Distinguido
com o Prémio Camões em 2020, nome central dos estudos camonianos e autor de uma
Teoria da Literatura que serviu sucessivas gerações de estudantes
universitários, Vítor Manuel Pires Aguiar e Silva, conhecido simplesmente por Vítor Aguiar e Silva,
nascido a 15 de setembro de 1939, na freguesia de Real, do concelho de Penalva
do Castelo e do distrito de Viseu, morreu, a 12 de setembro, aos 82
anos, como anunciou a Universidade do Minho (UM), onde ensinou desde 1989 até à
sua aposentação, em julho de 2002.
Camonista e teórico
da Literatura, este professor emérito e catedrático aposentado da Escola de
Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH) da UM era “um dos mais reconhecidos
especialistas na obra de Luís de Camões, a nível mundial”.
“Foi um nome
maior da universidade portuguesa e deixa a sua ação inscrita de forma indelével
na história da Universidade do Minho. A sua obra científica marcou
decisivamente os campos dos estudos literários e da Teoria da Literatura, do
ensino da Língua Portuguesa e das políticas de língua” – acentua o texto do
comunicado da UM.
***
Tendo
aprendido a ler e a escrever com a mãe, frequentou o Liceu Nacional de Viseu (atual
Escola Secundária Alves Martins), onde os seus bons estudos motivaram a
conquista de Prémio de Melhor Aluno. Licenciou-se na Universidade de Coimbra (UC),
onde obteve o doutoramento, em 1971, com a tese Maneirismo
e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, e onde passou a lecionar, até que a revolução
abrilina o retirou do ensino. Porém, depois de reintegrado, retomou as funções docentes
na UC, fez-se professor catedrático em 1979. Porém, em 1989, requereu
transferência para a UM, onde exerceu as funções de vice-reitor entre 1990 até
2002, ano em que se aposentou, e onde fundou o
Centro de Estudos Humanísticos e a revista Diacrítica.
Para
lá dos cargos universitários, esteve na comissão de avaliação dos cursos
superiores de Letras; participou
na criação do Instituto Camões, como coordenador do grupo de trabalho.
Também coordenou, entre
1988 e 1992, a Comissão
Nacional de Língua Portuguesa (CNALP), tendo ainda sido membro do Conselho
Nacional de Cultura. E reviu o texto do Dicionário Terminológico.
Como
ensaísta recebeu vários prémios, entre os quais o Prémio Vergílio Ferreira de
2002, atribuído pela Universidade de Évora, o Prémio Vida Literária, em 2007,
instituído pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) e pela Caixa Geral de
Depósitos (CGD), o Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural, em 2018, e
finalmente, em 2020,
o Prémio Camões o mais importante prémio
literário de língua Portuguesa.
A 4 de
outubro de 2004, foi agraciado pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a
Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública. E, a 16 de outubro de 2018, foi
distinguido com o Doutoramento Honoris
Causa pela Universidade dos Açores.
Justificando
a escolha pela “importância transversal da sua obra ensaística e o seu papel ativo
relativamente às questões da política da Língua Portuguesa e ao cânone das
Literaturas de Língua Portuguesa”, o júri que lhe atribuiu o Prémio Camões
resumiu, deste modo, a relevância do seu trajeto de camonista e teórico da
literatura: “No âmbito da teoria literária, a sua obra reconfigurou a
fisionomia dos estudos literários em todos os países de Língua Portuguesa. Objeto
de sucessivas reformulações, a Teoria da
Literatura constitui-se como exemplo emblemático de um pensamento
sistematizador que continuamente se revisita. Releve-se igualmente o importante
contributo dos seus estudos sobre Camões.”
Na
investigação, dedicou-se à Literatura Portuguesa dos séculos XVI e XVII, à obra
camoniana e às metodologias literárias. Os seus escritos
– em que sobressaem Teoria da Literatura (1967), reformulada em
várias edições, A Estrutura do Romance (1974), Teoria
e Metodologia Literárias (1990), Camões:
Labirintos e Fascínios (1994) – incluem: Para uma interpretação do classicismo (1962); O teatro de actualidade no romantismo português:
1849-1875 (1965); Notas sobre o cânone da lírica camoniana (1968);
Maneirismo e barroco na poesia
lírica portuguesa (1971); O significado do episódio da Ilha dos Amores na
estrutura de Os Lusíadas (1972); A oposição democrática e sua ideologia totalitária:
discurso proferido na sessão de esclarecimento dos eleitores e apresentação dos
candidatos a deputados pela ANP [Ação Nacional Popular], que teve lugar na Figueira da Foz, em 16 de
Outubro de 1973 (1973); Reforma do sistema educativo (1973);
Competência linguística e
competência literária: sobre a possibilidade de uma poética gerativa (1977);
Crítica de Livros: teoria literária (1977);
Fialho de Almeida e o problema
sociocultural do francesismo (1983); Imaginação e pensamentos utópicos no episódio da “Ilha
dos Amores” (1988); Maria Alice Nobre Gouveia: 1927-1988 (1991);
Camões: labirintos e fascínios (1994);
A lira dourada e a tuba canora:
novos ensaios camonianos (2008); Jorge de Sena e Camões: trinta anos de amor e
melancolia (2009); As humanidades, os estudos culturais, o ensino da
literatura e a política da língua portuguesa (2010); e Dicionário de Luís de Camões (2011).
***
A sua morte
“é uma perda impossível de reparar”, escreveu no Twitter António Cunha,
presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN),
caraterizando de Vítor Aguiar e Silva como “uma personalidade maior na promoção
da cultura e literatura portuguesas” e louvando a sua “grandeza humanista e
intelectual”.
Além
dos “labirintos e fascínios” camonianos, “interessavam-lhe os clássicos,
maneiristas e barrocos, e os contemporâneos como Jorge de Sena ou Manuel Alegre,
tendo também publicado diversos estudos sobre metodologias, humanidades, ensino
da literatura, estudos culturais, política da língua e a problemática do
cânone”, diz o Presidente da República, que reconhece o trabalho de Vítor
Aguiar e Silva, o recorda
como “camoniano ilustre” que, “entre outras atividades culturais e de
cidadania, esteve na origem da fundação do Instituto Camões” e destaca a
sua Teoria da Literatura, de 1967,
obra “marcante e várias vezes reeditada”.
Também
o presidente da Assembleia República lamenta morte do professor Vítor Aguiar e
Silva, que classificou como “um brilhante ensaísta e historiador da literatura
portuguesa”. Numa mensagem na sua conta oficial no Twitter, Augusto Santos
Silva lembra o Prémio Camões que o historiador ganhou em 2020.
Por
seu turno, Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, manifestou a “grande consternação” pela morte do professor
universitário Vítor Aguiar e Silva, lembrando que “foi até à presente data o
único bracarense” a receber o Prémio Camões. Em mensagem da página de Facebook do
município, sublinha que “é indelével”
a ligação de Vítor Aguiar e Silva a Braga e aos bracarenses.
“Galardoado
com a medalha de mérito Grau Ouro da cidade em 2014, assumiu funções como
presidente do júri de vários prémios literários, tendo dado o nome ao Prémio Vida Literária Vítor Aguiar e Silva, da Associação
Portuguesa de Escritores e do Município de Braga”, refere.
“Nesta
ocasião, obriga a memória recordar o homem de enorme capacidade intelectual,
ampliador de causas e de especial sensibilidade social e disponibilidade para o
próximo. Foi este um dos mais importantes obreiros na defesa da língua
portuguesa, da cultura e do ensino superior em Portugal”, diz Ricardo Rio,
sublinhando que Vítor Aguiar e Silva foi, até à presente data, o único
bracarense a receber o Prémio Camões, “um dos mais
importantes reconhecimentos da lusofonia”.
Em
2021, a APE e a Câmara Municipal de Braga lançaram o Prémio Vida Literária
Vítor Aguiar e Silva que, no valor de 25 mil euros, é atribuído de dois em dois
anos.
É um dos
eminentes professores signatários da Petição
em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, que recolheu, desde
2 de maio de 2008, mais de 128 000 assinaturas.
***
Conheci-o pessoalmente,
admirei o seu poder de rigoroso raciocínio aliado a enorme facilidade de comunicação.
Se é certo que foi um dos insignes contestatários do novo Acordo Ortográfico, também o é que, a 10 de julho de 2010, em
Sernancelhe, esclareceu o auditório de que os inúmeros falantes de Português no
Brasil serão quem liderará a política da Língua Portuguesa nos grandes areópagos,
pois são também quem mais produz em estudos linguísticos e literários no âmbito
da Língua de Camões, o que, digo eu, implica uma aproximação à ortografia do
Português do Brasil.
Por fim,
recordo ter sido um dos homens a quem, num Encontro de Língua Portuguesa,
chamei (os outros foram Óscar Lopes e José Carlos Seabra Pereira) “monstros
sagrados da Literatura”, no encalço do que afirmará o Professor Henrique
Maximino.
2022.09.12 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário