Embora demissionária, Marta Temido ainda está em
funções como titular da pasta da Saúde. E António Costa previu que a sucessão
não é para já, pois quer que seja Temido a apresentar ao Conselho de Ministros os
diplomas regulamentadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS), bem como a nomear
o primeiro responsável pela direção-geral do SNS.
Contudo, já estão na praça os inoportunos palpites
sobre o possível sucessor, cuja escolha passará pelo aparelho do Partido Socialista
(PS) ou apenas pela preferência pessoal do primeiro-ministro.
Os bastonários das ordens conexas com a Saúde, nomeadamente
médicos e enfermeiros, e os sindicatos da área, não escondem a preferência por Fernando Araújo, Lacerda Sales ou
Maria de Belém Roseira (esta sobraçou a pasta, que abandonou cansada, passando
a sobraçar outra menos difícil. Querem alguém com peso político, sem ideologias
(é querer a Lua) e com capacidade de negociação. É este o perfil descrito pelos
representantes dos profissionais de saúde para o ministro da Saúde: uma pessoa que
conheça o terreno – e que esse terreno não seja só a gestão
pública ou o setor privado, mas o sistema de saúde como um todo.
Uma primeira
escolha provavelmente estará na cabeça do primeiro-ministro, mas no PS vários
nomes são objeto de especulação e o que reúne melhor currículo é Fernando
Araújo, presidente do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), no
Porto, a convite da ministra.
Manuel
Pizarro, 58 anos, eurodeputado, e António Lacerda Sales, 62, ainda secretário
de Estado adjunto de Marta Temido, ambos médicos: o primeiro de medicina geral
e o segundo ortopedista especialista em medicina desportiva (mantendo ainda
atividade). Têm algum peso nos aparelhos distritais do PS: Pizarro no Porto e
Sales em Leiria. Pizarro foi secretário de Estado da Saúde de 2008 a 2011 e
Sales ocupa a pasta desde 2019. Foram os dois deputados eleitos à Assembleia da
República. Têm perfis profissionais e políticos parecidos e são dois dos nomes
de que o PS fala para suceder a Temido. Seriam escolhas de aparelho e, como
políticos profissionais, assegurariam cuidado na exposição pública e
alinhamento incondicional com o primeiro-ministro. Governantes que pretendem recondução
em listas eleitorais do partido não se dão a ousadias autonomistas.
Todavia,
quem dizem reunir melhor currículo para a tarefa é Fernando Araújo, 56 anos,
também médico (especialista em imuno-hemoterapia) e, além disso, professor
catedrático. Não é militante do PS, mas foi secretário de Estado adjunto e da
Saúde de novembro de 2015 a outubro de 2018, sendo ministro Adalberto Campos
Fernandes. Por convite de Temido, preside, desde fevereiro de 2019, ao CHUSJ. O
seu trabalho tem sido objeto de vários elogios, sobretudo no atinente à
pandemia de covid-19. Escreve com regularidade no Jornal de Notícias e vem-se tornando progressivamente mais crítico
da gestão do SNS e da ação da ministra.
A 27 de
julho, assinou um artigo considerando “i-na-pli-cá-vel” o novo diploma da
valorização das horas extras dos médicos em serviço de urgência. Também
contestou a portaria que estabelece prémios remuneratórios para gestores
públicos do SNS, recusando ser premiado, pois, citando Camões, “o fraco rei faz
fraca a forte gente” e enquanto as tropas não forem valorizadas os generais não
podem ser premiados, pois corre-se o risco “de criar desconfiança, desmotivação
e caos no exército”. Não lhe falta currículo como médico, cientista, professor
e gestor do SNS, nem pensamento crítico, mas este pode contribuir para não ser
o escolhido. E não se sabe se aceitaria o convite que lhe viesse a ser
formulado. Aliás, os males do SNS que levaram Temido à demissão já existiam no
SNS quando ele era governante. A pandemia e a economia (periférica) de guerra
só os avolumaram e expuseram.
A lista dos
ministeriáveis inclui dois outros ex-secretários de Estado: Rosa Matos, 60
anos, administradora hospitalar, que foi secretária de Estado da Saúde entre
2017 e 2018 (ao tempo, casada com o eurodeputado do PS Carlos Zorrinho) e que
administrou hospitais públicos e dirigiu, durante seis anos (2006-2011), a Administração
Regional de Saúde (ARS) do Alentejo: e Luís Goes Pinheiro, 47 anos, que deteve,
durante um ano (2018-2019), a pasta da Modernização Administrativa e que agora dirige
os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. É alguém cuja carreira se
desenvolveu na Justiça e na Administração Interna. Licenciado em Direito, é
especialista em simplificação administrativa e governação eletrónica.
Escolha
surpresa seria a do anestesista Rui Guimarães, cuja liderança do Centro
Hospitalar Gaia-Espinho tem sido elogiada, como já tinha sido quando foi
diretor clínico em Barcelos (dirigindo um inovador programa de diminuição de
falsas urgências).
***
Três
médicos e uma especialista em administração hospitalar são os mais apontados
como sucessores. Têm experiência na pasta da Saúde, têm perfis diferentes e
cada um representa uma estratégia diferente de Costa para os próximos tempos. O
perfil do sucessor revelará a estratégia que o primeiro-ministro reserva para a
Saúde: avançar com reformas, conter a pressão mediática, continuar o legado de
Temido ou garantir o equilíbrio das quotas do Governo e acalmar o PS. É
com base numa destas opções que o primeiro-ministro escolherá o próximo
ministro. São nomes que nos bastidores são dados como previsíveis,
desejados ou até possíveis surpresas. E cada um significa um sinal
diferente, creem políticos, ex-governantes e profissionais de saúde.
Poucos
minutos depois de a demissão ser conhecida, a escolha de Fernando Araújo foi logo
assumida entre a classe médica, e não só, como a melhor opção. E, em conversas
de bastidores, todos lhe sublinhavam a competência, a independência e a capacidade
técnica. Mas o facto de nos últimos tempos ter assumido posições e críticas ao
governo em algumas declarações e artigos de opinião pode impedir a escolha.
Recentemente, considerou que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava sem norte
e avisou que não parava de perder profissionais, médicos e enfermeiros, fruto
da falta de medidas. Tem a seu favor o facto de o CHUSJ estar entre os melhores
do país em eficácia e produtividade. Aliás, na pandemia, o hospital surpreendeu
pelo modo como reagiu ao embate do aumento brusco dos doentes de cuidados intensivos
por covid-19 e chegou a assumir posições críticas quanto à política seguida. É
um excelente técnico que tentaria implementar medidas, mas talvez precisasse de
algumas garantias de Costa. Apesar de tudo, o seu ímpeto reformista como vice-presidente
da ARS Norte não conseguiu atingir todas as urgências da região e fazer deslocar
as utentes do distrito de Bragança para as urgências de ginecologia-obstetrícia
de Vila Real não é encomiástico.
Manuel Pizarro é o
perfil que pode preencher melhor a estratégia de Costa. É um político com
experiência e pode ajudar o primeiro-ministro a lidar com a pressão mediática e
política que envolve o caos que está instalado nos hospitais. Apesar de
estar no Parlamento Europeu, quem o conhece, acredita que dificilmente diria
que não a António Costa. Seria uma escolha que daria sinais de que o
primeiro-ministro quereria um político a comandar a pasta da saúde e que o
ajudaria a enfrentar o país, o partido e os intervenientes na saúde. Além
disso, partilha com Fernando Medina, ministro das Finanças, que tem de dar luz
verde aos gastos de saúde, uma carreira no PS de apoio a Costa. Já foi
secretário de Estado da Saúde por duas vezes e o seu nome já surgiu como
ministeriável noutras ocasiões. Agora, o lugar de presidente da delegação do PS
no Parlamento Europeu dar-lhe-á o estatuto de que Costa precisa para acalmar a
opinião pública e a oposição. Pizarro até já foi do PCP. Esta a opção sinalizaria
que o primeiro-ministro não quer grandes mudanças, mas conter os estragos e
lidar com questão de forma política.
Lacerda Sales, que era visto, há uns meses, como certeza na sucessão de Temido, já não é tão
consensual. Se for a escolha de Costa, a mensagem será clara, dizem
vários responsáveis: “É para continuar tudo igual”. Tem os seus pares como
aliados. Aliás, ao longo dos últimos tempos, era difícil encontrar algum médico
que o criticasse publicamente. Ao mesmo tempo, muitos sabiam que a ministra
estava por um fio e acreditavam que ele seria o seu sucessor natural. É
apontado como homem com “habilidade de contatos e na forma de fazer declarações
públicas”, mas está associado a uma equipa que muitos responsabilizam pelo caos
que se instalou.
Rosa Matos lidera o Centro Hospitalar Lisboa
Central e é elogiada pelas suas capacidades técnicas. Bem pode ser a solução
para Costa cumprir a ideia que tem defendido de que é preciso haver
mais mulheres “em posição de direção e em funções executivas” e pode ser
a solução para garantir as quotas que António Costa sempre defendeu. Aliás,
ainda, quando confrontado com a pergunta dos jornalistas sobre qual poderá ser
o perfil do próximo ministro, Costa respondeu de imediato: “Ministro ou
ministra”, sublinhando que o género não é limitativo. É tímida e não gosta de
exposição, mas gosta de desafios. É
a única dos quatro nomes mais destacados que não é médica. Porém, Costa pode
querer manter uma mulher no Governo e ela tem muita capacidade. Traria
tranquilidade e Costa, que gosta de surpreender, assumiria a estratégia
política da situação.
***
Além da inoportunidade
do avanço destes, que integraram o Governo e que são responsáveis pelo bom e
pelo mal do SNS (Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra), ditos há que
deviam ser improváveis, entre os quais sobressai o que atribui a governação da Saúde
ao socialista marido de Marta Temido. Será que as cotas femininas não passam de
paus mandados dos homens? Haja decoro no discurso, mesmo que seja intriguista,
que tenha classe.
2022.09.01 – Louro de Carvalho
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