembro, salienta que “é o fechar de um ciclo, tendo em conta que as metas de
Aichi não foram atingidas”. Devem quantificar-se os objetivos, que devem ser
ambiciosos, associando números, sobre quanto é preciso reduzir e sobre incentivos
para reduzir e fazer melhor. E, para ajudar os países em desenvolvimento, onde
se encontram as áreas com maior riqueza em biodiversidade, como em África ou no
Brasil”, o que é bem necessário, requer-se investimento. Por isso, o dinheiro
do prémio servirá “para financiar os três grandes projetos do IPBES a nível
mundial, um dos quais serve para ajudar empresas a reduzir os impactos no
ambiente e a pegada negativa na biodiversidade, pois temos de proteger a
diversidade biológica que há no mundo, porque “não queremos ficar sozinhos
neste planeta”.
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Boa pedrada no charco para o combate científico na preservação do meio
ambiente e no clima!
2022.10.13 – Louro de Carvalho
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